quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Madona de Guido



A Rua Dr. Moreira da Rocha – governo entre 1924 a 1928, quando o Ceará enfrentou a Coluna Prestes, a Sedição de Juazeiro, a indesejada visita do Bando de Virgulino Ferreira Lampião – é uma intensa artéria que nos vincula ao mundo! Partindo da frente da saudosa Radio Educadora, a rua logo se transmuta em CE 187, em BR 404 e daí, campeia-se a amplidão de um ermo sem fim! Mas, logo no primeiro quarteirão, ouve-se pisadas apressadas e o rumorejo de vozes na ansiosa lida de um forte comércio que vigora a cidade.
Em frente a um desfigurado Mercado Público, nº 478, ler-se numa empalidecida fachada comercial: Ótica Santa Luzia, e é lá que trabalha um talentoso artífice, artesão afeito arquiteto, um poeta concreto em fluídas orações como art déco, o artista da luz e do vidro, um especialista em óptica com alma musical chamado Antônio Guido Brito, ou como ele prefere: Guido D’arrezo, em honra e glória ao monge criador das neumas, o sistema de sinais que determinava aonde a voz humana deveria elevar-se ou baixar-se, revolucionando a história da música. 
Entro na estreita loja, parecendo-me um longitudinal trem e percebo um ateliê de obras de artes que se esparramam pelos quatro cantos, capelas de vitrais coloridos, sugestivas mandalas circulares, impressionantes quatros multiformes em pintura à óleo intitulados Segmentos de Transgressões. Demoro-me, defronte de uma grande tela, tentando entender o emaranhado de figuras, em traços agradáveis e cores alegres, com o símbolo Yin Yang de equilíbrio de forças, gerando um imenso sol a refletir-se sobre um invulgar oceano de peixes, sobre uma exótica natureza e sobre um nicho musical de guitarras com as neumas do Monge de Arrezo.
O mestre Guido aproxima-se, de surpresa, e percebendo minha atenção presa a um violão transgressor, que pula de um quadro a outro da tela, pergunta-me a queima roupa, com um sorriso de bom dia no rosto:
- Professor, você sabe o que é o som?
Também sorrio, retribuindo o simpático bom dia e cheio de sabedoria professoral, respondo: - Guido, som é uma onda mecânica que precisa do ar para se propagar!
O artista-poeta completa a informação: - Isso é o som físico da sua sala de aula, professor! Mas este que você está tentando captar da tela é um lembrete que Deus nos deixou de que existe algo, mais além! A música está ao nosso redor, Raimundo, basta ouvi-la!
Era exatamente o quadro que ele havia me pedido para inscrevê-lo, pela internet, no Concurso Santander Cultural Talentos da Maturidade, em Minas Gerais, do qual ele já é um veterano participante e colecionador de certificados. Fico observando uma velha estante com as prateleiras repletas de filmes e DVDs, inclusive uma coleção completa do cantor e dançarino Michael Jackson, do qual é fã. Minha atenção logo se volta para o que mais me atrai nos trabalho de Guido D’arrezo, as Ermidas, capelas de vidro coloridos, de todos os modelos, inclusive em forma de floral, espalhadas pelo Ateliê, tudo pela irrestrita paixão por Nossa Senhora e, sobre a mesa, ainda repousa a última peça da qual deu os últimos retoques de acabamento no castiçal e na hóstia, que brilham ao fundo. Elaboradas com paciência, esmero e carinho para abrigo da Mãe do Senhor.
Vendo uma imagem sobre uma estante, que ouso chamar de a Madona de Guido, por ser única, em acrílico que brilha no escuro adquirida à décadas na Casa Íris, de Irismar Frota, e que ele guarda na ermida do coração, e de supetão, também pergunto:
- Guido, de onde vem esse teu amor por Nossa Senhora?  
Se tivesse deixado ele ainda estaria contando a história, de apego, de apreço e amor, da paixão de um artesão que todo dia reza o terço e fabrica com carinho, como um sagrado poeta-ermitão as capelas de vidro coloridos que estão espalhadas pelo Brasil. Ele diz: - Quando a Santa Peregrina saiu de Crateús e foi para Teresina, eu, ainda menino, estava lá! E impressionei-me com aquela festa e com a força da fé do povo! Até hoje faço capelas para Nossa Senhora e só tive de construí uma ermida diferente, uma dupla, que foi para São Cosme e São Damião.
As ermidas fabricadas por Guido são como uma nova coroa para Nossa Senhora, pois a revestem de uma luz colorida, refratada das placas de vidros, como o apaixonado Poeta José Coriolano um dia a revestiu de poesia: “Sim, Maria, meu anjo, terno encanto! / Quanto te amo, dizer não sei, não posso. / É amor que não pode ser descrito / Porém nele o rigor d’ausência adoço!”
Os imensos papelões circulares, cuidadosamente empanados, endurecidos com cola e tinta acrílica são usados para as mandalas, excêntricas, exotéricas, que nos põem a meditar. Dezenas, dependuradas nas paredes, do começo ao fim do imenso carrilhão que é o ateliê de Guido. Pode ter sido uma mera impressão minha – Isso mesmo, pois às vezes vejo coisas que não existem! – mas percebi uma pontinha de saudade incrustada nas palavras, quando ele me disse que fez uma das mandalas a pedido da professora Toty Azevedo!
A Torre Eiffel, uma imensa treliça de ferro, montada por um batalhão de trabalhadores no Campo de Marte em Paris, com seus 324 metros de altura não me impressiona tanto quanto as Torres de Guido, uma réplica de 2.20 metros de altura feita de vidro... De placas de vidro e espelhos, pacientemente colados, peça por peça.   Isso sim, é que é uma verdadeira obra, um louvor a arte e a paciência humana. Imagine construir, não uma, mas quatro destas belezocas e espalhar pelo mundo, só  mesmo o grande Guido!
Encanto-me com uma das capelas coloridas difundindo fé e luz e a adquiro do oculista-artesão. Trago-a para casa e deposito carinhosamente uma Mandona que a professora Maria Delite, incansavelmente, dirigia as suas orações! É uma ermida aconchegante, revestida de carinho, para que possa bem acolher, as duas digníssimas mães e, para que não deixem de olhar por aquele a quem a saudade teima em não querer acabar! Acho que elas, as duas Maria, vão gostar!

 Raimundo Cândido

3 comentários:

  1. Amor filial e fervor religioso
    se confundem numa única ermida,
    assim como as duas Marias
    também lá representadas
    na expressiva obra de arte.

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  2. PARABENS!GOSTARIA DE VER A MADONA DE GUIDO,TALVEZ SEJA TAO FASCINANTE QUANTO AS OUTRAS OBRAS BELISSIMAS.CONTINUE SEMPRE NOS PROPORCIONANDO ESSAS ALEGRIAS.SUCESSO . ABRAÇOS ANA CELIA TERESINA PI.

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  3. PARABENS!GOSTARIA DE VER A MADONA DE GUIDO,TALVEZ SEJA TAO FASCINANTE QUANTO AS OUTRAS OBRAS BELISSIMAS.CONTINUE SEMPRE NOS PROPORCIONANDO ESSAS ALEGRIAS.SUCESSO . ABRAÇOS ANA CELIA TERESINA PI.

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