quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Os Galos das torres


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Passava, displicentemente, pelo pátio da igreja quando ouvi, perfeitamente audível, um dos galos que assim falava:
— Que vida é essa, meu amigo Bonfim? Diariamente acordamos essa paupérrima cidade, há tantos e tantos anos, e ninguém sequer olha se ainda estamos vivos, aqui no topo dessas eretas torres.
— Calma, camarada Macedo - respondeu o outro que tem o pescoço uns  milímetrozinhos mais elevado que seu galiforme colega - sempre foi assim, desde o começo dos tempos. Bem sabes que só existiram três galos em toda nossa história galinácea que ganharam fama e prestígio pelo que eficazmente realizaram. Está lembrado do galo de Santo Domingo? No caminho de Santiago de Compostela, foi realmente incrível! Já estava bem assado no prato daquele irredutível juiz, que disse:
 — Solto o jovem Hugonell, quando este galo cantar novamente. Imediatamente o assado enfeitou-se de penas e cantou para um espanto geral, saiu correndo e ainda está vivo por lá, no Gallinero. Recorde-se, caro colega, do poético galo de João Cabral, foi uma afirmação daquele velho ditado “Água mole em pedra dura...”, tanto cantou aos extensos ouvidos do pétreo vate pernambucano que este acabou por entender como é que as manhãs realmente se fazem. E por fim, o maioral, o nosso galo dos galos, aquele que azucrinou o impulsivo São Pedro, após ter negado Cristo três vezes, que depois foi chorar amargamente. Pena, que muitos dos homens e mulheres, aí embaixo, até agora não entenderam, amigo Macedo, que nosso canto leva, além de um grande alerta, uma velha e penetrante pergunta:
  Quantas vezes você tem negado a Jesus? Será que estão surdos, Macedo?
 — É amigo Bonfim, você tem razão, mas um pouco de reconhecimento não seria nada mal para o que temos feito e sofrido por essa gente. Você se lembra daquele imenso vendaval, daquele horroroso turbilhão que lhe arrancou deste pedestal e nem os desesperados “cruz-credo” das beatas lá embaixo lhe salvou de um vôo forçado ao duro chão!
— Acho que você esta precisando é de umas boas férias, meu debilitado amigo! Seus pobres neurônios estão a derreter pela inclemência deste sol escaldante, que há tanto tempo está a nos queimar sem direito sequer um abrandante sombreiro, é para isso mesmo! Não foi um vendaval, ou coisa nenhum, foi só o ciúme daquela alvacenta coruja, que também já estava a caducar na convivência daqueles vampirescos e fétidos morcegos. De tanto pousar em meu ombro, bicando o cocuruto, soltou-me deste pedestal e graças a bondade daquele padre, seu xará, estou novamente no meu poleiro.
— É amigo, nosso canto sempre diz: Desperta, tu que dormes! Se boa parte desta cidade continua a dormir, mesmo com tanta luz incidindo sobre seus olhos, eu, mesmo velho e caduco, continuarei alertando esse povo com meu inaudível canto, para que os ímprobos não continuem a cantar de galo neste áspero chão onde alguém um dia semeou um grão de esperança, como uma forma de igualdade e justiça para todos.  
— Concordo amigo, Macedo, vamos continuar a cozinhar o galo e seguir a cantar, sim, do alto destas brancas torres o tempo que necessário for, para que um dia nosso canto possa ser ouvido assim: Amigo, quantas vezes você tem afirmado Jesus hoje??? Nem que volte aquele velho tempo em que as galinhas tinham dentes!

