“QUERO A VIDA
NA QUAL ESTAVÁMOS”
“... a
busca de uma poesia que ficou perdida no tempo”.
Todo viajante tem a sua interpretação do
que vê e escuta numa viagem. Você, leitor, terá as suas variadas impressões
durante esta prazerosa viagem literária. Você sentirá emoções amenas e bruscas.
Visitará paisagens secas e verdejantes. Conversará com poetas e benzedeiras. Sentará
ao lado de dois ilustres intelectuais de Crateús nos longos bancos da igreja
matriz ou nos espaços públicos de nossa cidade. Como toda viagem, não haverá
monotonia. Repetição de imagens. A terrível consciência do não querer. Cada etapa
da sua viajem uma paisagem humana ou geográfica alimentará a sua motivação de
continuar até o local de desembarque que será a última página deste livro.
O planejamento e execução desta viagem, que
é o conjunto textual deste livro fadigou, em várias etapas da sua elaboração, o
incansável cronista Raimundo Cândido. Pelo aprofundamento das argumentações, pelas
identificações de datas, de pessoas, percebe-se que ele foi um escafandrista
irredutível. Mergulhou fundo nas abordagens históricas, conduzindo-nos a Quinta
Avenida de New York, ao Arco do Triunfo e Champs Élisées de Paris, a curitibana
Rua das Flores e outros lugares magníficos.
Caro leitor, assim como ocorreu a mim,
possivelmente você não sabe que no Museu Nacional de Meteorologia do Rio de Janeiro
está catalogado como Meteorito Crateús um globo inflamado e brilhante de 27
quilos e meio que estrondou como uma explosão de mil dinamites nas margens do
Rio Poti. Claro que a sua mente instintivamente perguntará: como e em que ano
foi? Durante a viagem você descobrirá a data e outros detalhes interessantes na
crônica Zé do Povo, um dos seres
humanos ilustres de Crateús. Meu pai, Pedro Severino, para alongamentos da
nossa casa enraizada nesta rua, inúmeras vezes contratou a competência precisa
e honesta do Zé do Povo que iniciou seu empreendedorismo empresarial aos sete
anos de idade. Para saber mais do Zé do Povo viaje por este Grande Mundo embarcando
na Maria Fumaça que saia de Crateús para Oiticica.
É comum os imprevistos causarem
desistências, enjoos, cansaço antecipado durante uma viagem. Mas nesta não
existem imprevistos virulentos determinando você a desistir da viagem antes do
desembarque final n’ A nova Praça.
Raimundo Cândido é honesto e arguto
observador. Minucioso no olhar. Microscópico na identificação. É o que percebo
neste Grande Mundo de 246 percursos, onde o sertão de antes de ontem se
pronunciou em lágrimas ou em aquarelas de cores. Em noites estreladas e sol
pesado, em Vaqueiros e Currais. Lendo
esta crônica de boi, de corda, de laço e de mourões inquebráveis relembrei um
vídeo literário sobre Guimarães Rosa em que o corajoso Manuelzão, vaqueiro que
se tornou personagem em Grande Sertão –
veredas, manifesta suas habilidades no laço certeiro e suas saudades da
terra natal nunca mais visitada.
Cratheús
– do portão da feira aos galos das torres é diversidade de enredos inquietos. É uma
reposição continua do passageiro-leitor a partir das diversas situações. Consequentemente
estes enredos determinam uma redistribuição das emoções humanas no tempo/espaço
em cada construção textual. Neste livro os elementos da narrativa não se submetem
a uma ordem cronológica. Nenhum enredo se desenvolve sob a rigidez linear do
tempo. Os textos, que reproduzem a realidade histórica de Crateús, entrelaçam épocas
distintas. Em um determinado momento o leitor estaciona sua mente na fazenda
Boa Vista do ano de 1829. Ou em Utopia
cabocla, crônica de uma áspera realidade neste final de 2012 que foi a
morte do encantador de pessoas Matos Melo que tive o prazer de compartilhar sua
fiel amizade no final da década de 1970. Nesta viagem de emoções e recordações,
uma frase, uma paisagem, uma data, A
celebração das andorinhas ou uma travessia corajosa do rio Poti caudaloso
são memórias tão convincentes como o desaparecimento do busto do grande poeta
José Coriolano da praça homônima, inaugurado festivamente no dia 30 de novembro
de 1947. Outros detalhes deste magnífico dia em que a nossa cidade se arrumou
em roupas e felicidades para homenagear o grande poeta, você saberá durante o
itinerário. Estes são os mil olhares do nosso cronista que tantas noites, assim
como eu, brincou de bila, triângulo, peteca, guerrô e futebol nesta inesquecível
Rua Frei Vidal.
Os livros, não necessariamente os
literários, mas principalmente estes, têm que exercer o fascínio da permanência
do leitor. Caso contrário, ele não atingirá o objetivo maior que é comunicar o
que o escritor escreve. Cronista de várias linguagens e signos, Raimundo
Cândido não exclui o leitor da leitura com este grave erro de estrutura
textual. As suas crônicas desobstrui as nossas vias respiratórias. Reeditam
leituras esquecidas no espaço da nossa memória através de uma linguagem
compreensível a qualquer nível de leitor.
Cratheús- do portão da feira aos galos das torres tem a simplicidade de um botequim
e a utilidade artística de um seleiro.
