É provável que a estirpe dos
Coriolanos provenha do lendário general Caio Márcio que recebeu a alcunha de
Coriolanus, por se distinguir na Batalha do Lago Regillus, no cerco da cidade
de Coriolli, povoada por uma gente antiguíssima chamada Volscos, eternos
adversários daquela Roma dos primeiros tempos. Contam que os irmãos gêmeos,
Castor e Pólux, ajudaram imensamente aos romanos, liderados por Coriolano, a obter
êxito nesta importante batalha.
Isto foi bem antes dos inseparáveis messênios Idas
e Linceu matarem o Castor pelo rapto das irmãs Hilária e Febe, fazendo com que
Pólux implorasse a Zeus, à vida do querido irmão e, daí em diante, passaram a
dividir suas lendárias existências: interpondo-se, vida para um, enquanto o
outro amargava um dia inteiro numa iníqua dor do fim. Tamanha prova de amor fraternal
fez com que Zeus os castaterizassem na Constelação de
Gêmeos, donde não podem mais ser separados nem pela crueldade da morte. Mas
isso é outra belísima história, relatada pelo vate Shakespeare e sublimada num emocionante músical, pelo gênio de
Beethoven.
O que nos desperta para essas narrativas de longínquas eras, após o período
ingenuamente Colonial, onde fomos vítimas da gananciosa exploração europeiante, que nos levou ao ecoante Grito da
Independência – e que ainda retumba por aqui - é a busca de uma poesia que
ficou perdida no tempo. Época em que o hábil José Bonifacio tutelava com sua larga
sabedoria um nobre cidadão que foi talhado para ser monarca e funcionário
público exemplar, o bonachão Dom Pedro II, que acabou tomando um caminho totalmente
diferente daquele trilhado pelo pai, aventureiro e boêmio, a viver em busca de glória,
embora nos tenha feito um imenso favor em romper com os vínculos de sujeição a
Portugal, num pacato grito de independência ou morte.
Longe das bulhas litorâneas, a copiar eternamente
uma cultura estrangeira, havia um Brasil exalando séculos de atraso e miséria.
Um sertão em que tudo escasseia e nada falta, mas exige de nós uma firme adequação
para sobrevivê-lo na rusticidade de uma dura lei da natureza, pastando farinha,
rapadura e carne-seca como o bovino pasta a erva rala, num imenso desertão, o
causticante sertão de Guimarães Rosa, onde o medo nunca domina, mas
facilmente se perde a vontade de ter coragem. Enquanto dos rastros
dos bois brotavam as oblíquas estradas, onde se caminhava protegido pelo rígido
gibão de couro curtido e se via surgir, inesperadamente, uma cidadezinha ao redor
de uma singela capela, agregada a uma bucólica fazenda de gado.
A Vila Príncipe Imperial conformou-se
aos pouco, de casinha em casinha, mas sentindo o aroma do estrume dos currais e
a aragem que o vento soprava das melancólicas barrancas do Poti que se ia encobrindo
numa estreita garganta de serra. Das subsistentes roças brotavam as espigas de milho
sobre um tapete esverdeado de bagens de feijão, e nas cercanias o verde pasto que
crescia ia ficando lentamente aloirado pelos raios de sol, antes que a
ruminação do gado desse conta de saciar uma interminável fome. Porém, o que de magnífico
houve, foi ver brotar um poeta do rijo chão, desabrochar de forma telúrica, do
barro amassado e aguado com suor e lágrimas, feito um milagre no ermo do
sertão. Como havia dito um imaginoso poeta romântico, John Keats, se a poesia
não surgir tão naturalmente como as folhas de uma árvore, é melhor que não
surja mesmo. Ali, num mundaréu desabitado da fazenda Boa Vista, no benéfico ano
de 1829, calcinado pela terra, moldado pelo vento, forjado pelo fogo e
esculpido pelas águas majestosas do Poti, emerge um grande poeta, só comparável
ao grandessíssimo Gonçalves Dias, para fazer nascer poesia por aqueles rincões distantes
de Crateús.