 Raimundo Candido

terça-feira, 11 de outubro de 2011




O SEGUNDO PENSAMENTO
(Poesia e Prosa)

Por Silas Falcão

De porteira aberta e com muito empenho, acolhi os exemplares do Sertanejo, Oh!xente, livro de estreia do conterrâneo Edmilson Providência. Há anos não reencontrava o Edmilson, mas a literatura tem magias, ímãs e facetas benévolas. Após o lançamento, no Teatro Rosa Moraes, dos livros Açucena não é flor que se cheire; Histórias de roça: ciranda, cirandinha, venham monstros cirandar, respectivamente de Lourival Mourão Veras e Elias de França, estávamos eu, Pedro Salgueiro, Bernivaldo Carneiro e Luciano Bonfim numa pizzaria vizinha à Praça da Matriz de Crateús, quando Edmilson ressurge de um passado distante, nos cumprimentando.Rapidamente literatura e livros pertenceram ao cardápio. E nos convidou: “brevemente lançarei meu livro”. E hoje estou lançando o meu Oh! xente ao interpretar e não julgar as poesias e prosas do amigo Edmilson, sempre empilhando nas ancoretas da sua alma novas providências.
Livro à mão e sentindo o cheiro de papel novo, inicialmente desempenhei uma panorâmica. Li os títulos dos capítulos e dos textos. Sobrevoei capa e contracapa. Levitei segundos em alguns parágrafos e frases e ouvi rapidamente as faixas do CD. Todo este “aéreo” foi para sentir o livro e me aproximar mentalmente do poeta. Passo a passo comecei a leitura/viagem me sentindo em casa de minha antiga morada, sob um arejado alpendre com redes estendidas e cheirosas, ouvindo o balançar das conversas de ganhos e perdas, e causos de secas e invernos no sertão.  
Não serei júri literário pois tenho muito, muito que aprender sobre literatura e produção textual, mas elaborarei, prazerosamente, o meu ato de interpretação em parágrafos que serão os meus capítulos. Mas antes, o meu isto: uma realidade jamais será linearmente julgada a partir de duas pessoas. Sempre me conduzo com a verdade de que não vemos a vida como ela é, mas como somos. Não li o livro, mas comentários sobre Obra aberta (1962), de Umberto Eco que observa: “o autor escreve, mas não termina porque o leitor é coadjuvante na elaboração do livro”. Quando lemos um livro, o conteúdo da interpretação – a segunda elaboração – será consequência da visão de mundo do leitor, neste caso eu. Interpretar uma produção literária de alguém é uma atitude mental distinta e cuidadosa, pois não falamos unicamente sobre a sua literatura, mas da percepção dele sobre a realidade – objeto da literatura –que o cerca e como ele manuseia as palavras na elaboração textual. Então, não interpretaremos somente o escritor, mas o conjunto pessoa/escrita.
“Sertanejo, oh! xente” é a poesia anfitriã de oito estrofes alternadas em tercetos e quartetos com rimas dispersas. Ao longo da narrativa contendo sons e movimentos diversos – “balançando o juazeiro/no vento que vem e vai”; “terra... onde canta o patativa/bentivi e o azulão”; “Nessa terra... o forró é a toada...”, – Edmilson (re)canta o vigor do caráter, a obstinação e a esperança do nordestino mesmo sob as lâminas da seca ceifando cores e texturas da paisagem, matam o açude, o verde, as sombras, mas nunca “...a fonte do saber/...o coração.../cheio de amor e de carinho/e de cultura popular”. Esta secular decisão do nordestino em superar lágrimas e espinhos pulverizados pela seca esfomeada, me lança a esta frase que li por aí: “O sol que derrete a cera é o mesmo que seca a argila”.
 “Lamento da natureza” é um canto cinzento como a última hora da tarde de domingo em que as alegrias se despedem. Contra a progressiva chacina da natureza, o poeta denuncia os algozes: “...criaturas decadentes/pelo poder da opressão/construindo suas armas/pra fazer destruição/de uma beleza transmutada/após anos de evolução”. Esta poesia reacendeu uma frase autoral que expus em 1981, no Campus da Unifor, enfileirando-se a dezenas de frases universitárias: “a natureza grita a dor da morte. Onde estão as lágrimas dos homens?” Nesta época eu estava de passagem por meus 24 anos, tinha mais sonhos e no mundo existia mais oxigênio. E é percebendo as reais possibilidades da autodestruição da humanidade que o poeta Edmilson se revolta com a transformação do oxigênio – a natureza – em carvão.
Boêmia e literatura são como a noite, a lua e as estrelas: indissociáveis e mantêm distância da racionalidade. O boêmio de régua (Edmilson) Providência, em “Tributo a Nelson Gonçalves”, lembra-nos um dos expressivos interpretes da alma boêmia brasileira e lhe dedica eternidade quando poetiza: “seu coração/parou pois chegou seu dia/mas sua melodia/não morreu...”. Nós boêmios sempre teremos elegantes e educados pensamentos apontados para Nelson Gonçalves.
O olhar crateuense do autor de Coração de Poeta, homenagem ao Dr. João, o recuperador de corações, se expande entre confetes e serpentinas nas poesias “Oh, Crateús”, “Maravilha e Carreteiros”, “Carnaval 2001”, “Carnaval 2004” e “Crateús, terra da alegria”. As dezoito páginas finalizam o capítulo Música, e cantam Crateús enobrecida por sua cultura, literatura, pelas referências culturais de Lucas Evangelista, Mestre Batista, D’Almeida, a teatrólogo Socorrinha, professora Neide Nogueira e os destaques carnavalescos Tykerê, Mandacaru, Maracatu e os blocos alternativos.Os primeiros versos de “Crateús, Terra da Alegria”, reafirmam os desdobramentos poéticos do Edmilson: “Crateús, terra querida/Revestida de beleza/A grandeza do seu povo/Alegre por natureza/; As noites sempre festivas/Mostrando rara beleza/A grandeza do seu povo/Alegre por natureza.
No capítulo Poesias, mesmo o livro sendo poesia e prosa poética, com exceção de alguns anexos, percorri ruas imaginando quais seriam nossas reações diante da “Revolta do Lixo”. Criativo e consciente foi o poeta lançando a ideia da personificação do lixo observada nas ilustrações da página 61, onde deveria haver frases nos cartazes, enriquecendo a qualidade visual e de conteúdo da manifestação. Mas este detalhe não dissolve a proposta do autor que é despertar consciências de que lixo é uma consequência da cadeia produtiva do capitalismo e que sua permanência pública é uma suja criação da nossa irresponsabilidade.
 
