Um crepúsculo vespertino se despedia, impregnado de um aviso imperceptível, aspergindo um sofrimento silencioso, característica das tardes lacrimosas. O lúgubre entardecer ia, lentamente, se dissipando entre a neblina do álcool misturada com fumaça cinzenta de cigarros, tangido por uma emotiva música que sondava o vazio impreenchível dos pertinazes corações a suplicar as ilusões de amores efêmeros.
E a noite desce
no final da Rua Dr. João Tomé, como um manso presságio a ensombrar as alegrias,
cumprir as tristezas, despertar os sonhos e ativar os remorsos.
A animação na
Casa de Maroca já se clareava, desde os últimos raios do dia.
Na vitrola o LP de Roberto Muller entoa,
harmonicamente, “Entre espumas” para deleite de um opulento comerciante, que
chegara mais cedo para ter o prazer de beber, dançar e sonhar com Pretinha, uma
jovem e circunspecta morena, de riso entristecido, mas bem contornada nas
linhas femininas a provocar desejos dos frequentadores daquele singelo lupanar:
“Uma noite sentou-se a minha mesa / E entre tragos lhe dei todo o meu amor/
Transcorreram só duas semanas / Como em sonho, minha vida se acabou...”
A moça estava
apreensiva, pois seu “dono” poderia, a qualquer hora, chegar. Na mesa, as
flores murchas de crepon, entre as garrafas de cerveja, filtrava uma tênue luz
bordô. Se existe uma lei que determina que se algo pode dar errado, então dá,
nasceu naquele fatídico dia. Um Jeep Willys risca na porta do Cabaré da Maroca.
Desce um raivoso senhor, demonstrando avançada embriaguez e já apontar um revólver
na mão. Espuma um ciúme que traduz o sentimento de uma ignorante e estúpida
propriedade:
— Pretinha!!! Prepare-se,
que hoje você vai morrer!
A
única reação da desprevenida rapariga foi agachar-se para se proteger, mas facilitou
o desfecho do criminoso “proprietário” daquele frágil corpo humano que ficou
estendido no chão, todos correram com medo das balas. Ninguém desligou a vitrola
que continuou, harmonicamente, a tocar: “Se um amor nasceu de uma cerveja / Outra
cerveja beberei para esquecer / Um amor que surge numa mesa / entre espumas
terá que terminar”.
É
pré-histórica a arte deste amor dissimulado, do amor monetariamente fingido que
cabe na cama e no colchão de amar, onde um corpo se estende com outro corpo,
mas as almas, não. Os “especialistas” dizem que nos envolvemos com as
meretrizes porque queremos uma mulher
submissa, obediente, descartável e sem conflitos. Não parei para pensar nisso, ainda!
No final da feira-livre reside o Senhor João Furtado
Ribeiro, um idoso e brincalhão duende que, enquanto aguarda o encantamento
final, vigia o portal de entrada dos antigos cabarés, a inicia-se no quarteirão
da Rua Azul. Entre um trago e outro de uma forte aguardente, ele relembra: — Fui motorista de praça e num fim de semana eu não
parava um instante de trazer os fregueses para a Raimunda da Justina, a Maroca,
a Naninha, a Alayde ou para a Casa de Diversão da Nair. Por aqui, numa
temporada boa, chegava-se a ver centenas e centenas de mulheres para abastecer toda
a região. A mais famosa delas foi a morena Cícera, na casa de Raimunda da
Justina, todos queriam estar com ela. Triste era quando a polícia chegava,
sempre às dez horas da noite, mandando todo mundo pra casa e trancavam até as
portas dos terreiros de macumba. Certo dia, os policiais mataram um valente soldadinho
do batalhão, afoito para brigar que nem lampião. Neste dia o cabaré se
transformou num inferno, o 4º Bec sitiou tudo, ninguém saía, ninguém entrava.
Enquanto nos bordéis de Roma, no desabrochar da
Floralia, as mulheres dançavam com seus vestidos floridos, em homenagem a deusa
Afrodite para principiar o sagrado festival de abril, na Raimunda da Justina o
mais puro pé de serra troava com a sanfona, o triângulo e zabumba do sanfoneiro
Vicente Pedro, fazendo com que muitos pés de valsas, exímios dançarinos,
antecipassem o ritmo quente das lambadas nos animadíssimos cabarés dos Sertões
de Crateús.
Há um hino chamado “Rancho de Amor a
Ilha” que canta as belezas sem par de Florianópolis: "Um pedacinho de
terra, perdido no mar!... Ilha da moça faceira, ternura de rosa, poema ao luar...”
por lá, Ilha do Amor, um poeta matuto admirou-se de tantos bordéis, de tantas
belíssimas gurias que aguardavam, calmamente, seus fregueses na noite de
luar... E bateu uma imensa saudade do final da Rua João Tomé, com seus cabarés
bucólicos, repletos de putas tristes...
Mas só é triste porque o amor humano sempre
se reduziu a uma torpe luta de células, num asco prazer, através da matilha
espantada dos instintos e que, em torpor, a poesia recebia a resposta sincera e honesta de uma bela meretriz:
“Quanto a esse tal de amor / Guarde-o à alguém que o mereça / Ou jogue-o fora:
esqueça, / Só nunca mais me ofereça / Algo que não me presta / Algo que eu
nunca quis.”
José Alberto de Souza disse...
Anisio Silva, Cláudia Barroso e outras
vozes do amor clandestino, quanto não alimentaram as ilusões de insensatos na
penumbra das amarguras!
Anisio Silva, Cláudia Barroso e outras vozes do amor clandestino, quanto não alimentaram as ilusões de insensatos na penumbra das amarguras!
ResponderExcluirPOR COINCIDENCIA A 5 MINUTOS ATRÁZ MINHA MÃE ME CONTAVA AUGUMAS ESTORIAS DESSA ÉPOCA QUE ELA TAMBEM VIVEU, FINALIZOU DISENDO ASSIM, TINHA AUGUNS MOMENTOS BONS, A MAIORIA ERA RUINS,SOBRE AS MUSICAS EU GOSTO MUINTO DE ANISIO SILVA, ELE CANTA O AMOR....
ResponderExcluirO João Furtado Ribeiro é meu pai. Esta história é verdadeira?
ResponderExcluirÉ verdadeira sim!
ExcluirEsta história é verídica?
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