Hoje pela manhã fui
despertado por um telefonema do César me lembrando de que era dia de fechar
mais uma edição do Jornal. Portanto, aguardava minha crônica. Na sequencia me
narrou seu encantamento com a fala do recém-empossado Presidente do nosso Tribunal
Constitucional, Carlos Ayres Britto. Colhi daí o mote para estas linhas: a
intercessão entre as linhas da poesia e da política.
Aproveitei para,
primeiro, revisitar um verso de Ayres Britto: “Namore bem com a vida./ Deixe que ela seduza você./ Permita-se ter um
caso de amor/ Com ela,/ Mas não pare por aí:/ (…) Faça tudo isso e prove da
vida/ Como do néctar das flores/ Prova o colibri,/ Sem se perguntar se existe
outro céu/ Fora daqui”.
Pois é... O verso acima
é produto da tecelagem poética de Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto (eis o
seu nome completo). Um sergipano de Propriá que assumiu na última quinta-feira,
19 de abril de 2012, a Presidência da mais alta Corte de Justiça Brasileira, o
Supremo Tribunal Federal. Ayres Brito ganhou relevo pelo fato de povoar suas
intervenções no STF com frases que destoam do trivial, forjadas na máquina de
tear de sua genial renda literária. Teima em provar que continua inalterado: “Hoje me chamam de ministro/ E eu decido sob
respeitável toga./ Meu coração, porém, não mudou nada./ Continuo um romântico
indiozinho/ a remar sua piroga/ E a
cismar por entre as árvores, à noitinha,/ Vendo em cada pirilampo e em cada
estrela/ Os faiscantes olhos da namoradinha.”
Seu discurso de posse se
constituiu em uma tela de delicada tessitura criativa. Exala o orvalho de
sensibilidade que brota do autor. Urge registrarmos quão raro é a nação
assistir um poeta tomar as rédeas de um dos três poderes da República. Oh!
Quanta falta faz, no áspero e belicoso bioma da política, a presença de seres
banhados pelo sereno do bom senso!
Alguém pode imaginar que
considero os poetas como homens acima da média, bafejados por alguma aura
extraordinária. De jeito nenhum. Concordo com Neruda: “o poeta não é um «pequeno deus». Não, não é um «pequeno deus». Não
está marcado por um destino cabalístico superior ao de quem exerce outros
misteres e ofícios. Exprimi amiúde que o melhor poeta é o homem que nos entrega
o pão de cada dia: o padeiro mais próximo, que não se julga deus. Cumpre a sua
majestosa e humilde tarefa de amassar, levar ao forno, dourar e entregar o pão
de cada dia, como uma obrigação comunitária. E se o poeta chega a atingir essa
simples consciência, a simples consciência também pode se converter em parte de
uma artesania colossal, de uma construção simples ou complicada, que é a
construção da sociedade, a transformação das condições que rodeiam o homem, a
entrega da mercadoria: pão, verdade, vinho, sonhos”.
Pois bem. É isto que
quero dizer: a política - o serviço à polis, à cidade, à comunidade - é essa
atividade magnífica de tornar acessível a todos os bons frutos da árvore da
vida.
Um pulsante exemplo da
poesia materializada na política é a capital da França. Paris, a bela, a
exuberante, a formosa Paris, com suas marmóreas construções, com suas pontes esmeradamente
decoradas, seus prédios amarelos e suas catedrais cinzentas é um belo modelo da
transfusão lírica nas veias de uma metrópole. Paris realizou o onírico rito de
passagem, a incorporação da sensibilidade artística na reunião das pedras para
as edificações arquitetônicas. É sintomático que um dos seus programas mais
festejados seja o passeio pelo rio Sena. O rio, artéria vital, é como que
reverenciado pela cidade. As principais e as mais tradicionais construções
estão à margem do leito fluvial que banha a urbe.
Mirando Crateús, surgem
as indagações. Por que desprezamos nosso rio? Por que as nossas construções
estão de costas para o Poty?
Imaginemos, por mera
divagação ou louvor ao diletantismo, um rio despoluído e perenizado, as margens
recuperadas, a mata ciliar preservada!... Imaginemos as pontes iluminadas,
exibindo esculturas de arte dos artistas locais!... Imaginemos uma orla prazerosa,
com espaços de lazer, pistas de Cooper, jardins de meditação!... Imaginemos
pequenos barcos disponibilizando passeios românticos e culturais ao longo do
percurso urbano!...
Saber que nada disso é
devaneio gratuito, mas possibilidade desperdiçada. Saber que temos muito mais
potencialidades inexploradas... Saber que outras regiões do planeta, sob
condições bem mais adversas, executaram ideias incrivelmente mais arrojadas que
esses simples e modestos desejos... Confesso que me dói...
Confesso que me dói ver
nossas lideranças políticas reféns de uma agenda mesquinha, entrecortada pela
futrica menor, pelo alarido da maledicência.
Meu pequeno coração de
poeta me diz que falta algo ao estrume da nossa política, que o torne gerador
de vida, germinador de alegria: sementes de poesia!
(Júnior
Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)
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