Nelson Sabóia Barros, um Poeta!
Umas gotas de palavras descem a Serra da Ibiapaba. Murmuram segredos que captam do silêncio sepulcral e arqueológico da Gruta dos Caboclos. A última morada de bravos guerreiros, que ali, em calma ordem, repousavam há milhares de anos, no sono dos justos, antes que passos intrusos e gananciosos lhes removessem os ossos e lhes tirassem o imutável sossego, alimentando novas e excêntricas histórias.
Mais e mais palavras gotejam e descem aguadas do monte. Vão se juntando, se aglomerando. Percorrem como um rio as modestas ruas de Montenebo. E arrasta um barco em cujo leme vai um Poeta de nome Nelson Sabóia Barros, nascido no sopé da grande serra, o lugar que um dia foi batizado pelo pioneiro Pe. José Juvêncio de Andrade.
Certas coisas, quando misturadas convenientemente, logo se homogeneízam, como uma multidão de abelhas zunindo, num enxame laborando na florada da época, o que sempre resulta num doce mel. Como a lua clara na abobada escura de Montenebo, apinhada de estrelas. Como a trovadoresca poesia e a doutrina religiosa, que são como dois líquidos homogêneos, quando num mesmo barco, facilmente se misturam. Basta folhearmos a Bíblia, onde navegaremos num caudaloso rio de inspiração poética. Esta narrativa que agora estais a ler, é sobre um agricultor-poeta, ou um poeta-agricultor, mas também está repleta de padres com seus assombrosos sermões que emanavam de suas negras batinas, tudo num só enredo, como uma embarcação que desce um veloz rio.
Quando um vate canta a sua época, louva o seu lugar, como um patativa canta o sertão, nem o incalculável tempo consegue escondê-lo dos holofotes do mundo, se ele colocou em seus verso a sua alma e a sua arte, numa linguagem nascida do coração.
Quem consegue transfigurar as duras coisas mundanas em versos, dando-lhes alma, transformando a inusitada luz do dia em poesia, é um arrebatado mago, um prestidigitador. Assim era Nelson, convertia o cotidiano de seu povo em rimas, em versos de pés quebrados, em belos romances. Foi quando o velho caminhão de seu Luiz Estradeiro, mesmo caindo aos pedaços, se arrastando, por lá passou e ressuscitou-se numa bela estória, engraçadíssima, em que cada peça, à medida que se movia, gemia e reclamava da vida e de seu dono, implorando por uma aposentadoria.
O dia-a-dia se fazia, rapidinho, poesia pela sensibilidade e aptidão que ele tinha com as palavras e com as rimas, como daquela outra vez em que dois sujeitos, um da família Raposo e o outro da estirpe Bandeira, foram às vias de fato, num crime passional e de súbito, saindo da ponta do lápis do nosso Patativa, nasce um verso onde duas iradas feras, um tamanduá bandeira e uma raivosa raposa, duelaram, até a morte.
Nunca uma só vida é suficiente a um poeta. Ele busca vida nova noutras vidas e noutras paragens. Aí navega. Põe seu barco no rio e o impele com fortes remadas, em busca de mais rimas e mais vida. E já no outono da existência, com sua carga repleta de experiência e os olhos enfastiados da inalterável estampa da serra da Ibiapaba, acolhe o convite de José Palhano, um crateuense nascido na localidade Poty , que se fez Padre sob às sombras das asas protetoras do poderoso Dom José Tupinambá da Frota. O Padre José Palhano, um galanteador ao estilo Dom Juan sem nada dever aos padres-show da atualidade, aquele mesmo que espalhou aos quatro cantos do mundo que Crateús prendeu a Santa Peregrina, se candidata a prefeito, e o nosso poeta o ajuda a granjear votos, escrevendo “O Testamento de Judas”, uns pesados versos ridicularizando o rival que provavelmente terminava assim: ”Com um abraço e um beijo de Judas”. O adversário se enfeza e mobiliza a polícia na busca do poeta que já estava sob a proteção e amparo da Igreja, dentro de um dos inúmeros templos sagrados dos United States of Sobral .
Não é mera coincidência se a nossa história sempre recai em barafunda de pessoas e padres, mas é que existe essa atração recíproca entre a poesia e a religião, como já disse. Voltemos a Montenebo. Por lá em anos idos, numa singela capelinha, celebrava uma missa em latim, isso mesmo, no finado idioma latim, numa missa tridentina, o Padre José Maria Moreira do Bonfim. De costas para os fieis, já encerrava a celebração: In nòmine Patris, et Fìlii, et Spìritus Sancti, e o acólito que o acompanhava, solenemente respondia: Amen!
