Como James Bond, um fictício
herói do cinema, quando indagam meu nome, digo: Meu nome é Raimundo, mas pode
me chamar de Ribeira, Ribeira do Poti. Na realidade, Ribeira do Poti é o
codinome de um grupo de corajosos aventureiros que, aos finais de semana, saem
à procura de “riquezas” pelos locais mais recônditos dos Sertões de Cratheús.
Nos diversos distritos do município, de Monte Nebo ao Curral Velho, de Irapuá à
Oiticica e até nas cidades vizinhas, Novo Oriente, Independência, Tamboril, Ipaporanga,
Ararendá, Poranga, inclusive nos limites do Estado do Piauí, o grupo se arisca
em busca de “tesouros perdidos”. Registram, em fotos, em textos e divulgam as
belezas naturais que o sertão nos apresenta: Formações rochosas invulgares, carrascais
inóspitos e quentes, a Caatinga aparentemente morta, mas repleta de vida, a
fauna e a flora, as furnas com vestígios históricos dos paleoíndios, as grutas
selvagens, as gargantas pedregosas e perigosas de rios e riachos espalhadas
pelo imenso vale do intermitente Rio Poti.
A fama já se espalhou por aí.
Constantemente recebemos convites, dos mais diversos locais, para fazer uma
visitinha, pois a divulgação de um lugarejo perdido no tempo, lá nos cafundós
do Judas, é uma forma de reavivá-lo na lembrança das “esquecidas” autoridades
administrativas. Procuram-nos até para fazer denúncias sobre as depredações da
natureza: - Oh, Seu Ribeira, continuam tirando areia da nossa prainha, aqui no Poço
do Piau, na Ibiapaba. O Meio Ambiente veio por aqui, mas não deu jeito!
Virou
hábito. Há, sempre, um local para se visitar. Era a vez do Saco da Cruz, na extrema
da chapada do Ininga com o Estado do Piauí, atendendo o convite de um ex-caçador
que nos confirmara: - Andei no Saco da Cruz há uns vinte anos, e lá existe uma
gruta repleta de riscos avermelhados no teto. A trilha de início é bonita e
acolhedora, mas, de repente, a mata se fecha e começamos a íngreme subida da
serra, abrindo, no gume do facão, uma nova vereda entre as aroeiras, os paus-d’arco,
as imburanas, os pereiros, os angicos e, para dificultando nossos passos, as invisíveis
urtigas, o temido cansanção e os teimosos pega-pintos se agarram em nossas
pernas. O perfume de velame do campo e de canela brava se impregna o nosso
olfato. Súbito, a floresta se abre para um carrascal repleto de belíssimos mandacarus,
xique-xiques, coroas de frade, macambiras e croatas. Foi quando, do guia, lá na
frente, partiu um alarmante grito: - Opaaa! Curiosos, mas com receio, fomos ver
o que era aquele “opa”. Uma jiboia, de metro e meio, interrompia o caminho pela
frente. O Ribeira, como iniciado nos segredos e nos mistérios da Caatinga, “dialogou”
com a serpente que consentiu a passagem do grupo, e até tiraram fotos
abraçados, como velhos amigos de outrora. Aventuras por cima de aventuras, é o que
ocorre com a Turma do Ribeira, nos Sertões de Cratheús!
E compensa,
sim! Enfrentar uma dura viagem na caçamba de um pau-de-arara, por estradas onde
não se transita nem carroça, só para se deleitar com as belezas do sertão.
Fomos ao Curral de Pedras, lar de uma família apelidada de Pixôcas, uma gente corajosa
por viver, isolados, no extremo com o Piauí. O Curral de Pedras é o Portal do
Cânion do Rio Poti, na Oiticica. Uma profunda, estreita e compridíssima
garganta pétrea, quilômetros de negros blocos de pedras por onde o Poti flui
nas épocas invernosas e nos verões se formam poços que nunca secam, pois ali ficamos,
um domingo inteiro, remando nos caiaques e nas canoas, até a hora de partir. Na
volta, ao anoitecer, resolvemos seguir por um caminho mais curto, mas pegamos
uma estrada errada, abandonada há muitos anos. Topamos com um corte no caminho,
devido a uma grota, impossível os pneus passarem por ali, a não ser que se reconstruisse a estrada, com as pedras do rio e foi o que fizemos. Um milagre a
Picape passar sobre a trilha de pedras pontiagudas, no escuro, como equilibrista de
circo. Nossa alegria durou pouco quando
topamos com a linha férrea, pois a passagem de nível não mais existia. O corajoso
motorista enfrentou mais um desafio, confiando no velho motor da D20, a frente logo
passou, mas o carro entalou nos trilhos. Agora, nem para frente, nem para trás.
