Elias de França 21/12/2012
Às filhas, nada parecia fora do lugar:
as contas em dias, como sempre, a despeito das mais de três décadas de viuvez
da mãe. O trabalho era árduo, mas amparava a todos. Das duas irmãs que distante
deixavam saudades, boa causa remia a tolerância, vez que em curso de ascendente
carreira profissional na Universidade. O irmão homem mais velho em brilhante
atuação no direito
A preocupar só o desnorteamento do Dim...
Nada, porém, de agora. Bom e manso desde
menino, nunca fora promessa de pompa ou sucesso. Acanhado demais para
sobressalto ou fama. A matemática bastava bem a sua pouca fala. Raciocínio não
houvesse, a rigidez das fórmulas numéricas o socorria diante de seus percalços.
Os desencantos de anos vinha a expiar em bebedeira e boemia. Deixara até a
família. Desgosto causava, sim, mas fazer o que? A ninguém ofendia, além de si.
E o sofrimento que causava à mãe não era bastante para o recente cismar.
Até que num instante de sossego, chama
as filhas, as quatro mais velhas, em volta do sofá da sala. Tira do bolso do
vestido de inteiro luto um tufo de rabiscos em papel pautado. Picote de arame
de caderno mal extraído... poesia de sublime sentir. Distribui alguns entre as
quatro, deixa que vejam os escritos... Em baixa voz, pede que busquem descobrir
de Dim donde e de quem anda a copiar aqueles versos. Passa a explicar seus
motivos: entre todas as provações, obstinou-se em educar os filhos dentro da
moral e bons costumes. Inconcebível, pois, roubar um grão que seja, quanto mais
poemas, luz da ideia perfeita. Pouco fizera ou dissera das noitadas e farras do
filho, mas aquilo não toleraria. Exigiria retratação, ainda que às custas de ter
que dobrar um homem feito de barba no queixo.
Pasma diante do riso discreto das
filhas, seguido de testemunhos tantos empenhados a Dim, com lágrimas nos olhos.
Nada repreende, entretanto. Eram esfarrapadas desculpas, tão, que tomou por
piedade para com o irmão caçula. No íntimo, as frases de confiança das filhas
lhe traziam algum alivio às angústias. Embora, bem soubesse, ele não seria
capaz de tanto, Deus tudo tem e pode dar. O que aos homens é caminhar nas
trevas, ao criador pode ser a estrada da boa ventura. Seguiria, como sempre, em
vigília até o tempo lhe mostrar as verdades.
E o tempo da matriarca foi tanto que mostrou
ao mundo um ladrão de poemas fazer nome, assim, sempre de roubar essências: da
sertaneja e sua pele de barro e cera; da lenha e o fogão em chamas solares; das
bodegas e seus gomos gigantes; das memórias o doce mormaço... Renascido pela palavra, em prosa e verso
forjados de idos e escórias, seu dizer é capaz de embalar o balé dos anjos, fazer
cantar o concreto e alegrar o ar inóspito de todo o velho e dormente viver.
Elias, parabéns pela homenagem ao nosso poeta Raimundo Cândido. Ele merece. Cabra danado de bom. Valeu!
ResponderExcluirSilas Falcão