sexta-feira, 22 de julho de 2016

Aventuras na Ribeira do Poti



                                                    
Como James Bond, um fictício herói do cinema, quando indagam meu nome, digo: Meu nome é Raimundo, mas pode me chamar de Ribeira, Ribeira do Poti. Na realidade, Ribeira do Poti é o codinome de um grupo de corajosos aventureiros que, aos finais de semana, saem à procura de “riquezas” pelos locais mais recônditos dos Sertões de Cratheús. Nos diversos distritos do município, de Monte Nebo ao Curral Velho, de Irapuá à Oiticica e até nas cidades vizinhas, Novo Oriente, Independência, Tamboril, Ipaporanga, Ararendá, Poranga, inclusive nos limites do Estado do Piauí, o grupo se arisca em busca de “tesouros perdidos”. Registram, em fotos, em textos e divulgam as belezas naturais que o sertão nos apresenta: Formações rochosas invulgares, carrascais inóspitos e quentes, a Caatinga aparentemente morta, mas repleta de vida, a fauna e a flora, as furnas com vestígios históricos dos paleoíndios, as grutas selvagens, as gargantas pedregosas e perigosas de rios e riachos espalhadas pelo imenso vale do intermitente Rio Poti.
A fama já se espalhou por aí. Constantemente recebemos convites, dos mais diversos locais, para fazer uma visitinha, pois a divulgação de um lugarejo perdido no tempo, lá nos cafundós do Judas, é uma forma de reavivá-lo na lembrança das “esquecidas” autoridades administrativas. Procuram-nos até para fazer denúncias sobre as depredações da natureza: - Oh, Seu Ribeira, continuam tirando areia da nossa prainha, aqui no Poço do Piau, na Ibiapaba. O Meio Ambiente veio por aqui, mas não deu jeito!
                Virou hábito. Há, sempre, um local para se visitar. Era a vez do Saco da Cruz, na extrema da chapada do Ininga com o Estado do Piauí, atendendo o convite de um ex-caçador que nos confirmara: - Andei no Saco da Cruz há uns vinte anos, e lá existe uma gruta repleta de riscos avermelhados no teto. A trilha de início é bonita e acolhedora, mas, de repente, a mata se fecha e começamos a íngreme subida da serra, abrindo, no gume do facão, uma nova vereda entre as aroeiras, os paus-d’arco, as imburanas, os pereiros, os angicos e, para dificultando nossos passos, as invisíveis urtigas, o temido cansanção e os teimosos pega-pintos se agarram em nossas pernas. O perfume de velame do campo e de canela brava se impregna o nosso olfato. Súbito, a floresta se abre para um carrascal repleto de belíssimos mandacarus, xique-xiques, coroas de frade, macambiras e croatas. Foi quando, do guia, lá na frente, partiu um alarmante grito: - Opaaa! Curiosos, mas com receio, fomos ver o que era aquele “opa”. Uma jiboia, de metro e meio, interrompia o caminho pela frente. O Ribeira, como iniciado nos segredos e nos mistérios da Caatinga, “dialogou” com a serpente que consentiu a passagem do grupo, e até tiraram fotos abraçados, como velhos amigos de outrora.  Aventuras por cima de aventuras, é o que ocorre com a Turma do Ribeira, nos Sertões de Cratheús!
                E compensa, sim! Enfrentar uma dura viagem na caçamba de um pau-de-arara, por estradas onde não se transita nem carroça, só para se deleitar com as belezas do sertão. Fomos ao Curral de Pedras, lar de uma família apelidada de Pixôcas, uma gente corajosa por viver, isolados, no extremo com o Piauí. O Curral de Pedras é o Portal do Cânion do Rio Poti, na Oiticica. Uma profunda, estreita e compridíssima garganta pétrea, quilômetros de negros blocos de pedras por onde o Poti flui nas épocas invernosas e nos verões se formam poços que nunca secam, pois ali ficamos, um domingo inteiro, remando nos caiaques e nas canoas, até a hora de partir. Na volta, ao anoitecer, resolvemos seguir por um caminho mais curto, mas pegamos uma estrada errada, abandonada há muitos anos. Topamos com um corte no caminho, devido a uma grota, impossível os pneus passarem por ali, a não ser que se reconstruisse a estrada, com as pedras do rio e foi o que fizemos. Um milagre a Picape passar sobre a trilha de pedras pontiagudas, no escuro, como equilibrista de circo.  