(Em nome do agente
ferroviário Antônio Cândido homenageio à todos que fizeram a história da REFESA.
12/ 12/ 1912 ____12/ 12/2012)
Das árduas circunstâncias do
dia-a-dia emerge o imprevisto herói ou um insensível e inerte personagem da
história. O verbo agir, do vocábulo latino agere – aquele que atua, que aciona,
opera e faz – sempre determina, como um carimbo, os momentos que ficam
estampados nos textos áureos da volumosa obra da humanidade. Agir, no momento exato,
é tão crucial que fixa uma possibilidade, entre infinitas outras, rumo ao futuro
que se supõe incerto. A conjugação deste precioso verbo é tão importante que
devia ser repetida a exaustão, ano após ano, incutindo toda força psicológica
na consciência das crianças, que lentamente amadurecem nos bancos escolares. Aos
atos heroicos ou às condutas pusilânimes também se regam como se água uma
frágil plantinha de um jardim. Assim, a tendência altruísta vai se
fortalecendo, de grau em grau, na índole de um cidadão.
Foi o impulso da índole que
fez com que a coragem do jovem Peter colocasse o dedinho num orifício que
jorrava água de um enorme dique de proteção das inundações do mar, salvando a
Holanda. Depois de uma noite solitária e uma frienta madrugada, com o dolorido
braço começando a ficar dormente e nenhuma resposta aos gritos de desespero: –
Socorro! Alguém venha até aqui! Ele repetiu incansavelmente as suplicas
chorosas: – Será que ninguém vai vir? Mãe! Mãe! E no clarear do dia, aquela região
que fica abaixo do nível do mar, tinha um herói para aclamar!
Foi o impulso da índole que
fez com que aquele pai na interiorana cidade de Paiçandu, no Paraná, salvasse o
filho. A BR-467 é sempre movimentadíssima e no acostamento está ele a segurar a
mão do menino de três anos. A irrequieta criança se solta e corre para
atravessar a pista. Num automático ato de coragem, o pai o alcança e o joga no
acostamento. A moto desesperada atropela o bravo senhor, que não resiste à
pancada e ali mesmo, ensanguentado no chão, dá adeus ao filho pequenino.
Foi o impulso da índole que
fez com que o sargento Sílvio Delmar Hollenbach, sem pensar nas consequências, pulasse no fosso
das ariranhas do Jardim Zoológico de Brasília e salvasse uma criança que estava
pestes a ser devorada pelas feras. O militar morreu, mas tornou-se um herói sem
ter que ir para a guerra. No outro dia o jornalista Lourenço Diaferia escreveu uma crônica “Herói Morto”, dizendo
que o sargento é que era o verdadeiro herói e não Duque de Caxias. O redator
foi preso porque o Exército Brasileiro considerou o texto uma ofensa às Forças
Armadas.
Foi o impulso da índole que
fez com que um avô, o Senhor Joaquim, se atracasse com uma sucuri de cinco
metros para salvar o netinho Matheus que já estava sendo estrangulado pela
mesma. Um córrego da cidade de Cosmorama, interior de São Paulo, deságua numa
imensa represa de onde a cobra subira para caçar. O avô obstruiu a boca da
serpente com tijolos e pedras, salvando o neto que já desmaiara.
Foi o impulso da índole que
fez com que Jordan Rice, de treze anos de idade, insistisse para que o bombeiro
salvasse primeiro seu irmão Blake, de dez anos e a sua mãe. O carro deles fora
arrastado para um caudaloso rio, numa das piores enchentes da Austrália, em
1967. As águas torrenciais levaram o jovem Rice, que superou o primeiro degrau
do heroísmo, vencer o medo, mesmo sem saber nadar.
Nos Sertões de Crateús, o ano
de 1967, também fora de uma quadra invernosa particularmente pesada. As chuvas
não davam tréguas para que o solo desencharcasse no calor do sol e as plantas
realizassem uma salutar fotossíntese. Quase toda lavoura estava ameaçada, todos
os açudes já haviam sangrado, e o Rio Poti invadia as ruas próximas do seu
leito, locais que são seu por direito.