Inesquecíveis são as frases imbricadas harmoniosamente à nossa estrutura mental, alongando nossos pensamentos. Esta é de Victor Hugo: “a alma da terra passa para o homem”. Nos dias iniciais de setembro eu e amigos estávamos numa Fazenda participando dos 83 do pai de outro amigo. Homenageando o aniversariante, uma cantoria com Louro Branco e Zé Cardoso se espalhou no terreiro ganhando o infinito da noite no galope do vento. Da mesa sob as estrelas, observei as paisagens humanas nativas dos lugarejos adjacentes. E olhando olhares, sorrisos e andares, recordei essa frase. As pessoas traziam nas alegrias, nas gesticulações, nas palavras, no andar, nos olhos e roupas a alma da terra em que nasceram e vivem. A poesia “Fortaleza” ratifica o enraizamento humano à terra da sua existência, do seu cotidiano, dos amigos e da sua família. Edmilson, em visita à Fortaleza, se indispôs com a imagem urbana ao ver “gente correndo pra todo lado... Mas pra que tanta correria/se o tempo não volta atrás”.
Colho dos filtros mentais do Edmilson um apadrinhamento de fogueira com a homenagem a quem verdadeiramente merece, tornando pública a identidade cultural, moral, filantrópica dos homenageados. E honrar a literatura eternizando pessoas e suas atitudes humanas nas páginas neste livro é uma opção digna e justa com aqueles que fazem de sua passagem neste planeta passos de valorização da vida para com o próximo, a exemplo de D. Delite , D. Rosa Moraes e Seu Ferreirinha.

