Enquanto a professora e cantora Fatinha
Marques passa na rua, em seu carrão, como um cintilante pássaro a gorjear
melodias, lembro-me dos meteoritos errantes. Ela dá uma lição de como alcançar
sucesso: trabalho insistente, sem nunca perder o entusiasmo. Essa estrela
ascendente exibe-se em programas de televisão, na internet e até mesmo em jornais
e revistas. Seus videoclipes, no Youtube, superaram a faixa de 500.000 acessos servindo
como efetivo termômetro da repentina fama, a descontentamento de invejosos.
Pensando na ascensão dessa incontestável
estrela musical, é inevitável que me venha à mente os astrólitos catastróficos
e os meteoritos apocalípticos. De acordo com a NASA, a chance de um asteróide
atingir a Terra é de 1 para 625, e vai diminuindo a medida que o tempo passa. As
bolas de fogo, que riscam o céu, são uma ameaça constante sobre as nossas
cabeças mesmo que a imaginação os transforme em momentos de crendices para
solicitar que desejos sejam realizados. A grande ameaça anunciada é um
asteróide de 137 metros de diâmetro catalogado como 2011 AG5, que passará bem próximo
do nosso planeta em 5 de fevereiro de 2040, com remota probabilidade de choque.
E, por estranho que pareça aos
crateuenses, já estamos acostumados. Em 1909, numa caatinga de inóspito carrascal
arbustivo, com ramos duros e esguios, repleto de seixos roliços, um atento sertanejo
vê uma pedrinha de uns 350 gramas, bem diferente, avermelhada como ferrugem e
como se alguém tivesse deixado marcas de dedos impregnadas. Guarda-a, na
algibeira. Nem imagina que vale uma fortuna. Mas já havia caído outra, bem
maior. Foi achada em 1914, riscou o céu da cidade como uma enorme bola de fogo
e foi se consumindo pelo atrito atmosférico, até restar somente um bólido de uns
27 quilos e meio quando estrondou nas margens do Poti, assustando a tudo e a
todos que por ali passavam, como uma explosão de mil dinamites. Os dois
tesouros fazem parte, agora, da Relação de Meteoritos Brasileiros que estão no
Museu Nacional de Meteorologia do Rio de Janeiro, catalogados como Meteoritos
Crateús.
Já nem mais se ouve a cadência musical
retumbando no ar e fico a relembrar de outros meteoritos humanos que brotaram
da mágica Rua Frei Vidal da Penha. Quando a virtuosa Dona Saluzinha, criando
sua prole numerosa com duro labor e muita oração, reclamava carinhosamente da
danação das crianças: – Ó Tadeuzinho de Nossa Senhora, você quer uma pisa ou um
pedacinho de rapadura? Daquela abençoada família surgiu um meteorito reluzente que
se dignificou pelo trabalho e enfrentou os ardis da arte política. Chama-se
José Marques de Alcântara, vulgo Zé Maria Pedreiro, tio do meteorito Fatinha.
A necessidade é uma das grande lei da
natureza, mesmo que a Organização Internacional do Trabalho homologue o
contrário. A privação é mestra e guia, inspira e obriga. E um guerreiro-menino,
aos 7 anos de idade com a barra do tempo por sobre os ombros, pega um caixote
de bombons com tira perpassada no pescoço e vai trabalhar no Trem encantado
chamado Maria Fumaça, num divertido vai e vem, entre Crateús e Oiticica. Mesmo
tendo acreditado que, naquele dia, o mundo iria se acabar com a visão inesperada
de aviões que soltavam fumaça pelo rabo em assustador sobrevoo rasante e com a população
de Oiticica que correu desesperada. O sobressaltado menino sentiu uma súbita
necessidade de comer os pães que levara da Padaria do Sr Ferreirinha, com a
proximidade do fim do mundo. Pensou “é melhor morrer de barriga cheia” e desde
aquele dia que uma coragem brotou no coração de um menino-homem temperado com a
doçura de criança que sobrevivia vendendo pão e guloseimas.
Zé Maria é uma dessas poucas pessoas
que pode afirmar literalmente: ”Meu nome é trabalho e o sobrenome é hora extra”,
pois biblicamente come o pão com o suor do rosto. Trabalhou no Cartório
Eleitoral com o Dr. Desembargador Olavo Frota. Estava na turma de cassacos que
construía a estrada de ferro Crateús-Independência, época de grande seca e renhida
clemência por bom inverno. Vem as chuvas e o sertanejo larga tudo e corre para
lavrar as roças e a incompleta estrada de ferro vira um fantasma. Já exímio nas
obras de pedra e cal, vai trabalhar no Distrito de Poti onde conheceu a digníssima
amada e se soubesse de Fernando Pessoa teria dito, no auge da paixão: Que
queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?