Nossa alegria durou pouco quando topamos com a linha férrea, pois a passagem de nível não mais existia. O corajoso motorista enfrentou mais um desafio, confiando no velho motor da D20, a frente logo passou, mas o carro entalou nos trilhos. Agora, nem para frente, nem para trás. A providência divina, mais uma vez nos socorreu, quando um grupo de pescadores, ouvindo o ronco do motor, por ali chegou. Um deles logo avisou: - Está na hora do trem passar! Se não tirarem o carro daí, o monstro de fero leva tudo nos peitos. O alvoroço foi grande. Forças surgiram nos braços de quem já estava exausto. Alguém viu o facho de luz da cobra de ferro serpenteando ao longe, mas o que nos salvou foram dezenas de braços dos pescadores funcionando como um motor. E já na estrada, ouvimos o apito ameaçante: Piiiiiiii...
                Outro dia fomos, pela subida do Alto Bonito, na Ibiapaba, até Ipaporanga, só para confirmar a lenda da Cobra Teotonio, num longínquo povoado que existe por lá. Dizem que o sertanejo ouve o choro de uma criança perdida, bem ao longe, lá no ermo da Caatinga. O piedoso cidadão sai procurando, chamando (Ei, menino, onde você está?) e, desprevenido, assim de repente, cai num buraco aberto num lajeiro, no meio da mata. É o fosso fundo que se liga ao Rio Poti, as suas entranhas vão sair no meio do Poço Surubim, que nunca seca, por mais que sejam as estiagens prolongadas. O coitado não escuta mais o choro da criança, ouve é um silêncio sepulcral que vem de dentro da fria caverna, já sem luz e sem ar. As misteriosas testemunhas da mata, com receio, abandonam o local quando um chocalho sibila na escuridão, pois vem vindo as duas bilas de fogo rastejando pelo chão: É a Cobra Teotonio que vem buscar mais uma presa da sua armadilha e a leva para o Poço Surubim, que não tem fundo e não tem fim. Somos testemunhas deste fosso, em Teotonio, sim! O buraco está lá, uma abertura na lájea pétrea do chão do sertão e lá embaixo, o rastro, largo e comprido, da esfomeada Cobra Teotonio.
                Um conselho: “Não deixem suas pernas se viciarem em aventuras não!” Quando menos se espera estamos no meio das trilhas, sem perceber para onde vamos.
                Foi o que aconteceu comigo. Se programei, não sei, se planejei, não me lembro. Sempre que ia aos Tucuns via o Mirante da Ponta da Serra, um lajão suspenso, lá no alto da Serra da Ibiapaba e sonhava: - Ah, se...  Pois, sem perceber eu estava lá, num sábado, à tardinha e para acampar. Armei a Barraca, bem amarrada numa raízes de uns arbustos, acendi umas lamparinas e liguei as lanternas, para ser corretamente ecológico e me deitei numa rede, armada entre as árvores. As estrelas brilhavam como nunca, umas até dançaram pelo espaço, correndo, brincando como crianças travessas, mas vigiadas por Eósforos, o deus dos corpos celestes. Madrugada alta, entrei para dormir na barraca, acompanhado da Mariposa, uma fada mágica que me acompanha nas aventuras. Mas, Éolos também resolveu brincar, e assoprou sobre o platô dos Tucuns, um vento muito, muito forte mesmo. O ímpeto da ventania logo apagou as lamparinas e as lanternas que, amarradas nos galhos de árvores, giravam no ar como espadas dos fogos de São João. O chão da barraca subia com nosso peso, como a querer voar.
A friíssima ventania, com uns 100 Km/h, persistiu, por horas, a brincar como o medo que nos prendeu dentro da tenda de plástico, que só faltou se rasgar de baixo para cima. O temor, como sempre, nos fez rezar e rogamos às plêiades dos deuses da natureza, como faziam os homens primitivos nestes momentos perigosamente arriscados: “Oh desmedida força do sol, oh resplendor do fogo, oh brilho sereno da lua, oh firmeza das rochas, oh imensidades profundas do mar, imploramos proteção da piedosa mãe Terra! Assim seja!” Passado o susto do violento furacão na madrugada, o deus sol apareceu para nos brindar com mais um lindo dia e os raios de luz pincelaram uma paisagem magnifica na nossa frente. Com absoluta certeza, é uma dádiva diária de Deus para amenizar as agruras dos Sertões de Crathéus. E agradecemos, lá do alto, olhando a imenso Vale do Poti: Obrigado Sol, obrigado Terra por nos deixar participar deste grande espetáculo: A vida!
Não vou programar o retorno ao Mirante da Ponta da Serra porque são minhas irrequietas pernas de aventureiro que determinam, se vou ou se não vou! Mas, antecipadamente, lhes convido: - Vambora!

Raimundo Cândido