A providência divina, mais uma vez nos socorreu, quando um grupo de pescadores,
ouvindo o ronco do motor, por ali chegou. Um deles logo avisou: - Está na hora
do trem passar! Se não tirarem o carro daí, o monstro de fero leva tudo nos
peitos. O alvoroço foi grande. Forças surgiram nos braços de quem já estava
exausto. Alguém viu o facho de luz da cobra de ferro serpenteando ao longe, mas
o que nos salvou foram dezenas de braços dos pescadores funcionando como um motor.
E já na estrada, ouvimos o apito ameaçante: Piiiiiiii...
Outro
dia fomos, pela subida do Alto Bonito, na Ibiapaba, até Ipaporanga, só para
confirmar a lenda da Cobra Teotonio, num longínquo povoado que existe por lá. Dizem
que o sertanejo ouve o choro de uma criança perdida, bem ao longe, lá no ermo da
Caatinga. O piedoso cidadão sai procurando, chamando (Ei, menino, onde você
está?) e, desprevenido, assim de repente, cai num buraco aberto num lajeiro, no
meio da mata. É o fosso fundo que se liga ao Rio Poti, as suas entranhas vão
sair no meio do Poço Surubim, que nunca seca, por mais que sejam as estiagens
prolongadas. O coitado não escuta mais o choro da criança, ouve é um silêncio
sepulcral que vem de dentro da fria caverna, já sem luz e sem ar. As
misteriosas testemunhas da mata, com receio, abandonam o local quando um
chocalho sibila na escuridão, pois vem vindo as duas bilas de fogo rastejando
pelo chão: É a Cobra Teotonio que vem buscar mais uma presa da sua armadilha e
a leva para o Poço Surubim, que não tem fundo e não tem fim. Somos testemunhas
deste fosso, em Teotonio, sim! O buraco está lá, uma abertura na lájea pétrea
do chão do sertão e lá embaixo, o rastro, largo e comprido, da esfomeada Cobra
Teotonio.
Um
conselho: “Não deixem suas pernas se viciarem em aventuras não!” Quando menos
se espera estamos no meio das trilhas, sem perceber para onde vamos.
Foi
o que aconteceu comigo. Se programei, não sei, se planejei, não me lembro. Sempre
que ia aos Tucuns via o Mirante da Ponta da Serra, um lajão suspenso, lá no
alto da Serra da Ibiapaba e sonhava: - Ah, se... Pois, sem perceber eu estava lá, num sábado,
à tardinha e para acampar. Armei a Barraca, bem amarrada numa raízes de uns
arbustos, acendi umas lamparinas e liguei as lanternas, para ser corretamente
ecológico e me deitei numa rede, armada entre as árvores. As estrelas brilhavam
como nunca, umas até dançaram pelo espaço, correndo, brincando como crianças
travessas, mas vigiadas por Eósforos, o deus dos corpos celestes. Madrugada
alta, entrei para dormir na barraca, acompanhado da Mariposa, uma fada mágica
que me acompanha nas aventuras. Mas, Éolos também resolveu brincar, e assoprou
sobre o platô dos Tucuns, um vento muito, muito forte mesmo. O ímpeto da
ventania logo apagou as lamparinas e as lanternas que, amarradas nos galhos de
árvores, giravam no ar como espadas dos fogos de São João. O chão da barraca
subia com nosso peso, como a querer voar.
A friíssima ventania, com uns 100
Km/h, persistiu, por horas, a brincar como o medo que nos prendeu dentro da
tenda de plástico, que só faltou se rasgar de baixo para cima. O temor, como
sempre, nos fez rezar e rogamos às plêiades dos deuses da natureza, como faziam
os homens primitivos nestes momentos perigosamente arriscados: “Oh desmedida
força do sol, oh resplendor do fogo, oh brilho sereno da lua, oh firmeza das
rochas, oh imensidades profundas do mar, imploramos proteção da piedosa mãe
Terra! Assim seja!” Passado o susto do violento furacão na madrugada, o deus
sol apareceu para nos brindar com mais um lindo dia e os raios de luz pincelaram
uma paisagem magnifica na nossa frente. Com absoluta certeza, é uma dádiva diária
de Deus para amenizar as agruras dos Sertões de Crathéus. E agradecemos, lá do
alto, olhando a imenso Vale do Poti: Obrigado Sol, obrigado Terra por nos
deixar participar deste grande espetáculo: A vida!
Não vou programar o retorno ao
Mirante da Ponta da Serra porque são minhas irrequietas pernas de aventureiro que
determinam, se vou ou se não vou! Mas, antecipadamente, lhes convido: -
Vambora!