A leitura final começa nos Anexos, capítulo ordenado de crônicas em 3ª pessoa, excetuando-se o anexo 13, do Grande Heitor Maravilha, em que ele – 1ª pessoa – narra a origem do bloco alternativo Maravilha e Carreteiros. O final deste meu ato de interpretação será honrado com as presenças das pessoas que desenvolveram a educação e a cultura de nossa cidade. Inicio com a bela crônica – anexo 3 – Ferreirinha, o humanista, do poeta Lourival Mourão Veras. Li a primeira vez no blog da Academia de Letras de Crateús – ALC – e reli vezes observando o seu agradabilíssimo estilo literário. Mas antes, o que é cidade?  Conceito de Lana Cavalcanti: “Cidade é uma aglomeração de pessoas (habitantes, visitantes) e de objetos (edifícios, casas, ruas). Em função dessas pessoas e desses objetos os espaços e a vida urbana se organizam. Tendo isso em mente, podemos estudar a cidade como uma paisagem de objetos, sons, odores, pessoas e seus movimentos”. Mas o meu objetivo é ver/sentir a cidade como um lugar em que as pessoas produzem cotidianamente VIDAS. Como um lugar da familiaridade, afetividade, conectividade, diversidade. Superior a qualquer hierarquia de conceitos, cidade são PESSOAS. E o poeta Edmilson aplicou a acuidade habitando seu livro com pessoas que criaram e desenvolveram portfólios culturais e humanísticos em Crateús. E uma destas é Ferreirinha. Nonagenário Senhor de muitas leituras, memorialista da história de Crateús, cronista, radialista, militante partidário. Noberto Ferreira Filho, imortal da cadeira nº 1 da ALC, é nome de Biblioteca em Crateús. Menino eu ouvia falar do Ferreirinha comunista. Dele implantaram-me grandes medos como mais um papa-criançinhas que a Igreja e a ditadura militar inventaram. Hoje o amedrontamento cedeu à admiração a um HOMEM de caráter que tem amor a vida e as pessoas.

Anexo 4 de recordações.  Contemplações. Agradecimentos. Reverências vitalícias a uma das maiores educadoras de Crateús e do Ceará: Maria Delite Menezes Teixeira. A Dona Delite. A nossa mente pratica memórias voluntárias e involuntárias. Ler Dona Delite, involuntariamente me ocorre o inesquecível e pioneiro Externato, honra e glória da nossa cidade e da Rua da Cruz, espaço da minha infância e adolescência. Recentemente li no blog da ALC a bela crônica “Uma fábrica de sonho”, do poeta Raimundo Cândido, filho Dela. Aquecia Crateús o sol do meio-dia acompanhndo centenas de estudantes para único destino: Externato Nossa Senhora de Fátima. Lembro-me das fileiras de alunos aguardando o chamado do sino para entrar na maravilhosa Fábrica e trabalhar os sonhos. Como todos os sonhos valorosos, estes não eram fáceis de realizar. Muita aplicação na tabuada. Leituras e leituras do insultante e volumoso Livro de Admissão. Todos os erros de aprendizagem e de comportamento, para não macularem a fabricação, a realização dos sonhos e o funcionamento da Fábrica, eram castigados com palmatória e/ou com permanência em sala de aula ao termino desta. Recebi os dois castigos. Especialmente a permanência em sala de aula, sentindo as garras da fome arranhando a lousa do meu estômago. Externato Nossa Senhora de Fátima de onde sempre escuto as vozes adolescentes trabalhando! Quando em Crateús, visito a Fábrica dos meus primeiros sonhos. No www.crateus.ce.gov.br ouviremos a riquíssima entrevista de Dona Delite, dialogando com lucidez de juventude. Hoje, 11 de outubro, foram postados no site 479 comentários dos ex-alunos espalhados pelo Brasil. E todos são unânimes que a Grande Mestra seja homenageada com o Título de Cidadã, que será concedido no dia 14 deste mês, na Câmara Municipal de Crateús. Dona Delite MERECE. E sempre será amada pelos crateuenses.