O menino-poeta se embebe do esplendor
do sertão para depois estampá-lo com sua lira, cheia de cores em que se pode ver
as campinas, os prados verdejantes, as fontes, as flores, os pássaros e um
agreste impiedoso nos momentos difíceis, quando entoa seu canto: “As aves da minha terra,/ Quer no sertão, quer na serra,/ Sabem falar!/
Esta seu fado carpindo, / Aquela a lira ferindo /No seu trovar! // De
outra parte saltitando/ De galho em galho cantando/ Gentil sofreu, / Toca na
lira afinada/ Uma canção modulada/ Que o amor lhe deu!”
E o poeta foi
crescendo na Fazenda Boa Vista, circunspecto nos trabalhos diários com a
rústica natureza e com a lida do gado, enquanto se encantava com aos
espetáculos do Touro Fusco: “No belo Crateús, sertão formoso, / Obra sublime do Supremo Artista, /Num terreno coberto de mimoso, / Está sita a
Fazenda Boa Vista”; /Do Príncipe Imperial, pravo e rixoso, / Vila do Piauí,
seis léguas dista: / Ai, num massapé
torrado e brusco, / Nasceu o valoroso “touro-fusco”. // “Quando vinha ao
curral, tocando adiante / A manada de vacas que guardava, / Tinha um modo de
andar tão elegante, / Tão grave qu’eu com gosto lh’o notava! / Tinha um urro
saudoso e retumbante / Que nos vales florido reboava: / Toda a terra do urro
estremecia, / E o mato em derredor todo tremia!”. E por aí vai, num longo poema
a descrever as aventuras extraordinárias de um touro valente e destemido, o
herói da fazenda Boa Vista. O poeta dizia que
se o touro fosse gente seria mais heróico que o herói de Alexandria.
José
Coriolano já com asas de gigantes preparadas para um longo revôo parte para
conquistar um imenso e bravio Piauí, mas abraça é o mundo. Um poeta maduro que verseja
cantado os sentimentos, as mulheres, à Deus e à vida. Sobre o amor asseverava: “Mas,
se teu peito torturado geme, / Quando o sorriso nos seus lábios pousa, / Se tua
alma se alegra a sós contigo, / Quando os seus olhos umedece o pranto; / Se, a
meiga voz te cala n’alma / Seus ternos, suavíssimos acentos, / Descrer do que
ela diz, do que ela jura, / E logo te arrependes e te humilhas, / E incrédulo,
depois, o amor praguejas: / Se assim é o teu amor – amar tu sabes.”
Com o surgimento do livro “Impressões e Gemidos”, publicação feita por fieis amigos, José Coriolano, a maior figura do romantismo piauiense e crateuense, faz com que a literatura no Piauí deixe de ser um mero produto português, para ser algo genuinamente nacional, pois cultivava um compromisso com as raízes locais, através de um sentimento nativista que passou a fixar teluricamente as paisagens e a alma da gente piauiense. Por isso foi consagrado O Príncipe dos Poetas naquele estado.
Com o surgimento do livro “Impressões e Gemidos”, publicação feita por fieis amigos, José Coriolano, a maior figura do romantismo piauiense e crateuense, faz com que a literatura no Piauí deixe de ser um mero produto português, para ser algo genuinamente nacional, pois cultivava um compromisso com as raízes locais, através de um sentimento nativista que passou a fixar teluricamente as paisagens e a alma da gente piauiense. Por isso foi consagrado O Príncipe dos Poetas naquele estado.
E, mesmo nobre
e grandioso, nunca esqueceu a terra natal, que logo passaria a ser um município
cearense : “Lindo sertão meus amores, / Crateús,
onde nasci, / Que saudade, que rigores, / Sofre meu peito por ti! / São amargos
dissabores / Que em funda taça bebi! / Que saudade, ó meus amores, / Crateús,
onde nasci!”
