Palmilhava, no desfecho da
tarde - a moda dos poetas, passos leves, silhueta cabisbaixa - uma trilha
poeirenta de minha rejuvenescida caminhada, quando, num súbito alento, percebo
ao longe uma árvore toda desfolhada com um banquinho de madeira ao lado.
Mais de perto, inspeciono
melhor aquele monumento solitário na beira da estrada.
Não tenho uma boa capacidade
de identificar plantas, mas logo reconheço aquele esgalhado vegetal sobre um
grosso tronco escurecido, era um velho e majestoso pau-d’arco que agora
hibernava.
Embora sem folhas, sem flores,
havia um doce perfume de pétalas de rosas e um colorido beija-flor que por
entre os galhos secos revoava. Um vento suave soprava sobre o meu rosto suado,
mas não remexia com as folhas secas que jaziam no chão.
Percebi que sentados no rústico
banco de madeira enegrecida, em conversa animada, dois simpáticos velhinhos,
indiferentes a quem por ali passava. Um senhor de fronte calva, cabelos brancos
escorridos sobre os ombros, alva barba bem cuidada e um grande óculos de aro
fino sobre um olhar profundo explicava, em didática explanação, como se fizesse
uma avaliação de uma obra efetuada no mundo:
- Pois é, minha senhora, de
tanto tentarmos educar os outros, agora nós é que nos educamos, para uma nova
missão.
Percebi então uma idosa
senhora, também de cabelos brancos e um olhar cansado, mas com feição firme de
implacável rigor e coragem. Replica a declaração do ancião:
- Com certeza! Deixamos as sementes plantadas,
e mais do que nunca percebemos o valor daquela sua proposição máxima: “Ninguém
educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo”. Lembra-se!
Enquanto caminho, percebo que
o frondoso Ipê, subitamente, desabrocha em flores brancas como a neve, para êxtase do alegre beija-flor, que em rejubilo festeja.
- Senhora, eu confesso que me
emocionei quando disse em tom de despedida: “ Dei tudo de mim pela educação”. A senhora criou um belo amanhã nas cartilhas amareladas
do ontem!
- Sinto-me lisonjeada por sua
opinião. E revelo minha admiração, por um intelectual ser tão amoroso. Aquela sua
explicação do amor incondicional, muito me emocionou: “E é porque amo as
pessoas e amo o mundo, que eu brigo para que a justiça social se implante antes
da caridade”.
Eu não sabia em qual
espetáculo me concentrar se no diálogo dos afetuosos velhinhos ou na copa
amarelada das flores do mágico Ipê, para delírio do beija-flor.
Prossigo no meu caminhar da
saudade, deixando pegadas no fim de trilha, e escuto, já distante, a voz da
terna senhora ainda a falar: “... não só ensinei as crianças a ler ‘Eu vi a
uva’, mas abri um olhar essencial para a janela da alma daqueles pequeninos que
começavam a decolar para à vida...”
Minha surda audição capta os
últimos sons de um distinto senhor a asseverar:
- Minha senhora, seu educar
foi um ato de amor!
Viro-me, naquele exato
momento, como que compelido e vejo o frondoso Ipê – que não me é estranho – com
os galhos, repletos de flores arroxeadas, revolteando como a me dar um
abençoado adeus. Só não entendi porque aquele simpatico colibri insistiu em me
acompanhar.
Raimundo Candido
José Alberto de Souza disse...
Extraordinária poética, ternura no mais alto grau, cada
vez admiro mais suas crônicas, sempre impregnadas do mais puro sentimento.
Extraordinária poética, ternura no mais alto grau, cada vez admiro mais suas crônicas eivadas do mais puro sentimento.
ResponderExcluirPerdão, sempre IMPREGNADAS do mais puro sentimento.
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