Outra riqueza humana, no anexo 5: Rosa Moraes. Reincidência da memória involuntária: Colégio Pio XII. Anos 1970. Os alunos esperavam em frente ao velho portão. Sob as frias manhãs na Rua Firmino Rosa, uma respeitável Rosa alta, volumosa, caminhava em direção ao estreito portão de ferro que se abria a Sua passagem. Rosa Ferreira de Moraes fez este percurso por 37 anos. Fui aluno Dela. Também de artes plásticas, mesmo por algumas horas/aulas. Recordo um dia em que Ela convidou o Dr. Sales de Macedo para narrar suas conquistas de vida. A plateia de jovens se despindo da adolescência ouvia imóveis a voz experiente, elegante e vitoriosa. Certamente a Professora queria nos dizer, por uma testemunha respeitável, que a vida é possível. Quando o volumoso som do sino anunciava a última aula do semestre, Ela abraçava fortemente cada aluno, sem distinção de molecagem ou inteligência. Em julho deste ano, eu estava no Teatro Rosa Moraes para posse de novos acadêmicos. Deram-me, pela sequência de propostas enviadas a secretaria da Academia de Letras de Crateús, a cadeira nº 23. Convidei o saudoso e grande cronista Milton Dias para sentar-se como meu patrono. Nunca esquecerei esse momento. Abro um parêntese para agradecer ao poeta/irmão Raimundo Cândido Filho, que apadrinhou minha indicação e todos os acadêmicos. Pois bem. Dos anos 1970 a 2011, luas olhei, sorrisos encontrei, abraços inaugurais e finais pratiquei, pores de sol contemplei, objetividades espantei. E a Rosa? Nunca mais A vi. Quando a cerimonialista da ALC iniciou o final da solenidade, uma Bela paisagem humana cintilou entre o público.  Reolhei. Era a Rosa. Nonagenária. Não duvidei e comandei ordens ao meu lirismo: foto. Sempre retorno à fotografia. A Professora Rosa Moraes ao meu lado, olhando para as lentes do fotógrafo. Para mim. E eu para Ela.

Anexo 7: Manoel Picolé. Eu criança o vi saindo da sua casa, em frente ao cemitério, com o seu original bloco Às de Espada. Manoel Picolé é o morto ressuscitado pelo Edmilson.  

Rio Poti na página 135. Neste anexo, do memorizador dos fatos e pessoas da nossa terra Flávio Machado, eu nadarei um pouco.Trago em minhas memórias voluntárias, as águas deste Rio da década de 1970. O inverno teimoso alongava a sua trajetória em direção às residências da Rua da Cruz e aos medos humanos. Criança indiferente aos truques do rio, eu mergulhava em suas águas barrentas. O tempo escorreu. E sempre encontramos novas maneiras de errar. Hoje, o Rio da minha infância arqueja como sobrevivente de uma seca gorda, de uma tortura cruel. Vai-se evaporando pela ação do crescimento da cidade e da mesquinhez do progresso. Meu Rio Poti! Da década de 1970!      

No desenvolvimento do meu ato de interpretação me senti personagem oculta de várias poesias, músicas, prosas e anexos. Por este motivo me espichei na maioria dos meus capítulos, sempre metendo o bedelho do meu passado. Tentei criar cercados aos meus pensamentos e atitudes para que me restringisse somente a alguns textos da escrita social, política e literária do poeta. Mas foi impossível porque Edmilson não lançou um livro, mas o livro das memórias crateuenses e familiares, estas evidenciadas nas prosas “Minhas folhas”, dedicada as filhas Lívia e Laís, e “Tome uma Providência, uma relembrança (etílica) de quando ele produzia aguardente de cana na fazenda Zeca Lopes. Sertanejo oh! Xente não é um livro impecável. Apresenta algumas falhas técnicas – o sertanejo na capa poderia ser substituído pela imagem do chapéu que está no CD. Ficaria mais subjetiva e com mais arte – e de estruturas textuais. Mas esses ciscos JAMAIS apagarão o autor e sua obra. Após a leitura do livro reouvi o CD. E como a música soma qualidades ao que se escreve!  Das oito faixas, me agradou muito Sertanejo oh! xente, Mulher, Tributo à Nelson Gonçalves e Oh, Crateús.

