terça-feira, 13 de novembro de 2012

“QUERO A VIDA NA QUAL ESTAVÁMOS”


                                    “QUERO A VIDA NA QUAL ESTAVÁMOS”
                              “... a busca de uma poesia que ficou perdida no tempo”.

 Por Silas Falcão
Não se anuncie, amigo leitor. Este livro é o seu Grande Mundo. Pode entrar de porta adentro que o anfitrião é cordial. Não tenha cerimônia e nem pressa. Mas antes se despeça do presente, do mau humor, da ingratidão, de qualquer geometria de ausência, porque você fará uma viagem - não é um passeio - por diferentes noites, dias e lugares. Seus olhos armazenarão múltiplas imagens de fatos e pessoas que possivelmente terão afinidades ou parentescos com você. Assim eu fiz ao abrir a porta da primeira página e adentrei informalmente neste livro que também é o meu Grande Mundo. Raimundo Cândido Teixeira, o cordial anfitrião deste Grande Mundo de memórias, é professor, mas antes é poeta, cronista, membro da minha infância e da Academia de Letras de Crateús, e retorna a literatura cearense com Cratheús – do portão da feira aos galos das torres.  

Todo viajante tem a sua interpretação do que vê e escuta numa viagem. Você, leitor, terá as suas variadas impressões durante esta prazerosa viagem literária. Você sentirá emoções amenas e bruscas. Visitará paisagens secas e verdejantes. Conversará com poetas e benzedeiras. Sentará ao lado de dois ilustres intelectuais de Crateús nos longos bancos da igreja matriz ou nos espaços públicos de nossa cidade. Como toda viagem, não haverá monotonia. Repetição de imagens. A terrível consciência do não querer. Cada etapa da sua viajem uma paisagem humana ou geográfica alimentará a sua motivação de continuar até o local de desembarque que será a última página deste livro.

O planejamento e execução desta viagem, que é o conjunto textual deste livro fadigou, em várias etapas da sua elaboração, o incansável cronista Raimundo Cândido. Pelo aprofundamento das argumentações, pelas identificações de datas, de pessoas, percebe-se que ele foi um escafandrista irredutível. Mergulhou fundo nas abordagens históricas, conduzindo-nos a Quinta Avenida de New York, ao Arco do Triunfo e Champs Élisées de Paris, a curitibana Rua das Flores e outros lugares magníficos.  

Caro leitor, assim como ocorreu a mim, possivelmente você não sabe que no Museu Nacional de Meteorologia do Rio de Janeiro está catalogado como Meteorito Crateús um globo inflamado e brilhante de 27 quilos e meio que estrondou como uma explosão de mil dinamites nas margens do Rio Poti. Claro que a sua mente instintivamente perguntará: como e em que ano foi? Durante a viagem você descobrirá a data e outros detalhes interessantes na crônica Zé do Povo, um dos seres humanos ilustres de Crateús. Meu pai, Pedro Severino, para alongamentos da nossa casa enraizada nesta rua, inúmeras vezes contratou a competência precisa e honesta do Zé do Povo que iniciou seu empreendedorismo empresarial aos sete anos de idade. Para saber mais do Zé do Povo viaje por este Grande Mundo embarcando na Maria Fumaça que saia de Crateús para Oiticica.   

É comum os imprevistos causarem desistências, enjoos, cansaço antecipado durante uma viagem. Mas nesta não existem imprevistos virulentos determinando você a desistir da viagem antes do desembarque final n’ A nova Praça.

Raimundo Cândido é honesto e arguto observador. Minucioso no olhar. Microscópico na identificação. É o que percebo neste Grande Mundo de 246 percursos, onde o sertão de antes de ontem se pronunciou em lágrimas ou em aquarelas de cores. Em noites estreladas e sol pesado, em Vaqueiros e Currais. Lendo esta crônica de boi, de corda, de laço e de mourões inquebráveis relembrei um vídeo literário sobre Guimarães Rosa em que o corajoso Manuelzão, vaqueiro que se tornou personagem em Grande Sertão – veredas, manifesta suas habilidades no laço certeiro e suas saudades da terra natal nunca mais visitada.

Cratheús – do portão da feira aos galos das torres é diversidade de enredos inquietos. É uma reposição continua do passageiro-leitor a partir das diversas situações. Consequentemente estes enredos determinam uma redistribuição das emoções humanas no tempo/espaço em cada construção textual. Neste livro os elementos da narrativa não se submetem a uma ordem cronológica. Nenhum enredo se desenvolve sob a rigidez linear do tempo. Os textos, que reproduzem a realidade histórica de Crateús, entrelaçam épocas distintas. Em um determinado momento o leitor estaciona sua mente na fazenda Boa Vista do ano de 1829. Ou em Utopia cabocla, crônica de uma áspera realidade neste final de 2012 que foi a morte do encantador de pessoas Matos Melo que tive o prazer de compartilhar sua fiel amizade no final da década de 1970. Nesta viagem de emoções e recordações, uma frase, uma paisagem, uma data, A celebração das andorinhas ou uma travessia corajosa do rio Poti caudaloso são memórias tão convincentes como o desaparecimento do busto do grande poeta José Coriolano da praça homônima, inaugurado festivamente no dia 30 de novembro de 1947. Outros detalhes deste magnífico dia em que a nossa cidade se arrumou em roupas e felicidades para homenagear o grande poeta, você saberá durante o itinerário. Estes são os mil olhares do nosso cronista que tantas noites, assim como eu, brincou de bila, triângulo, peteca, guerrô e futebol nesta inesquecível Rua Frei Vidal.

