A poesia brune e luz o enigmático
amor e, inapropriadamente, instiga um desapego na alma do versejador. A poesia
altiva e clareia a lucidez e, inexplicavelmente, salienta insensatez no espírito
do incauto obreiro das inspirações. Acredite, às vezes, os poetas alucinam. É quando
perdem as ilusões e se afogam nas arriscadas correntezas da realidade. Ser
poeta é perigoso! Creia-me!
Há
um limite de tênues sinais na área da insana sanidade do porão da linguagem. É lá
onde a dubiedade, das emoções e dos sentimentos, embriaga a alma. Entende? Quem
corre atrás do vento compreende. Os poetas! Eles sabem que o redemoinho das
palavras sempre os engole, arrasta-os para o reino da solidão, para um deserto densamente
povoado. Os poetas só não percebem
quando seus pés estão se afundando, lentamente, nos pesadelos da realidade, na
irreflexão. Efeito da narcose do limo que escorre das palavras. A pele da alma
sangra, um fogo jorra da rubra íris a distribuir estrelas luminosas por aí... Pelas
intransitáveis esquinas. Tudo decorrente da árdua luta com as palavras. Um exército
de Lexemas secos, de vocábulos pegajosos, de palavras enigmáticas e escorregadias
que nunca param de inquerir a volúvel senha do baú das sintaxes: - Trouxestes a
“Chave”?
É um aceso sinal quando as
marcas do tempo sulcam o rosto de um grande vate e este fica impossibilitado de
se contemplar, até no brilho metálico do espelho. Foi o que aconteceu com o grande
poeta alemão Friedrich Hölderlin, ele caiu, quase por opção, no labiríntico
porão das palavras e transcendeu, ficando sem coragem de olhar a sua imagem na
superfície refletora, o lugar sem lugar. Preferiu tornar-se uma demente árvore,
nas bordas de uma floresta: “Ai de mim! Onde vou ver / flores no inverno, e
onde / o brilho do Sol, / e sombras da Terra? / Os muros estão postos / mudos e
frios, ao vento / tilintam as flâmulas.”
De tanta ficção macabra,
histórias sinistras, poemas perturbadores e de uma paixão irrefreável por
bebidas fortes, Edgard Allan Poe enlouqueceu! E ao ser chamado de louco
redarguiu: — “Doido, eu? Resta saber se a loucura não representa, talvez, a
forma mais elevada de inteligência." Poe, desde menino, tinha medo do
escuro e, na sua derradeira coma alcoólica, já hospitalizado, pedia aos médicos
que explodissem seu cérebro: — Senhor, socorra a minha pobre alma! Na certa se
lembrava de um corvo a lhe responder: — Neve more.
Sim, amigo, os poetas, às
vezes, perdem o siso, arruínam as faculdades, ficam privados do juízo. Mas não
é motivo para ter pena deles. É o resultado de uma busca inesgotável de
sentidos. Pagam o preço!
Está pagando o preço o senhor
Mario Gomes, perambulando pelas ruas de Fortaleza, como um mendigo sem dono, um
cão pulguento abandonado para morrer no meio da rua. Na realidade é um grande poeta,
um andarilho por opção caminhando nos desertos da cidade, na sua solidão
povoada. Uma fotógrafa vendo a figura ímpar e assombrosa de Mario na mesa de um
bar, clica-o e manda a foto para um concurso cultural na revista National
Geographic, além de premiada, chama atenção para demência de um Poeta
Alucinado, que nos diz: - Não estou abandonado. Abandonei o vício de viver
obedientemente a esta sociedade. E completa, poeticamente: — Eu, pela manhã,
como lagartas e, no crepúsculo, defeco borboletas.
O fundador da Academia de
Letras de Crateús, poeta Júnior Bonfim, ainda bem lúcido em sua verve poética, a definiu assim: É um Templo Ecumênico para quem cultua a liberdade da
palavra. Recebemos, diariamente, como numa igreja, a visita de escritores,
poetas e admiradores da nossa cultura. Um dia, subitamente, como aparição espontânea,
surge por aqui um grande poeta, tal qual um beija-flor atraído pelo pólen do Templo
da Poesia. O poeta crateuense Zezinho retornava à terra natal depois de 64 anos
perambulando pelo mundo a distribuir estrelas com a rubra íris de versejador. Todas
as quintas-feiras, ele chegava bem cedo, com uma arroxeada flor na mão, para
homenagear a ALC. Recitava seus versos maravilhosos sobre a natureza, sobre amor
e sobre a fé. Pediu até que mandássemos, pela internet, um soneto para uma de
suas musas prediletas, a apresentadora do programa Mais Você, Ana Maria Braga.
Ficamos, impacientes, a aguardar resposta.
Mas a Insensatez já corroía o
espírito do incauto obreiro das inspirações e só notamos quando o vimos perdido
no labirinto cruel das palavras. Da calma, para o irrequieto distúrbio, foi só
um pulo da cadeira: — Êpa!!! Tem alguém de plantão aqui, Seu Raimundo!
Lembrei-me de Allan Poe, assustado
com um corvo. Perguntei: — Como? O que você falou mesmo, poeta? Ele aproveitou
e do seu deserto de insanidade total, disparou: — Eles estão usando telepatia
para me perseguirem! Deve ser o capiroto fantasiado de homem. Acham que sou o
herdeiro do Rei da França. Minha cabeça está para estourar, não aguento mais! Estou
em petição de miséria.
Continuou, por um bom tempo,
com um rosário confuso de insanidades súbitas: — O tio Duda, ele mesmo, passou três meses estudando entre os monges do Tibet. Trouxe uma droga poderosa para ligar a alma ao corpo. Ele dá uma de morto! É a droga da imortalidade. Sabido, ele, não? É mentira! Ele está morto como eu estou! A vida inteira com essa criatura me
perseguindo. Meu Deus, que horror!
O poeta sumiu, como os
beija-flores que chegam e se vão. Preocupados, procuramos por toda cidade e
nada. Desceu na correnteza do rio da ilusão, fugindo das suas perseguições
imaginarias.
O perturbado amigo Zezinho, em
sua rápida passagem pelo Templo da ALC, deixou-me com uma grande preocupação.
Como o poeta, Friedrich Hölderlin, estou a imaginar as penúrias do porão das
palavras e fico com meus botões a dizer: — Ai de mim! Como será quando o verão
da insensatez florir, sem o aroma das poesias, na Ribeira do Poti?
Raimundo Cândido
Nem toda poesia
ResponderExcluirme pega assim de sopetão,
nem mesmo consigo apanhar
algum incauto ser a refletir
no labirinto da mente
por uma rota de fuga.
Ufa!, poeta Raimundo Cândido, que show de malabarismo mental! Poesia é isso, meu irmão: vôo da alma nas asas da imaginação. É um terno rebento da ânsia violenta, da timidez furiosa, da ganância humilde. É uma flor perfumada de amanhãs, é a taça do horizonte misterioso que o homem busca beber. E você está se havendo bem, muito bem, nessa fulgurante jornada!
ResponderExcluir