Livro fechado. Cervejinha ao lado, e no balanço da minha rede – literalmente em minha casa – fiquei matutando a vida e as pessoas. Todo dia lemos as pluralidades do mundo e seus elementos acrescentados. E registramos pessoas sem a consciência de que a vida é acolhimento. Acolhimento de atitude de paz. Acolhimento do sorriso amigo. Acolhimento da boa razão. Acolhimento do erro cometido. Acolhimento das leituras renovando as qualidades das nossas emoções, pensamentos e nossas vidas. Acolhimento do conselho justo e perfeito. Acolhimento das verdades que nos tornam mais humanos e mais válidos. Acolhimento da prudência. Acolhimento da paciência. Acolhimento da flexibilidade. Acolhimento da sensibilidade. A VIDA É ACOLHIMENTO. E rematutei Edmilson: enquanto milhões de seres (h)umanos divulgam/praticam a violência, a morte, o sangue e a dor, ou seja, o desacolhimento, o Edmilson compartilha com o público os seus acolhimentos de saudades, acolhimentos de justiça, união, paz. Acolhimentos de valorização do ser humano. O poeta nos presenteou ACOLHIMENTOS enfeixados nas 140 páginas do seu livro. Incluo os Anexos, mesmo não sendo autorais, que são acolhimentos– centenário de Crateús, Carnafolia, Mestre Lucas Evangelista, Maria do Socorro Malveira Silveira, Tikerê, João Martins de Sousa Torres – escritos por autores diversos.

Um amigo criou Meus livros dos outros, blog de resenhas. Desnecessário falar que meus livros dos outros são seus empáticos literários. Devemos considerar Sertanejo, oh! xente, pelo que ele representa de memórias, homenagens e fonte de pesquisas de algumas linguagens culturais de Crateús, como Nosso livro do Edmilson.

O título O Segundo pensamento surgiu desta verdade: literatura não é reprodução da realidade, mas um comentário, uma postura, um ponto de vista do autor do que ele observa ao redor. Reinterpretar literariamente essa realidade exigirá a mediação do autor – o observante – que usará outras argumentações, que é o segundo pensamento.

Final de leitura que iniciei sem saber que estaria numa espécie de caça ao tesouro. E nos mapas de pessoas, amigos, saudades, lugares, depoimentos, carnavais  
Encontrei-me. 

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

CONTOS DE GABI


CONTOS DE GABI
Autora: Marília Sales
Dia : 08/10/11
O precoce talento literário de Marília Sales esteve no Arte na Praça com o lançamento de seu livro: CONTOS DE GABI.
Transluzia um incontido orgulho nos rostos de Luisinho e Ana Sales.

domingo, 9 de outubro de 2011

O Reino de Qualquertudo & O Jardim de Açucena em Tamboril

















Os dramaturgos Elias de França e Lourival Veras lançaram, dia 07 de outubro último, na cidade de Tamboril (CE), os livros Histórias de Roça: Ciranda, cirandinha, venham monstros cirandar e Açucena não é flor que se cheire, respectivamente. O evento contou com uma plateia de mais de 200 pessoas e foi apoiado pelo Espaço Nordeste do município, dentro da programação do espetáculo teatral O Reino de Qualquertudo e O Jardim de Açucena.

Antes, a plateia divertiu-se com uma esquete teatral adaptada do texto do escritor Pedro Salgueiro intitulado A rua do cemitério apresentada pelo grupo coordenado pelo professor Weksslei e Noélia Melo.

A Cia. de Teatro Os Cara da Arte, que encenou a performance, foi recepcionada pelas coordenadoras do Espaço Nordeste Valquíria Veras, Cláudia Leite, Celiene Alves e Vandeline. Contribuíram igualmente para o sucesso do evento a professora Maria de Fátima Chaves e Janailton Sousa.

A Cia. de Teatro Os Cara da Arte e os autores agradecem a receptividade da plateia e a todos os envolvidos. Especialmente, às produtoras Karla Gomes, Adriana Calaça e Hilda Cristina.

Só vim anunciar os teus cem anos de solidão!

