De tanto perambular pelos
descampados da Ribeira do Poti, admirando os angicos, as aroeiras, os pereiros,
as canafístulas, as imburanas, os umbuzeiros, os sabiás, os juazeiros, os
mandacarus, estou ficando arbóreo, metamorfoseado num homem-árvore, arrebatado
por esses seres que vivem na mais pura e auto-suficiente solidão, contribuindo
harmonicamente para o belo, como um poema que a terra escreve aos céus.
Sinto-me em assimilação clorofiliana, sorvendo ar, e os raios do Sol, para a
fotossíntese de minha alma.
Quando a poesia deu-me a honra
de conhecer a Ilha do Amor, Florianópolis, capital de Santa Catarina, o prazer
maior que tive foi ver de perto a velha e frondosa Figueira da Praça XV de
Novembro, uma centenária árvore cantada em versos pelos poetas florianopolitanos
como a Dama Verde que esbanja glamour. Um dia, um insano com um machado na mão,
quis degringolar a gigantesca planta e a Câmara dos Vereadores, rapidinho,
criou uma lei para protegê-la, com guardas constantemente em vigília, que
trocam de posto como os empavonados soldados da Rainha da Inglaterra. Os
galhos, escorados por grossas hastes de ferro, cobrem toda praça por onde a
cidade começou e os turistas, que dão voltas em torno de seu tronco, atraem
para si, a riqueza, a sorte e o amor.
Não sei que vento trouxe
aquela lembrança arbórea, sei que foi pelas sábias palavras do amigo Francisco
Sales, o filho dileto de um paraíso chamado Olho d’Água dos Claudinos, que fica
no município de Novo Oriente. O poeta Khalil Gibran, autor do livro “O
Profeta”, preveniu sobre esse mensageiro aéreo: - Não diga nada ao vento, ele
irá contar às árvores, como, também, relata os segredos dos vegetais,
assoprando aos nossos ouvidos!
- Raimundo, você sabia que
existe um tamarinheiro em Novo Oriente que tem uns trezentos anos de
existência?
- Que história é essa, Seu
Chico? O senhor tem certeza disso?
Humberto Paz, o poeta Cancão,
que ouvia tudo de orelha em pé como a arguta ave do sertão, intrometeu-se: -
Existe sim! É uma monstruosidade sem tamanho e nem sei se já o derribaram!
Tínhamos o determinado
objetivo de ir à Novo Oriente em busca do exato local onde o cangaceiro Rosal
tombara. E o dia da viagem se apressou, marcamos logo para o próximo fim de
semana a aventura em busca da árvore mais antiga dos sertões de Cratheús.
Partimos. O Sr. Francisco
Sales era cicerone da comitiva: Eu, o especialista em Cangaço Caçula Aguar e o
poeta Cancão. Quem morou, quem reside, quem foi embora, as casas que tombaram,
as que foram erguidas e a quem pertenciam agora, aulas de geografia Física e
humana dadas pelo Seu Chico, tim-tim por tim-tim, mal passávamos pela Lagoa do
Tigre. E a estradinha de terra batida foi se desenrolando na nossa frente.
Saímos do Olho d’Água dos
Paturis, chegamos ao Olho d’Água dos Claudinos (dos Culotes) e, assim que uma
grande curva se desfez, vimos um assombro aos nossos olhos: O gigantesco
tamarinheiro com mais de três séculos de existência. Isso pela contagem dos
mais antigos, pois desde a época do patriarca João Claudino que a árvore já era
bem alta e copada. A admiração que tive pela Figueira de Florianópolis ficou do
tamanho de uma formiguinha, frente ao pasmo de minha alma, ao esplendor de
tanta beleza. Viramos crianças novamente, brincando à sombra do Tamarinheiro.
Não resisti ao ímpeto infantil, subi no tronco imenso e percorri seus longos e
largos galhos como se andasse por uma estradinha. Um casal de xexéus do sertão,
nos galhos mais altos, reclamava da invasão aos seus domínios.