Mas havia o enérgico pai da noiva. Com
uma boa talagada de pinga lagoa do barro todo frouxo cria coragem. Ele criou e
foi pedir a mão da eleita:
– Seu Zé, o que me trouxe aqui foi
pedir...
– Pedir o quê?! O corpulento pai da donzela
já estava com a mão sobre um revolver que repousava, manso, sobre a mesa.
– ... pedir um jumento emprestado para
tirar uma carga de lenha.
Quem pediu mesmo a mão de dona Maria
de Lurdes foram as cordas de um violão, quando o Zé Maria Pedreiro
dissimulava-se em fino seresteiro das madrugadas.
Em Crateús houve uma briga muito estranha.
Diz, um desses tolos poetastro de imaginação fértil, que os galos da torre da
Matriz têm nomes, o da esquerda é o Macedo, o da direita é o Bonfim que conspirou
com uma rabugenta coruja cara de beata, e degringolam o coitado do Macedo que
cai do alto da torre. O único a ter coragem de entronar novamente o velho e
caduco galo é o pau para toda obra, o pedreiro Zé Maria.
Segundo o filósofo grego Aristóteles,
o homem é por natureza um ser político. E para quem vivia sintonizado nas ondas
de rádios, procurando informações de Cuba, de Moscou ou ouvindo com fervilhante
ânsia as notícias de Heron Domingues, a testemunha ocular da história, no
Repórter Esso, a única vereda possível era a política mesmo. O brio e a
fascinação que se depreendem espontaneamente da alma deste pedreiro mostra uma
simplicidade ímpar e uma habilidade social acima da média, qualidades que o
indicaram com candidato ideal a prefeito tremulando mais uma vez a bandeira das
esquerdas (dizem os entendidos que houve a mão do Marcos Melo, filho do Luiz
Mano, um corajoso socialista de utopia cabocla). A primeira disputa para
prefeito, onde adquiriu experiência, foi contra uma máquina governamental em
época da cruel ditadura. O Zé conseguiu vencer Dona Leonete Camerino por 138
votos na zona urbana, mas os sufrágios interioranos chegaram, tangidos como o estouro
de uma boiada, esmagando o Pedreiro da esperança, seu slogan político. Sentiu o
primeiro revés financeiro, mas nada que trabalho duro e honesto não pudesse
refazer.
A política é
uma guerra sem derramamento de sangue. E nas boas guerras tem-se que agir como
os tigres: mostrando eficiência e muita lábia astuciosa, como na campanha de
1996 contra Paulo Nazareno. O Candidato do Povo encontra o Dr. Paulo em rota de
campanha e o cumprimenta cordialmente. Diz: – Doutor, já é coisa líquida e certa,
eu vou ganhar esta eleição e quero que seja o senhor seja o meu secretário de
Saúde. Paulo descerra um sorriso sincero nos lábios, pois sabe de suas reais
possibilidade, e arremata: – Meu amigo Zé do Povo, você está iludido, mesmo
assim eu estou lhe convidando para ser meu Secretário de Obras, aceita?
Com certa
antecedência, o PMDB decide fazer o comício de encerramento da campanha. A
Praça da Matriz estava lotada que nem sardinha em lata. Foram discursando: os
vereadores, com muitos sonhos e promessas vãs estampadas no ar, depois o vice,
João Aguiar, que soltou o verbo alado revoando sobre as cabeças dos milhares de
eleitores conscientes do que estavam fazendo ali. Um microfone, vigorosamente,
anuncia: – Agora, com vocês, ele, o nosso querido prefeito, Zé do Povo!!! O
inesperado, o inacreditável, é bom que se diga, aconteceu. Escuridão total em
plena praça. Supõe-se, conjecturam-se e esperam, pois a esperança é o sonho do
sertanejo que vive sonhando acordado. Há um rumor quase que silencioso e lá no
final da multidão alguém acende um isqueiro e bem alto, quebrando o silêncio
sepulcral, iniciando um refrão como um doce hino: – Zé do Povo!!! – Zé do
Povo!!! Numa emoção que instantaneamente contagiou, um a um, de repente a
multidão clareia a praça com fósforos, velas, isqueiros e esperanças em suas
almas como pequenos asteróides uníssonos e em coro a bradar: – Zé do Povo!!! – Zé do Povo!!! – Zé do Povo!!!