                 Só vim anunciar os teus cem anos de solidão, é o que nos diria se vivo fosse, o mago mensageiro Fausto Araujo com seu olhar à Camões e com sua singularidade assombrosa na memória de mil Megabits para nos recordar, nesta hora, essas doces reminiscências:
— Só vim examinar essas traves de porteiras que se perderam no tempo, carcomidas, amofinadas com tuas longínquas lembranças, que nem mais se atenta ao aboio de fim de tarde. tocando tuas vacas magras para uma solta de cinzentas pastagens e que ainda sustenta a tua ilusão.
— Só vim rever aquelas ruas de outrora, após suportar teus tristes dias as quais ainda te faziam mil e uma libertinas noites com suas oferecidas putas perambulando cheias de luzes. com uma falsa alegria que sempre desabava em outras mil solidões.
— Só vim, novamente, pé ante pé, percorrer os interruptos dormentes de tua velha ponte de ferro quando o memorável Vagão do Sonho Azul apitava e já entrevia a estação amontoada de esperas, abarrotada de impacientes olhares num cair da tarde de domingo.
— Só vim perambular pelos poéticos terrenos baldios onde antigamente se instalavam aqueles fantásticos parques de diversões com seus megafones de voz aveludada, irradiando apaixonadas mensagens da uma fulana para um beltrano, numa melosa declaração de amor. 
— Só vim rodopiar, mais uma vez, na tua velha praça da matriz que se descortinava giroscópica, onde um doce olhar de uma flor-menina te contemplava ao dançar em circunvolução, num vai-e-vem de cheiro de pétalas a te embriagar.
— Só vim excitar-te num alumbramento de mais uma noite natalina, com tua roupa nova de pano de brim, cosida pelas dedicadas mãos de Dona Janoca, aonde nas barracas da praça te regalavas com bolo de milho e aluá admirando-se dos arremates das prendas na quermesse.
 — Só vim atender ao apregoar dos teus mercadores de feira-livre, em uma desordem poética, anunciando feijão de corda e rapadura, chapéu de palha e melancia, onde o cheiro de torresmo saturava o ar junto ao aroma da panelada e ao sabor de uma gostosa salada.
— Só vim abrandar os medos que te pernoitam, desde que te aterrorizou Miguel&Prestes com o fantasma do Capitão Pretinho a te enfrentar de peito aberto e se percebia pelas fendas das portas o zinido das balas anexado a uma ordem: “Poupa munição cabra do Prestes!”
— Só vim até aqui para te alertar, preste atenção nestas eleições, muito cuidado com esses indivíduos públicos obsequiosamente prestativos, não passam de lobos astutos e espertos que só querem te surrupiar, sugar a tua pletora aorta como um bando de vampiros, já se habituaram a viver da tua deleitosa sombra e ditosa guarida. 
— Só vim reouvir a melodia do rio Poti a correr velozmente pelas pedras da goela, a algazarra da meninada pulando das pontes e lá na sinuosa curva do poço da roça rever Mestre Batista que se eterniza pescando as ribeiras paisagens que as águas sempre levam.  
— Vim, outrossim, fiar uns tijolos de rapaduras e uma terça de farinha nas inesquecíveis bodegas da Rua Frei Vidal, no amigo Joaquim Flor, senão lá no final da rua, com um dos dois famosos bodegueiros, o folclórico Raimundo Fernandes ou o honestíssimo Raimundo Cândido.
— E por fim, vim te anunciar que o tempo não pára, a saudade é que faz as coisas pararem no tempo e que és uma cidade digna de melhores dias, pois  de tua centenária solidão emanará a força para o que haverás de ser e unicamente busque no olhar de ontem a visão do teu novo amanhecer. Ainda confiante numa gratificação... tenho dito, Fausto.

Raimundo Candido

Paulo Nazareno disse...
Impressionante! Parabéns Raimundinho, irretocavel.
Lourival Veras disse...


Amigo Raimundo, a cada dia fico mais encantado com sua produção. E quando você toca nossa memória de menino (eu que tive o prazer de conhecer Fausto quando vinha em minha casa anunciar os aniversários do mês), parece-me ainda mais imprescindível apreciar a beleza de seus textos. Parabéns!
Segunda-feira, 10 Outubro, 2011