Os livros, não necessariamente os literários, mas principalmente estes, têm que exercer o fascínio da permanência do leitor. Caso contrário, ele não atingirá o objetivo maior que é comunicar o que o escritor escreve. Cronista de várias linguagens e signos, Raimundo Cândido não exclui o leitor da leitura com este grave erro de estrutura textual. As suas crônicas desobstrui as nossas vias respiratórias. Reeditam leituras esquecidas no espaço da nossa memória através de uma linguagem compreensível a qualquer nível de leitor. Cratheús- do portão da feira aos galos das torres tem a simplicidade de um botequim e a utilidade artística de um seleiro.

A você leitor, como ocorreu a mim, várias crônicas farão o seu pensamento parar. Destaco Harley, o Palhaço Cara-melada e Chico sem nome. Esta inesquecível Rua da Cruz arquiva memórias antigas de centenas de infâncias humanas. Inúmeras vezes ficávamos sob o frondoso benjamim que sombreava a casa do Harley, de quem ouvíamos histórias e brincadeiras do menino travesso como se estivesse ensaiando o Palhaço que foi até recentemente. Raimundo Cândido estava lá. Despedi-me do Harley ainda na nossa infância e nunca mais no reencontramos. Revi-o através de uma fotografia no face book, dias após sua morte. Chico sem nome, o caminhão-humano, é outra agradabilíssima memória que congela meus pensamentos. A sua imagem física ainda é lúcida em minhas recordações: Corpo sem camisa. Moreno de estatura mediana. Cabelos crespos sobre olhares indecisos. Centenas de vezes ele percorreu a escuridão desta rua da década de 1960 em direção ao nada, ao vazio que era sua vida. Às vezes o caminhão-humano estacionava em frente à casa do meu pai mostrando uma lata fazia. Minha mãe desaparecia no final da casa e retornava da cozinha com alimentos e água. Inesquecível o Chico Budu, antes pai de família em sua profissão de motorista de caminhão. A saudade da família, vítima fatal de um acidente de caminhão, foi o motivo da eterna loucura silenciosa do Chico sem nome.   

A crônica é um estilo de texto que trata do cotidiano. Aborda costumes, problemas sociais ou faz observações sobre uma sociedade de uma época. A reveladora crônica Estecom – Setenta lamparinas faz esta observação de época do ano de 1964 “em que a nossa luzidia energia elétrica advinha de um potente motor a óleo”. Revoltado com a atitude de rejeição a uma mensagem do poder executivo municipal, o Dr. Olavo Frota, a época prefeito desta cidade, agindo contra a câmara de vereadores, ordenou o fechamento da Casa de Força e mandou jogar a chave dentro dela. O Grêmio Estudantil da Escola Técnica Padre Juvêncio, representado pelo jovem presidente Neto Gonçalves e como orador oficial o futuro poeta Juarez Leitão, protestou contra a atitude do prefeito organizando a Passeata das Lamparinas. Caro leitor, há outros detalhes históricos interessantes nesta crônica que você precisa saber. Eu desconhecia esta Passeata das Lamparinas.  Como também não sei quase nada da história da nossa cidade. Mas esta escuridão está desaparecendo.

Como falei anteriormente, este Grande Mundo tem 246 percursos que na linguagem literária são metáforas dos textos compondo este livro. Não serei arrogante em querer falar de todos eles, e o bom senso determina respeito aos ouvintes, ao tempo das pessoas, a paciência do público e a inteligência superior dos que aqui estão, mas não me excluo de convidar você leitor, a saborear as qualidades literárias e, principalmente, a densidade histórica das crônicas Avôhai; Prof. Luiz Bezerra – ponderações de um sábio; Louro da Cruz; Caçadores de tesouros; Galo do Tourão; Coriolano- Príncipe dos Poetas; Preito à loucura; Ofício e banhos no Poti; Uma fábrica de sonhos; e, principalmente, O Ipê e Colibri, crônica manhosa, sutil, conotativa, em que a subjetividade da escrita homenageia a grande educadora Dona Delite. Esta crônica me surpreende pelo final do enredo que a transforma num digno conto.

Cratheús – do portão da feira aos galos das torres é um livro que já pertence ao patrimônio intelectual de Crateús, pela importância das memórias, das histórias que emergem das crônicas como janelas abertas para uma ancestralidade.

O cronista Raimundo Cândido não foi nada cândido ao insultar nossas almas com tantos fatos antigos e recentes, com tantas relembranças antes silenciosas.

Agradeço ao amigo cronista por me convidar a prefaciar este livro. Para esta festa de lançamento em frente a esta maravilhosa Fábrica de sonhos, o Externato Nossa Senhora de Fátima dos meus primeiros estudos e, principalmente, por este evento literário ser, coincidentemente, realizado na rua da minha infância.

Ao amigo poeta, cronista e bom humano, finalizo este prefácio com um pedido: quero a vida na qual estávamos.

LANÇAMENTO: DIA 17 SÁBADO ÀS 17:30 HORAS NA CALÇADA DO EXTERNATO N. S. DE FÁTIMA .
José Alberto de Souza disse...
Brilhante prefácio que desnuda uma obra lapidada na mais pura das gemas, causando-nos uma surpresa incomparável a todos nós ansiosos para apreciar as nuances inesperadas desta escultura literária que nos reservava um artista tão talentoso. Parabenizo ao ilustre prefaciador pelas palavras tão cativantes e plenas de uma sensibilidade incomum.

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Salve!

Lindo prefácio! Certamente portal da urbe erigida pela matemática construção literária do arquiteto Raimundinho.

Silas, um verdadeiro "Falcão" nessa lapidação prefacial, parabéns!

Cândido Raimundo, festejo tua evolução humanística e cidadã. Em especial, a excelência de tua produção no roçado das letras!

Um grande abraço!

Júnior Bonfim