Por vinte longos minutos, sem parar, até que o sol da consciência voltasse a
brilhar na praça. Então o povo ou(viu)
um cintilante meteorito no fim da escuridão, ele fala: – Olhem, eu sei que eles
detêm o poder nas mãos e por isso fazem o que querem! Eu sei que eles trouxeram
ministro, governador, senador e deputados para ajudar na campanha. Agora, só
falta trazer o Papa. Mas que tragam, pois o Santo Padre vai é rezar por esse
proletário que vive derramando suor pelo bem do povo. Ele vai é dizer assim: – Levanta
Zé, a pobreza de Crateús precisa de tua proteção e de teu trabalho!
E o Pedreiro Zé Maria é levado nos
ombros de uma multidão ensandecida, dando voltas olímpicas na praça, com o
mundo todo a gritar: Já ganhou!!! Já ganhou!!!
É bom saber que o cidadão
Zé Maria é novamente candidato nestas eleições, agora a vereador (12222) pelo
PDT do carismático e saudoso Leonel Brizola. É bom também que se tome
conhecimento de que continua uma pessoa aguerrida e que as asperezas de um homem, lapidado na luta, não amargaram a doçura do menino que vendia bombom na saudosa
Maria Fumaça.
– Zé
Povo!!! – Zé Povo!!! – Zé Povo!!! É o que ainda ouço, sempre que vejo este meteorito
passar!
Raimundo Candido
Jose Alberto de Souza disse...
O universo de Crateús brilha no firmamento das letras com essa comovente crônica de uma comunidade que se projeta no cenário estelar qual um cometa a perder-se no infinito.
João Silas Falcão Soares disse...
O universo de Crateús brilha no firmamento das letras com essa comovente crônica de uma comunidade que se projeta no cenário estelar qual um cometa a perder-se no infinito.
Poeta Raimundinho, as suas crônicas são
leituras de lugares comuns a muitos leitores. Você sempre resgata um passado que
nos pertence. Zé Maria Pedreiro é outra lembrança de minha adolescência na rua
da Cruz. É inesquecível o momento em que meu pai, Pedro Severino, contratou a
competência profissional do pedreiro Zé Maria para fazer a “puxada”, como se
definiu a época, da cozinha e sala de jantar da nossa casa. Minha mãe queria
ambos os espaços mais amplos e arejados. E em outras contratações ele executava
com muita responsabilidade o seu ofício de Mestre de Obra muito conhecido e
respeitado. O Zé Maria tem o andar do povo. Simplicidade do povo. Palavras do
povo. Expressões corporais do povo. Trabalhador como o povo. Zé Maria Pedreiro é
o povo. Há muito tempo ele devia estar dinamizando uma vaga na câmara municipal
ou prefeitura. Ele merece por ser um batalhador incansável. Sendo eleito, tenho
certeza que o Zé do Povo, mesmo sendo vereador e não prefeito, construirá novos
caminhos para Crateús. Espero que Crateús não esqueça dois candidatos que
pertencem ao dia a dia do povo: Zé do Povo e o Louro da Cruz.
O universo de Crateús brilha no firmamento das letras com essa comovente crônica de uma comunidade que se projeta no cenário estelar qual um cometa a perder-se no infinito.
ResponderExcluirPoeta Raimundinho, as suas crônicas são leituras de lugares comuns a muitos leitores. Você sempre resgata um passado que nos pertence. Zé Maria Pedreiro é outra lembrança de minha adolescência na rua da Cruz. É inesquecível o momento em que meu pai, Pedro Severino, contratou a competência profissional do pedreiro Zé Maria para fazer a “puxada”, como se definiu a época, da cozinha e sala de jantar da nossa casa. Minha mãe queria ambos os espaços mais amplos e arejados. E em outras contratações ele executava com muita responsabilidade o seu ofício de Mestre de Obra muito conhecido e respeitado. O Zé Maria tem o andar do povo. Simplicidade do povo. Palavras do povo. Expressões corporais do povo. Trabalhador como o povo. Zé Maria Pedreiro é o povo. Há muito tempo ele devia estar dinamizando uma vaga na câmara municipal ou prefeitura. Ele merece por ser um batalhador incansável. Sendo eleito, tenho certeza que o Zé do Povo, mesmo sendo vereador e não prefeito, construirá novos caminhos para Crateús. Espero que Crateús não esqueça dois candidatos que pertencem ao dia a dia do povo: Zé do Povo e o Louro da Cruz.
ResponderExcluirSilas Falcão.