A você leitor, como ocorreu a mim, várias
crônicas farão o seu pensamento parar. Destaco Harley, o Palhaço Cara-melada e Chico sem nome. Esta inesquecível Rua
da Cruz arquiva memórias antigas de centenas de infâncias humanas. Inúmeras
vezes ficávamos sob o frondoso benjamim que sombreava a casa do Harley, de quem
ouvíamos histórias e brincadeiras do menino travesso como se estivesse
ensaiando o Palhaço que foi até recentemente. Raimundo Cândido estava lá. Despedi-me
do Harley ainda na nossa infância e nunca mais no reencontramos. Revi-o através
de uma fotografia no face book, dias após sua morte. Chico sem nome, o caminhão-humano, é outra agradabilíssima
memória que congela meus pensamentos. A sua imagem física ainda é lúcida em
minhas recordações: Corpo sem camisa. Moreno de estatura mediana. Cabelos crespos
sobre olhares indecisos. Centenas de vezes ele percorreu a escuridão desta rua
da década de 1960 em direção ao nada, ao vazio que era sua vida. Às vezes o
caminhão-humano estacionava em frente à casa do meu pai mostrando uma lata
fazia. Minha mãe desaparecia no final da casa e retornava da cozinha com
alimentos e água. Inesquecível o Chico Budu, antes pai de família em sua
profissão de motorista de caminhão. A saudade da família, vítima fatal de um
acidente de caminhão, foi o motivo da eterna loucura silenciosa do Chico sem
nome.
A crônica é um estilo de texto que trata do
cotidiano. Aborda costumes, problemas sociais ou faz observações sobre uma
sociedade de uma época. A reveladora crônica Estecom – Setenta lamparinas faz esta observação de época do ano de
1964 “em que a nossa luzidia energia elétrica advinha de um potente motor a
óleo”. Revoltado com a atitude de rejeição a uma mensagem do poder executivo
municipal, o Dr. Olavo Frota, a época prefeito desta cidade, agindo contra a
câmara de vereadores, ordenou o fechamento da Casa de Força e mandou jogar a
chave dentro dela. O Grêmio Estudantil da Escola Técnica Padre Juvêncio, representado
pelo jovem presidente Neto Gonçalves e como orador oficial o futuro poeta
Juarez Leitão, protestou contra a atitude do prefeito organizando a Passeata
das Lamparinas. Caro leitor, há outros detalhes históricos interessantes nesta
crônica que você precisa saber. Eu desconhecia esta Passeata das
Lamparinas. Como também não sei quase
nada da história da nossa cidade. Mas esta escuridão está desaparecendo.
Como falei anteriormente, este Grande Mundo
tem 246 percursos que na linguagem literária são metáforas dos textos compondo
este livro. Não serei arrogante em querer falar de todos eles, e o bom senso
determina respeito aos ouvintes, ao tempo das pessoas, a paciência do público e
a inteligência superior dos que aqui estão, mas não me excluo de convidar você
leitor, a saborear as qualidades literárias e, principalmente, a densidade
histórica das crônicas Avôhai; Prof. Luiz
Bezerra – ponderações de um sábio; Louro da Cruz; Caçadores de tesouros; Galo
do Tourão; Coriolano- Príncipe dos Poetas; Preito à loucura; Ofício e banhos no
Poti; Uma fábrica de sonhos; e,
principalmente, O Ipê e Colibri,
crônica manhosa, sutil, conotativa, em que a subjetividade da escrita
homenageia a grande educadora Dona Delite. Esta crônica me surpreende pelo final
do enredo que a transforma num digno conto.
Cratheús
– do portão da feira aos galos das torres é um livro que já pertence ao patrimônio
intelectual de Crateús, pela importância das memórias, das histórias que
emergem das crônicas como janelas abertas para uma ancestralidade.
O cronista Raimundo Cândido não foi nada
cândido ao insultar nossas almas com tantos fatos antigos e recentes, com
tantas relembranças antes silenciosas.
Agradeço ao amigo cronista por me convidar
a prefaciar este livro. Para esta festa de lançamento em frente a esta maravilhosa
Fábrica de sonhos, o Externato Nossa Senhora de Fátima dos meus primeiros
estudos e, principalmente, por este evento literário ser, coincidentemente, realizado
na rua da minha infância.
Ao amigo poeta, cronista e bom humano,
finalizo este prefácio com um pedido: quero a vida na qual estávamos.
LANÇAMENTO: DIA 17 SÁBADO ÀS 17:30 HORAS NA
CALÇADA DO EXTERNATO N. S. DE FÁTIMA .
José Alberto de Souza disse...
Brilhante prefácio que desnuda uma obra lapidada na mais pura das gemas,
causando-nos uma surpresa incomparável a todos nós ansiosos para apreciar as
nuances inesperadas desta escultura literária que nos reservava um artista tão
talentoso. Parabenizo ao ilustre prefaciador pelas palavras tão cativantes e
plenas de uma sensibilidade incomum.
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Salve!
Lindo prefácio! Certamente portal da urbe erigida pela matemática construção literária do arquiteto Raimundinho.
Silas, um verdadeiro "Falcão" nessa lapidação prefacial, parabéns!
Cândido Raimundo, festejo tua evolução humanística e cidadã. Em especial, a excelência de tua produção no roçado das letras!
Um grande abraço!
Júnior Bonfim
José Alberto de Souza disse...
Lindo prefácio! Certamente portal da urbe erigida pela matemática construção literária do arquiteto Raimundinho.
Silas, um verdadeiro "Falcão" nessa lapidação prefacial, parabéns!
Cândido Raimundo, festejo tua evolução humanística e cidadã. Em especial, a excelência de tua produção no roçado das letras!
Um grande abraço!
Júnior Bonfim