Bibliófilo
Outro dia recebi a visita de um velho conhecido – há tempos tomo cuidado em manejar a invulgar palavra amigo – que me viu cercado por uma profusão de livros espalhados por todo canto, ostentados nas prateleiras, dispersos sobre uma mesa, apoiados em cadeiras, abandonados pelo chão e um amarelado alfarrábio de poesia descerrado em minhas mãos, lhe dando a impressão que eu sou desorganizado.
Assim, com um espírito presunçoso de quem só tem cifrões estampado na bila do olho, foi logo soltando uma descortês pergunta, que comprova a ausência de desenvolvimento espiritual e constata a falta de desempenho cultural:
– Para que serve essas pilhas de livros, meu amigo Raimundo? Você gasta uma fortuna com essas coisas inúteis, sem serventia, como essa tal de poesia, para que lhe serve toda essa literatura?
Fiquei arrependido, porque na hora não respondi a altura, mas para indivíduo assim, não adianta a gente perder tempo expondo muita coisa, não. Realmente, seria até difícil explicar àquele cidadão minha veneração a uma coisa de utilidade aparente, como à poesia. Acho, porém, que eu devia ter respondido na bucha que podia não servir para ele, pelo menos essa insatisfação não teria me acompanhado desde aquela ocasião!
Não sabe o estúpido tolo que é indescritível o prazer de um passeio por entre as páginas de um bom livro, num deleitante e recíproco dialogo. É como um ser animado, que vai falando e minha alma prossegue respondendo, numa prosa solta, na mais harmoniosa das conversas, que às vezes, chego a esquecer que preciso de companhia humana. Todo meu longo silêncio ganha uma voz dialogada, que logo se transmuta num exercitado monologo entre o meu atônito pensamento e esta esbranquiçada folha de papel que lês, agora.
As bibliotecas, como o amplo mundo, deviam estar sempre de portas abertas, até nos dias santos e feriados, pois é crime culposo deixar um livro calado, amordaçado, num silêncio sepulcral o ano inteiro, como ocorrem nos desleixados colégios, onde o livro é só um mero enfeite de prateleira.
A arte da leitura é uma atividade para todas as idades, dos oito aos oitenta, como até recentemente me assombrava a capacidade de uma jovem chamada Delite, uma bibliófila que aos 93 anos lia com sofreguidão intelectual de um sábio, de um erudito, me induzindo a inveja, pela sua disposição para a leitura, uma verdadeira legente que sorvia as palavras com afã e sem aquele repentino cansaço que minha mente sempre inventa para favorecer a indolência.
Certa vez, houve uma importante conversa entre um pai e seu querido filho, que relatarei aqui. O zeloso pai pergunta carinhosamente ao pequenino:
- Thalles, o que você vai querer de presente, no seu aniversário?
O denotado filho, rapidamente responde, com uma imensa alegria nos olhos:
- Oba! Eu quero um livro, meu pai!
O pai tenta dissuadi-lo daquele fixo desejo:
- Novamente livros, meu filho! Peça um brinquedinho, já chega de tantos livros!
Propositalmente inverti o enredo desse episódio, porque era meu veemente desejo impor o hábito da leitura ao meu filho e não ouve como achar um meio, por mais que tentasse trocar a bola pelo livro. Mas espero que ele descubra logo que os livros também são brinquedos feitos com letras e que ler também é divertir-se, é poder continuar a brincar pela vida afora, mesmo tendo o privilégio e a primazia de viver até os 93 anos sofrendo desta doce obsessão, chamada bibliofilia.
Raimundo Candido
Gostei bastante da sua resposta àquela insolente pergunta.
Ah, se todos tivessem a disposição insaciável de Dª. Delite, aos 93 anos, "traçando" com sofreguidão toda e qualquer obra que lhe chegava às mãos!
Por certo, não estaríamos constrangidos ao entrar em nossa biblioteca e sentir os apelos contundentes de todos aqueles livros que não conseguimos ler...
Esta crônica ainda vai poder ser compreendida de coração por muita gente !É gostoso encontrar no vídeo alguns velhos amigos !Os livros de José Alberto de Souza, os Cânticos de Cecília Meireles, Os Signos em Rotação...
Vamos espalhar por aí o gosto da leitura !
Em primeiro lugar, gostaria de transmitir minha satisfação e honra por enxergar os livrinhos de minha autoria expostos no vídeo acima.
ResponderExcluirGostei bastante da sua resposta àquela insolente pergunta.
Ah, se todos tivessem a disposição insaciável de Dª. Delite, aos 93 anos, "traçando" com sofreguidão toda e qualquer obra que lhe chegava às mãos!
Por certo, não estaríamos constrangidos ao entrar em nossa biblioteca e sentir os apelos contundentes de todos aqueles livros que não conseguimos ler...
Esta crônica ainda vai poder ser compreendida de coração por muita gente !
ResponderExcluirÉ gostoso encontrar no vídeo alguns velhos amigos !
Os livros de José Alberto de Souza, os Cânticos de Cecília Meireles, Os Signos em Rotação...
Vamos espalhar por aí o gosto da leitura !
:~)