Regina Viarum
As ruas de minha cidade são artérias carregadas de indispensáveis ânimos ou de um pesado desalento que escorem pelos granizos disformes de um roto calçamento. Às vezes escoa uma rara coragem que escapole de alguma porta aberta e se arrua, esvaindo-se, a dizer que na minha cidade ainda há esperança e fé.
Alegro-me ao pronunciar tantos nomes insignes estampados pelas placas das duras esquinas, a indicar que aquela via tem um Senhor, tem um dono e não é só um número seco e uma letra morta que nos serve de orientação. Um distanciado cidadão emprestou-lhe o digníssimo nome para continuar a nos orientar rumo ao destino final, nesta nossa longa e tediosa caminhada.
Nasci e finquei minhas profundas raízes como aquelas velhas Algarobas e aqueles frondosos Benjamins, na Rua Frei Vidal da Penha numa infância solta, numa rua de terra batida, onde jogávamos pião, bolinha de gude, quando vinha uma amenizante chuva, construímos ilusórias barragens, no meio da rua, represando suas coxias para criar imensos açudes. Lá, me fiz em longitude e equilíbrio.
Medrei na Frei Vidal, minha eterna Regina Viarum, e só há pouco despertei para a importância de seu nome, como muitos desatentos citadinos que não sabem o porque do título da rua onde moram.
Frei Vidal da Penha, um Frade Menor da Ordem Dos Capuchinhos, passou por minha rua, nos instantes finais do século XVIII, com seu hábito pobre e descalço, com seu o capuz pontiagudo, com uma longa barba branca a indicar uma idade avançada, uma vida sofrida de um pregador itinerante. Era grande a multidão que vinha de toda parte e se aglomeravam em sua volta, para ouvi-lo. Ele sempre pedia àqueles de abastadas posses que construíssem uma capela ou erguessem uma grande cruz por onde passava. O cruzeiro da Rua Frei Vidal era o confim, era o extremado limite para as aventuras daqueles meninos que brincavam comigo, livres como os pássaros da minha rua. O missionário eremita seguia peregrinando pelas trilhas da Vila Príncipe imperial e se embrenhava pelo Ceará deserto e sedento de esperança e vida.
As ruas que existem no mapa de Crateús homenageiam nossos personagens ilustres, filhos ou não desta nossa urbe, com o pai da aviação ou o magnânimo D. Pedro II, o imperador do Brasil, que nos deixou à posteridade 5.500 páginas de seu diário, registradas a lápis em 43 cadernos, que nos possibilitam conhecer um pouco mais do seu perfil e pensamento. Foi por determinação de D. Pedro, após a guerra do Paraguai, que se passou a homenagear as pessoas ilustres. Padres, chefes políticos, intendentes, juristas, desembargadores, magistrados, professores, coronéis, todos ganharam uma extensa rua para perpetuar seus dignos nomes.
Hoje não mais resido na saudosa Frei Vidal, a via arterial da minha infância, habito a Rua José Coriolano, uma homenagem ao nosso grande poeta, político e jurista. José Coriolano de Sousa Lima que ainda é muito pouco reverenciado, escassamente lembrado pelo real valor literário de seus versos, contidos no livro “Impressões e Gemidos”. O príncipe dos poetas piauiense, como era reconhecido, nasceu na realidade em Crateús, quando fazíamos parte do vasto mundo do Piauí. O nobre poeta cantava sua terra, assim: “Lindo Sertão, meus amores / Crateús, onde nasci / Que saudade, que rigores, / Sofre meu peito por ti!/ São amargos dissabores / Que em funda taça bebi! / Que saudade, oh meus amores, / Crateús, onde nasci!”.
A Princesa do Oeste é uma centenária cidade de um agreste que continuamente cresce, e vai florescendo com novas ruas, que precisam de uma boa denominação, coisa bem fácil de achar no rol de nossos cidadãos ilustres que já nos deixaram. Foi uma agradável surpresa, ao perambular pelos bairros de nossa cidade, ver estampado numa placa azulada de uma esquina no novíssimo bairro dos Patriarcas o nome: Raimundo Cândido, um ser humano dotado de uma profunda fé e uma dignidade impar. Comerciante dos velhos tempos, das antigas e saudosas bodegas de um rústico balcão enegrecido onde o tempo parava... Um irmão mariano de imenso sentimento cristão, de principio moral, apaixonado pelo servir, pela vida e por duas digníssimas Marias. Uma lhe auxiliando no Céu e a outra na Terra, como o nosso poeta José Coriolano em quem o amor era tão intenso, tão abrangente, como declara, em um de seus versos: “Sim, Maria, meu anjo, terno encanto! / Quanto te amo, dizer não sei, não posso. / É amor que não pode ser descrito / Porém nele o rigor d’ausência adoço!”“.
Deixo, ainda, a canção do Príncipe Coriolano encerrar essa narração como uma saudosa conclusão carregada de melancolia: “Crateús, que dor tão viva! / Ai tempos que já se vão! / Ao teu nome a dor me aviva / que sente meu coração / Assim sofre a sensitiva / ao toque da incauta mão! / Crateús, que dor tão viva / Ai eras que já lá se vão!
Raimundo Candido
Nenhum comentário:
Postar um comentário