Existe um tipo de humanidade
que nunca se basta. Vive continuamente insatisfeita consigo mesma, com o mundo
e, por descontente, na incompletude em si, alimenta uma infinda busca. Enigmático,
misterioso, incompreensível: eis o poeta! Por isso só devia proferir uma
opinião sobre ele, outro ser de mesmo naipe. O ipueirense Gerardo Mello Mourão,
apropriadamente adotado como crateuense, a priori, já profetizando ser Patrono
da Cadeira 22 da Academia de Letras de Crateús, assim definiu seu afilhado: ”...
risca, riscaste, riscará roteiros de pássaros no ar... Os tempos ouvem,
ouviram, ouvirão os passos de pedras que pisam, pisaram , pisarão rosas, lírios
e jasmins ... Piloto de naufrágios, governador dos tempos, tetrarca dos milênios,
tabelião das eras, só os dias e as noites te conhecem, sabem o teu nome e
nenhum outro nome.” Sem ser da mesma categoria dos eleitos, ouso enunciar este
nome: Antônio Dideus Pereira Sales, o Poeta Andarilho.
As teorias literárias são
cientes : quem melhor capta a poesia do ar, das paisagens, das cores e dos sons
são as crianças. Pouquíssimos meninos têm a felicidade de crescer sem perder o
dom de ver, sentir e vibrar com as emoções da vida, para depois desenhá-las com
os pinceis das palavras.
Dideus preservou esse
privilégio, desde que andava com uma baladeira dependurada no pescoço pelas matas
secas da Várzea do Canto, no município de Independência, atirando em
desprevenidos passarinhos, correndo em cima de um cavalinho de pau, com os
bolsos cheios de bilas, para mais tarde brincar com outros molecotes no
Distrito de Tranqueiras.
O Senhor José Pereira, ao resolver
morar na cidade de Crateús, traz umas vaquinhas para ajudar no sustento da
numerosa família. E o menino-poeta teve que aprender as rijezas do labor bem antes
de maturar os artifícios poéticos do louvor. Com uma cesta na cabeça sai, ainda
de madrugada, vendendo pães pelas ruas da cidade, e quando não é com um isopor
oferecendo picolés para aliviar o calor dos transeuntes no burburinho do centro
comercial. Já estava bem adiantado no colégio quando, com uma caderneta na mão,
angariava uns trocadinhos com o jogo do bicho e dando palpite para o viciado
cidadão, que arriscasse na dezena do carneiro, pois o mesmo havia tido um sonho,
brigara com o vizinho resmungão.
Quando fazia o curso de contabilidade, na
Escola de Comércio, o irreverente professor Dedé Loiola lança um desafio.
Escreve um probleminha de matemática no quadro e propõe: Quem resolver esta
complicada questão, ganha um dez na próxima prova, mas se errar tem um zero,
bem redondinho, no boletim. Dideus olha para um assustado colega e diz: - Eu vou
arriscar um olho! E responde. Acerta na bucha, garantindo o dez na ciência dos
números, mesmo tendo o pendor acentuado para fino artífice das palavras, e por
isso graduou-se em Letras pela Faculdade do Vale do Jaguaribe.
O oficio de poeta foi
estimulado pelo cunhado, poeta Hernandes Pereira, que o leva para ser
apresentador de um programa sertanejo “Quando as Violas se encontram”, na Radio
Educadora, e o Embaixador do Sertão balançava um chocalho estridente para
começar o programa. Da recitação dos belos poemas, das cantorias de viola
nordestinas e da contação dos causos engraçados tornou-se um fino mestre na
arte lírica do sertão.
Geraldo Mello Mourão já o profetizara, então teve
que riscar os roteiros de pássaros como ave de arribação, levando a sequidão nordestina
para conhecimento do mundo, pela única maneira que sabia explicar as coisas, a
poesia, e do velho patuá de menino escapam os gritos de alerta: “ No Sertão
ressequido sem pastagem / não se ouve o trinar de um passarinho...”
O tempo, que tudo ouve, tudo revela
e tudo realiza, confirma o filho de dona Cordeira, o vendedor de picolé, a se
transformar no radialista, no folclorista, no produtor cultural e no poeta telúrico
que assim cantou o chão onde está enfincada a sua raiz, um hino de amor à
Crateús: “Eu conheço o teu intimo, tua senda, / teus detalhes, teu chão, tua
poeira, / o silêncio, o reclamo e cada lenda, / despejada no colo da
ribeira...”
A Academia de Letras de
Crateús tem a honra de guardar um tesouro em imagens, uma copia de um vídeo em
que o Dideus Sales trás o poeta de Assaré para receber o título de cidadão
crateuense, como parte da programão dos inúmeros Festivais de Violeiros que
promoveu na cidade. É emocionante ver o velho Patativa sendo levado pela mão do
poeta andarilho, como um filho conduz a um pai.
Honrarias não lhe faltaram
nesta vida corrida, a prateleira da memória já está repleta, fora as que estão
reservadas na morada do deus Pan: cidadão crateuense, tauaense, aracatiense. Magnífico
Trovador e Comendador da Cultura popular pela Ordem Brasileira dos Poetas da
Literatura de Cordel – em Salvador, Troféu Centenário, outorgado pelo programa
Gonzagão da Rádio Cidade, do radialista Pedro Sampaio, Comenda pelo Dia Literatura
Cearense pela Assembleia Legislativa do estado do Ceará. É membro da União
Brasileira de Escritores (SP), Casa do Poeta Lampião de Gás (SP), União
Brasileira de Trovadores (RJ), Academia de letras de Crateús, Academia Camocinense
de Letras, Academia Tauaense de Letras, Academia Metropolitana de Letras de
Fortaleza e por ai vai...
E hoje, nem só os dias, e as
noites, sabem o teu nome. O Brasil inteiro sabe e se alegra ao ler os versos
sublimes e espontâneos que representam, legitimamente, a nossa cultura popular.
Se membro da arcádia máxima da literatura do sertão, a Academia Brasileira de
Literatura de Cordel, não é para qualquer mortal não, mas ele não se vangloria
disso: “... escultor de versos simples / sem pedantismo e laurel / para
afugentar martírios / os meus poemas são lírios / orvalhados no vergel”.
Contemplei, com esses olhos de
apreciar poetas, a uma espetacular aula sobre versos e rimas, ministrada
por Dideus aos alunos de um colégio crateuense, no apertado salão da Academia
de letras de Crateús. E com certeza o poeta Geraldo Mello Mourão viu, como eu
vi, a poesia resplandecer no ar e despertar poetinhas adormecidos.
Ouvi, com minha audição de atentar
harmonias, os mais belos versos do poeta Dideus musicado pelo duende Genildo Costa,
entoado no templo sagrado da AlC: “ A Canção da Liberdade eu aprendi com os
passarinhos e a estrada dos sonhos tem muitas pedras e espinhos...” E Vi, de
relance, no umbral da porta uma avezinha sorrindo em confirmação. Achei aquele
pequeno pássaro, bem parecido com o poeta Geraldo Mello Mourão!
Raimundo Cândido
Vai, ave arribadora,
ResponderExcluire leva contigo o pólen do amor
para fecundar aqueles ermos ávidos de vida,
onde habita a solidão de espíritos carentes.