Como os irmãos da velha mitologia grega, configurados nos Gêmeos zodiacais, o nosso vate maior também foi castaterizado na constelação dos grandes poetas nacionais, não pelo imponente Zeus, mas pela inspiração e liderança do deus das musas, o idílico Apolo. E um dia, brevemente talvez, veremos reerguida a estatua de José Coriolano de Souza Lima, na mesma Praça da Matriz e no mesmo lugarzinho que lhe é de direito, na praça que é das urbes como o céu é das nuvens, só para lembrar um contemporâneo que era também poeta, o dos escravos, que tem sua festejada Praça Castro Alves, e devemos por honradez, consideração e dignidade, rebatizar o lado esquerdo da Igreja da Matriz com um belo nome: Praça José Coriolano. Façamos isso, antes que um aventureiro a pegue, não acham?
Como os irmãos da velha mitologia grega, configurados nos Gêmeos zodiacais, o nosso vate maior também foi castaterizado na constelação dos grandes poetas nacionais, não pelo imponente Zeus, mas pela inspiração e liderança do deus das musas, o idílico Apolo. E um dia, brevemente talvez, veremos reerguida a estatua de José Coriolano de Souza Lima, na mesma Praça da Matriz e no mesmo lugarzinho que lhe é de direito, na praça que é das urbes como o céu é das nuvens, só para lembrar um contemporâneo que era também poeta, o dos escravos, que tem sua festejada Praça Castro Alves, e devemos por honradez, consideração e dignidade, rebatizar o lado esquerdo da Igreja da Matriz com um belo nome: Praça José Coriolano. Façamos isso, antes que um aventureiro a pegue, não acham?
Raimundo Candido
José Alberto de Souza disse...
Sabe que as vezes fico imaginando a sua biblioteca como um harem de inúmeras odaliscas (metaforicamente falando dos seus livros), as quais não tem por que se queixar do seu sultão, todas elas recebendo equitativamente o carinho dispensado a cada uma. Com essa crônica antológica, parece que você plantou tanta leitura para colher a sua prodigiosa cultura
Sabe que as vezes fico imaginando a sua biblioteca como um harem de inúmeras odaliscas (metaforicamente falando os seus livros), as quais não tem por que se queixar do seu sultão, todas elas recebendo equitativamente o carinho dispensado a cada uma. Com essa crônica antológica, parece que você plantou tanta leitura para colher a sua prodigiosa cultura!
ResponderExcluirE ai carissimos conterrâneos,não visito esta terra desde 1970, tenho muitas saudades dos banhos e das cheias do rio poty,das idas ao mercado e dos amigos de infância (Paulo fussura, tio manelim, estélio cabeção e outros que me fogem a lembrança no momento)Lembro-me que lá pelos idos de 65,estava eu na pracinha dos correios defronte ao mercado, quando uma grande bola azulada desceu como uma estrela cadente, e pairou sobre esta por cerca de 30 segundos, logo em seguida saiu em vertiginosa velocidade, a rádio Educadora que transmitia o som via megafone, anunciou de pronto: estranho objeto cai em nossa cidade.Estava comigo, no momento o Paulo Montezuma, que era muito pequeno na época, mas este não recorda. Gostaria que vcs pesquisassem junto a Rádio educadora, no sentido de localizar o tal locutor que noticiou o fato na época.
ResponderExcluirValeu e um abração a todos que compõem esta Academia de Letras da MINHA TERRA NATAL.
Fco Fabio Bezerra Tomaz
e ai vai um poema meu que tenta explicar como são criado os poemas.
ResponderExcluirFRAGMENTOS
fragmentos são pedaços
de idéias no papel
são vivências, feito traços
de cometas pelo céu
são os portos da memória
onde buscamos veleiros
de lembranças e estórias
perdidas nos nevoeiros
são os teares de sonhos
toda ilusão, pensamentos
como toda chama ou vida
seguindo o rumo dos ventos
feito nós quando dormimos
e sonhamos fragmentos.
Fco Fábio Bezerra Tomaz