Numa motocicleta, com o coroinha na garupa, saía o Vigário de Crateús em peregrinação pelas igrejinhas do interior, rezando missa. Já se fazia tarde e eles teriam que ir, de Montenebo para Santo Antonio, para outra solene celebração. A noite desce seu teatral manto pelas veredas do sertão e eles resolvem pernoitar na fazenda do Sr. Chico Rodrigues Bonfim, no Curral Velho. De lá iriam, de manhã cedo, cumprir esta outra sagrada missão. A motocicleta devora o chão empoeirado, gemendo sob o peso do padre e do sacristão e eis que, de repente, do meio do mato fechado, surge um bode, que assusta o motoqueiro. E vão os dois ao chão, o padre e o sacristão.
Notícia assim, num sertão abandonado, corre que nem preá fugindo de raposa. Tem suas veredas próprias para chegar aos ouvidos do povo. Vai pelo vento, pelos galhos de marmeleiros, dando suporte à inexplicável frase “um passarinho me contou”, matando a curiosidade sedenta da população. E chegou aos ouvidos do nosso poeta Nelson, que de maneira imprevista fez logo uns versos, que agora vou lhes contar, em primeira mão. Aprecie com calma e bem devagar esse primor:
VERSO DO BODE
Eu vou contar pra vocês
Um caso que aconteceu,
Na fazenda Curral Velho
De um bode que apareceu,
Se a história não é verdade
O inventor não fui eu.
Dizem que o caso se deu
Com o Padre José Bonfim,
Este ia viajando
Montado em seu motorzinho
Quando apareceu um bode
Lhe interrompendo o caminho.
O Padre disse assim
Menino tenha cuidado,
Que vejo aqui na minha frente,
Um bode preto danado,
Que na minha experiência
Este bode é endiabrado.
Fui arredando de lado
O bode a frente tomou,
Foi nesta ocasião
Que quase derrapa o motor,
O menino foi caindo
O Padre se desmontou.
O Padre se assombrou
Com o fantasma do bode
Dizendo tenho certeza
Que passar aqui ninguém pode
Ele pegando o motor
Pra qualquer lado sacode.
Tinha palmo e meio de bigode
Na cabeça um chifre só
Com olho no meio da testa
Com uma perna coxó
Não tinha cauda era suro
Como se chama bicó.
O Padre se achando só
Com o menino desmaiado
Com o fantasma do bode
O Padre estava assombrado
O bode sempre na frente
Pulando pra todo lado.
O menino tinha tornado
E conseguiu se montar
Voltaram pra Crateús
Não foram mais celebrar
E o bode sempre na pista
De quando em quando a berrar.
O Padre pois a puxar
Cento e vinte em seu motor
O bode correndo atrás
Que nunca lhe abandonou,
Na passagem do cemitério
Foi este quem lhe salvou.
Daí o bode voltou
Com duas léguas e meia,
O Padre ficou dizendo
Eu vi a coisa bem feia,
O menino criou coragem
Voltando o sangue das veias.
O bode cortou areia
Pra seu ponto terminado,
O padre saiu dizendo
Agora eu estou descansado,
Mas chegando em sua casa
O motor estava amassado.
Era um bode agigantado
Com dois metros de altura,
Com cinco de comprimento,
Com seis palmos de largura,
O Padre quase se assombra
Quando avistou a figura.
Era fazendo a pintura
Os cabelos eram demais
Como deitavam pra trás
O Padre sempre dizendo
Este bode é o satanás.
Eu acho bem capaz
Deste bode ainda estar lá
Pra atacar os devotos
Que passam pra ir rezar
Como atacou o vigário
Que não deixou celebrar.
Leitores que iam tomar
O conselho do pastor
Para fazer sua páscoa
Como manda o criador
Que é pra todos se livrarem
Do laço do traidor.
Como um bode ele atacou
O Padre da freguesia
Que não deixou celebrar
A missa no outro dia
Por isso que aconselha
Para fazer romaria.
Em Santo Antonio neste dia
Se achava muito animado
Reinava animação
Do povo por todo lado
Com a história do bode
Ficaram tudo assombrado.
Aqui eu dou terminado
A grande história do bode
Dizendo tenho certeza
Passar por lá ninguém pode
Com o fantasma do bicho
Com barba chifre e bigode.
Agora, aprume seus pavilhões auriculares e aguce o sexto sentido, aquele que pressente os mistérios do mundo, para ouvir um alegre foguetório, que vem lá de longe, do céu dos poetas, que é o que ocorre quando se descobre mais um vate escondido por esse mundo de meu Deus. E olhe que este saiu de um celeiro de grãos, na aprazível Montenebo. Um poeta com alcunha de almirante, mas que sabia fazer vibrar as cordas do coração, pois era um lírico cultivador da terra e dos versos, com um cognome Nelson!