Seu Chico Sales relata que ali
já foi palco de tudo, área de lazer, espaço de trabalho e uma branca capelinha
ao pé do corpulento tronco, com uma imagem de N. S. Aparecida, confirma que a
gigantesca árvore é agora um templo da fé celebrada aos céus. O cicerone
conta-nos: “O Dideus, meu irmão mais velho, rodou o mundo todo e chegou aqui
com uma sapiência que atoleimava o povo. Ele resolveu fazer um Piquenique
debaixo do Tamarinheiro que estava todo enfeitado para a noite de São João.
Estava tudo preparado: os cordões coloridos esticados debaixo da árvore e os
troncos de sabiás e juremas pretas amontoados ao lado, para a grande fogueira.
Encarregou-me de distribuir os convites pela vizinhança: Santo André, Bom
Jardim, Macaco, Cavaco, Emaús, Morro do Olho d’Água até os amigos da Lagoa
Tigre e o bilhetinho do piquenique dizia que o Raimundo Claudino iria tocar
violino. Houve gente que me escorraçou, zangado com aquilo, pensando que era
cobrança: - Diga ao seu irmão que eu nunca fiquei devendo nada a ele não, muito
menos esse negócio de penico!”
O Chico Sales aponta para um serrote ao lado, o Morro do
Olho d’Água, onde existia uma fonte que escorria para o Riacho Caldeirão e diz:
- O cangaceiro paraibano Sucupira, do bando do Tenente Rosal, soube que o olho
tinha sido entupido com algodão pelos índios Karatius, em épocas passadas, então
resolveu dinamitar para dar maior vazão à fonte. Tiraram muitos chumaços de lã
empedernida, mas a fonte sumiu, e acho que somente o gigante tamarindo é que
bebe dela agora.
Da secular árvore fomos ao
local onde Rosal tombou. Uma pedra ainda guarda as manchas de sangue como sinal
do termo do malvado cangaceiro e aonde se ouve ainda o estampido do rifle do
caboclo Cambirimba: - Paaaaa... E ao mesmo tempo escutamos um grito de alívio
no sertão: - Mataram o Rosaaal! O expert Caçula Aguar ficou esperançoso de, um
dia, ver uma cruz enfincada ali e ter o Bom Jardim como ponto de visita na rota
do Cariri Cangaço.
Determinado o local da fatal
tocaia de Rosal, voltamos para nos despedir do maravilhoso Cavalheiro Verde em
Esplendor, já que a Figueira de Floripa é a Dama Verde em glamour. E fiquei
sabendo que um cidadão do clã dos Claudinos cogitou transformar o imenso
tamarinheiro em madeira pura. Abismado fiquei com aquela insana ganância.
Seguramente, posso afirmar: O
Tamarinheiro do Olho d’Água dos Claudinos é patrimônio de todo Sertões de
Cratheús e não pode ficar abandonado, por conta própria, sem uma firme
proteção. Galhos de uns 40 cm de diâmetro e um incrível vão de 20 metros,
pendendo ao vento, sem um ponto de arrimo, uma escora, é um risco e uma
irresponsabilidade. O Tamarinheiro pertence a uma família e esta tem que
protegê-lo. O Tamarinheiro pertence, como um tesouro inestimável, a todo povo
de Novo Oriente e Secretária de Meio Ambiente daquele município deve amparar e
colocar estacas para apoiar seus galhos que tentam abraçar o imenso sertão.
Acredito, pelo bom senso do novorientense, que isso acontecerá, e voltarei para
admirá-lo e constatar que estou mesmo ficando arbóreo, comprovar que sou
Sertão, nasci sertão e vivo sertão, pois corre em minhas veias a mesma seiva
vivifica que flui nos lenhos do velho tamarinheiro do Olho d’água dos
Claudinos, ao pé da sua imensa solidão.
Raimundo Cândido
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