sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O TREM VEM NA HORA?


                                                                                         Por Flávio Machado e Silva
            Uma das diversões na cidade de Crateús nos anos de 1950/1960 era esperar o trem de passageiros, que chegava de Fortaleza à noite, ainda que muita gente não esperasse por ninguém. Iam à estação apenas para ver quem chegava da Capital.
O trem vem na hora? Era esta a pergunta que rolava em meio à população ansiosa por uma diversão. Quando vinha na hora era sinal de muita gente à sua espera na estação. A hora da chegada interessava a todos, pois o atraso era comum e isto justificava o interesse pela sua vinda.
Centenas de pessoas se aglomeravam na estação. Rapazes e moças, em grupos, andavam de um extremo ao outro do calçadão da plata-forma, enquanto outros preferiam observar, parados o movimento das pessoas.Vendedores de guloseimas também se faziam presentes vendendo os seus produtos. A cada parada do trem noutras cidades a movimentação era a mesma, em torno da chegada do trem horário.
Telegrafistas da estrada de ferro, que se comunicavam através do Morse sabiam onde se encontrava o trem de passageiros.
Em Crateús, cedo da tarde eram comuns as informações trocadas entre as pessoas interessadas na vinda do trem. A atenção era atraída pela viagem de parentes ou por pessoas que trabalhavam no desembarque de encomendas e mercadorias, como os carreteiros, Lira, Chagas Roldão, Cipriano, Marcelino e Antonio Pequeno.
As perguntas começavam a ser feitas, logo nas primeiras horas da tarde em todos os locais, principalmente em mercearias do Beco da Cachaça. Onde está o trem? E alguém, em tom de brincadeira respondia: em cima da linha. O bêbado se manifestava: Hoje chega um grande aqui em Crateús! O inocente perguntava: Quem? O trem, respondia ironicamente o principiante da conversa. Alguém mais sério informava: O trem passou em Reriutaba com uma hora de atraso. O telegrafista Ananias estava sempre de prontidão e era preciso em informar o andamento das viagens.
Era o trem o único transporte regular naqueles tempos. Pelo trem chegavam amigos, parentes notícias da Capital, jornais, e, no carro de bagagem, mercadorias diversas. Do Ipu chegavam surrões de rapadura, jacás de frutas e grandes cachos de banana. Outros, provenientes de Fortaleza ou Sobral traziam malas cheias de miudezas. Eram os donos das mercearias que circundavam o Mercado Velho. Tanto de Fortaleza como de Camocim vinha o peixe, além do sal, dos tecidos e outros produtos não produzidos aqui.
Esperar o trem era uma boa e tradicional diversão daqueles tempos idos. Quando o trem passava, viam-se das casas que margeavam a ferrovia pessoas que acenavam aos viajantes e, com a mão, saudavam ou faziam gestos de despedida. Antes de atingir qualquer ponte o trem apitava em sinal de alerta. Pessoas em atividade por ali se distanciavam dos trilhos e ficavam observando a sua passagem. Já chegando em Crateús, na rampa do Angical os maquinistas soltavam longo apito, que ainda hoje ecoa nos ouvidos de muita gente. Na estação a agitação era geral. Quem esperava a pessoa amada, ansiosa, sentia bater forte o coração. Também ocorria no reencontro com parentes ou amigos. Era o trem que chegava.
O trem fez história em Crateús e foi um marco de progresso desta cidade, desde 1912, quando foi inaugurada a estação ferroviária.
Em 14 de dezembro de 1988, às dezenove horas, o trem de passageiros saiu da Estação João Felipe, em Fortaleza, para fazer a sua última viagem com destino a Crateús. Aqui chegou no dia seguinte, 15 de dezembro, para nunca mais voltar lotado. Era o trem de prefixo SGC 0127, tracionado pela locomotiva nº2226-IB.
Foi o trem o mais querido e tradicional transporte. Seu desaparecimento fez falta a todos e deixou imorredoura saudade.

Raimundo Candido disse:

Flávio Machado – uma autoridade na historiografia de Crateús. Quando o cronista conheceu de perto os fatos, como o Flávio, a narração fica mais viva! Nosso centenário está saindo  de sua categórica pena!

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