Raimundo Candido
Bruna Ximenes disse...
Parabéns Raimundinho, excelente trabalho e muito obrigada por fazer essa homenagem ao meu querido avô, que se hoje estivesse aqui conosco com certeza estaria muito feliz por tal reconhecimento que o foi atribuído! Fique com Deus!
Quarta-feira, 17 Agosto, 2011
Anônimo disse...
Existe gente interessante, locais interessantes, espalhado por todo lugar.
Mais tem um lugarzinho bem pequeno escondidinho num cantinho do Ceará, que dele não posso deixar de falar.
Devo confessar, que desde que conheci muita coisa mudou por la, haaaá e que saudade que dá.
Monte Nebo é esse lugar. E é la que existe uma família muito peculiar da mais alta linhagem principalmente no quesito de contos contar.
Nelson Sabóia Barros foi poeta e por muito tempo fez ali seu lar e como deixou historia pra contar e alguns filhos seguem nas calçadas a nossas vidas alegrar
Nunca no cotidiano pude vivenciar, mais conheci cada plano que fica difícil de explicar, como o plano de uma placa que muito trabalho deu pra roubar, porem, apenas devo confessar que se um dia vocês tiverem o prazer de escutar as historias de Tirica irão sorrir ate rachar.
E quando uma vaca avistar, não pode nem deixar pra la, pergunte a Terezinha que um causo ela vai contar e o final é hilário, tem café pra todo lugar, pois de olho fechado uma vaca na escuridão não da pra enxergar ,porem ela não mora mais la,hoje pra conseguir com ela falar pra radio você ligar o radio dela sempre sintonizado está ,pode confiar .
Pra chegar nesse lugar muita estrada tive que pegar mais sempre na companhia maravilhosa de uma diva que de nossas vidas nunca sairá. Maria pra sempre iremos te amar, pra mim tu estas vivas, nas marcas que me deixam em cada canto deste lugar. É uma pena que tudo que ouvi naquele carro eu num posso nem sonhar em comentar.
Porem, antes de la chegar conheci primeiro de ouvir falar por outra filha que muito orgulho me da, outra cujo a saudades é impossível de matar, mais as historias que me contaste Zezé é de sempre recordar e esta tinha logos repertórios que iam dês do tempo que os bichos falavam, passando por cavalos, raposas e todas as camaradagens da floresta até cachos de testa que até hoje é perigoso contar, há ia esquecendo de falar alem dos contos, poesias e versos como tu gostavas de tocar e cantar.
E a culinária? Vocês podem me perguntar. Vou falar tem G de galo de galinha, tem milho da vizinha, tem charutos da Tia Raimunda ótimos pra arrematar e uma delicia de se provar, sim e cocada sem coco o que é estranho de falar mais tudo isso tem mesmo nesse lugar.Claro devo ressaltar hoje se precisar de ovo o Kim deve procurar, mais bezerro nem conte a tempos eu estou a esperar.
Hoje se tudo isso você quiser comprovar sente na calçada do Zé Nelson e se ponha a indagar e eu creio que brevemente suas respostas você irá achar.
Quinta-feira, 18 Agosto, 2011
Anônimo disse...
NETO DO VÉI NELSON
NÃO APRENDI A RIMAR,
MAS OUVIR CAUSOS DA VIDA
ISSO APRENDI A GOSTAR
VOU PARANDO POR AQUI
PRA FAMÍLIA NÃO CRITICAR
O QUE GOSTO MESMO DE FAZER
É OUVIR DO QUE PROPRIAMENTE FALAR.
Sou neto e filho de Terezinha de Sabóia Roberto, esta sim tem muito causo a dizer do véio Nelson, inclusive o Verso do Caminhão Velho.
Quinta-feira, 18 Agosto, 2011
Luiz Bomfim disse...
Raimundo, o Curral Velho, aí citado, era de propriedade de Francisco Rodrigues, que não era bonfim, casado com com a sua Tia Fransquinha e que é pregado a Santo Antonio.
Andei muito com o Pe. Bomfim na carupa da motocicleta mas, garanto que não era eu o garupeiro nesta viagem que se deu o encontro com o bode danado.
Quinta-feira, 18 Agosto, 2011
Anônimo disse...
Também sou neto dele e o ouvi recitar várias vezes muitos versos. Sou filho de Terezinha de Saboia e sou apreciador desta e outras artes. Em um outro dia, quem sabe , tentarei alguns versos.
Sábado, 20 Agosto, 2011