Na noite alta de domingo do
dia 23 de abril, mês dos ápices dos bons invernos, todos os moradores da
fazenda Pastos Bons do Senhor Eduardo Melo estavam numa preocupante expectativa,
pois a grossa chuva que começara à tardinha não dava sinal de esperado fim. O
sangradouro, que fora providencialmente alargado, não dava conta de liberar
tanta água com uma lâmina já lambendo rente ao topo da parede.
Precisamente à meia noite o
Antônio Pequeno ( Antônio Cavalcante Morais, um dos moradores do lugar) sai à
porta da bodega do jovem Mesquita Torres, filho do Seu Melo, e vê o destroço
das águas revoltas arrancando de rojão os pés de bananeiras na vazante abaixo da parede do açude, que já havia se rompido.
Grita para a esposa de Seu
Eduardo Lima: – Eita, Dona Jandira, agora o açude véio arrombou mesmo! Todos viram, com os olhos de espanto, quando num
instante a água em turbilhão impetuoso chegava à calcada das casas e arrastava na
força bruta o pontilhão da linha férrea, ficando somente os dormentes e os
trilhos dependurados.
Alguém se lembra do trem de
passageiros, que vinha de Sobral, e ainda não havia passado. O Antonio pequeno,
espiritualmente conjuga o verbo agir e por impulso da índole pede emprestada a
saia vermelha da irmã, colocando-a na ponta de uma vara. Ele e o Mesquita se
apressam de encontro ao trem, para evitar um trágico acidente.
Caminham entre os trilhos,
pois a noite é um breu, e a grossa chuva com clarões de relâmpagos que estalam
bem próximo e com os estrondos de trovões intensificam um pavor, fazendo das
trevas algo ainda bem mais pesado. A
probabilidade de ser uma vítima deste fenômeno é grande, principalmente se alguém
sai numa noite de chuva forte, vendo os clarões dos raios que correm estalando
como chicote nas cercas de arame farpado, ouvindo o som das trovoadas estremecerem
o ar com um eco seco estridente: – Brrrrr boooom! boooom! rasgando as grossas
folhas-de-flandes no céu. É natural que se tenha medo!
Com menos de um quilômetro de
caminhada vislumbram o facho de luz da locomotiva que, prudentemente, vinha
mais devagar do que de costume. O maquinista ver o aviso de perigo e vai
parando lentamente até chegar próximo ao pontilhão estraçalhado e agradece a
Deus e aos dois heróis que salvaram o trem com 200 passageiros a bordo. As
pessoas vão lentamente tomando consciência de que aquela parada forçada não
fora um prego nos pneus do trem, como algum engraçadinho afirmava dentro dos
vagões, e sim uma benção por suas vidas que foram salvas naquela torrencial
noite de abril.
O Trem volta de macha ré até a
fazenda Tetéu do senhor Pedro Bandeira para pernoitar. Alguns passageiros mais
abastados atravessaram a caatinga rumo à estrada onde os carros de praças ou
familiares os aguardavam. Outros esperavam o dia amanhecer e tiveram que
atravessar a grota nos braços do Antônio Pequeno, com água até o pescoço. O
disposto Antônio ainda ganhou um bom trocado dos agradecidos passageiros do
expresso ferroviário de domingo.
Como naquele sortudo trem viajava uma
delegação do LIONS CLUBE DE CRATEÚS proveniente de uma convenção em sobral, os
filantrópicos leoninos com suas respectivas domadoras, agradecidos,
homenagearam ao jovem Mesquita com uma digna medalha. Hoje, eu pergunto, não
está na hora de se fazer justiça para história dos fatos acontecidos no dia 23
de abril de 1967, amigos Leões?
Como me disse o Antônio
Pequeno, lá na sua casa, na Vila Toré da Rua Franquinha Machado: – O Mesquita
não fez quase nada e foi todo merecido!
Pois se alguém me perguntar se
nós temos heróis, eu direi, e com muito orgulho, que sim e são dois.
Em Cratheús, nós temos heróis,
sim senhor!
Raimundo Cândido
(No dia 12 de Dezembro de 2012 o Lions Clube de Crateús concedeu ao Senhor
Antonio Pequeno um Certificado de Reconhecimento, agradecendo pelo feito
heroico que salvou muitas vidas! Foi o reconhecimento a um herói!)
Crateús, sem dúvida, tem seus heróis, mas também tem seus homeros para registrar as odisseias dos grandes feitos daqueles.
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