A luz dança como uma bailarina
diluída nas pupilas do dia e realiza um coito ventral no seio da terra. Transborda
de um sem fim trazendo um imenso calor que fecunda à vida e delibera um suor e
um desassossego ardente nos corpos expostos a essa diurna excitação.
Já
transpirávamos aos borbotões nas primeiras horas do dia, pois a inclemência em
Serra Talhada, o torrão natal de Lampião, começa pelo impiedoso Sol da manhã.
Dizem que em Caicó, no Rio Grande do Norte, onde se realiza a famosa Festa de Sant’Ana, um patrimônio imaterial do
Brasil, que em Teresina, capital do Piauí, e também em Crateús regada
pelo intermitente Rio Poti, no sertão do Ceará, estão os dias mais quentes que
se tem notícia, mas com certeza que, como na Terra do Xaxado em Pernambuco, não
há nada igual.
O
motivo de estarmos ali, numa região tão distante como imensamente quente, era
pela fama lampiônica e pelo talento
do poeta Edmilson Providência, que fora selecionado entre centenas de afamados
compositores de todo País, para concorrer no II Festival de Músicas do Cangaço
com uma elaborada letra chamada Convite a Lampíão.
Depois de saborearmos, com intrepidez estomacal,
um delicioso angu de milho na manteiga da
terra, queijo e galinha caipira ao molho pardo, um prato típico do Sertão de
Lampião, fomos contemplar a Feira, na
Praça Barão do Pajéu, pelo Dia Nacional da Caatinga com encantadoras danças, declamados
louvores poéticos, e uma mostra de fotos do Parque Estadual da Serra da
Pimenteira, onde se localiza a famosa Serra Talhada, demonstrando um forte desenvolvimento
intelectual no município. Inesperadamente alguém intercepta meu amigo e escritor
Flávio Machado, insigne historiador dos Sertões de Crateús:
— Secretário de Cultura, o senhor por aqui?!
Passado o susto e aceito a explicação de que
não era o Secretário do Governo de Pernambuco, lembrei-me que há pouco tempo
uma grande parte da população crateuense desejou intensamente a candidatura do
eminente acadêmico para a cadeira de prefeito, indicação que foi logo recusada.
Agora repito o que dizem os pernambucanos quando desejam que algo de bom
aconteça na vida deles: — Aí
se sêsse, ô xente, ixi maria menino! Sei que, com a candidatura de Flavio, só
tínhamos a ganhar.
É isso o que acontece com as pessoas que expelem
honestidade pelos olhos e transpiram retidão pela alma, chamam atenção das
outras. O Senhor Adauto Bezerra, um agrônomo aposentado que fez questão de
dizer não ter nenhum parentesco com o militar que governou o Estado do Ceará,
foi atraído pelo magnetismo de Flávio, com seu imenso poder de farejar as histórias
que ficam esquecidas nos baús da vida. O versado senhor fez questão de nos
contar tudo o que sabia sobre o Rei do Cangaço, e foi logo afirmando:
— A minha mãe dançou com
lampião! Vou explicar, disse ele.
— O casamento estava marcado
para acontecer na fazenda algodão, aqui pertinho, logo depois do Rio Pajéu. Meu
pai e alguns convidados iam a cavalo, pois a noiva e o padre já esperavam por
lá. De repente avistaram uns sujeitos muito bem armados e pensaram que era a
“força”. Tentaram voltar.
— Opa! Não voltem não!
Ordenou um dos homens. Eram do bando de Lampião. Depois de explicarem o que iam fazer, os
cangaceiros disseram:
—
Lampião está aí, com oitenta homens precavidos. Se entrar, num sai mais não e
se tentarem voltar correm o risco de não chegar. Escolham!
Resolveram
entrar. Virgulino Ferreira da Silva participou do casamento, pois conhecia os
pais dos noivos, mas disse que na primeira dança fazia questão de arrastar o pé
com a noiva. Depois da festança deixou os noivos voltarem para Villa Bella, hoje
Serra Talhada que tenta se recuperar, culturalmente, do que perdeu na época do
Cangaço. Seu Adauto se indignou foi com a primeira passeata gay da região, onde
uns desavergonhados desfilaram vestidos de Lampião, com as vestimentas todas na
cor rosa e ainda dizendo que o Rei do Cangaço era gay. Ousaram chamaram a tal marcha
obscena de Gangagay.
—Veja
só se isso é possível! Tem um advogado gay por aí, um tal de Pedro Moraes, que
vai lançar um livro com o titulo: Lampião, o mata sete. Há se Virgulino voltasse e pegasse um cabra desse,
dependurava amarrado por aquilo, como era de seu gosto fazer.
Despedimo-nos
da agradável feirinha regada a bolo de milho e caldo de cana com limão e fomos
nos concentrar, para logo mais à noite assistir e torcer pelo “Convite a
Lampião” num festival que nos lembrou outros, dos tempos idos, em que participaram
Geraldo Vandré com “Pra não dizer que não falei das flores” e Chico Buarque com
“A Banda”.
É chegado
o momento, os participantes vão se apresentando um a um para uma platéia
animadíssima que aplaudia os seus eleitos. O nosso interprete, Ernesto
Teixeira, na segurança e no requinte deu um show de desempenho numa performance
emocionante. A letra dizia: Meu padim
Padre Cícero / Romão do Juazeiro / diga aí ao cangaceiro / Virgulino Lampião /
para fazer uma turnê / e de perto poder ver / como está nosso sertão.
Tínhamos certeza de estar
entre as cinco primeiras. E aguardávamos ansiosos, madrugada adentro, o
resultado. Nada. O honrado Júri preferiu até uma música que tinha uns aís , uns
uís, gemidos ridículos como coisas próprias de deboche, de chacotas, mas que por
algum motivo obscuro encantou aquela comissão.
Nem o refrão final do nosso
Convite a Lampião despertou sequer um vulto de um justiceiro vingador daqueles
tempos de Lampião: Por isso te peço amigo / reúna os cangaceiros / para essa
grande missão / sei que é cabra valente / mas vai ter que bater de frente / com
a tal de corrupção.
O bacamarte do Rei do Cangaço
desta vez bateu catolé. Sei não, mas
penso que o tal advogado que escreveu o mata sete pode até ter razão. Esses tais
lampiões de hoje em dia...
Raimundo Candido
ASSISTAM AO VÍDEO NO YOUTUBE: http://www.youtube.com/watch?v=IwtOCWF3jvs&feature=youtu.be
José Alberto de Souza disse...
Parabens a todos crateusenses que se fizeram presentes no II Festival de Músicas
do Cangaço, em Serra Talhada, levando sua solidariedade aos conterrâneos
Edmilson Providência e Ernesto Teixeira, pela brilhante participação nesse
evento