O time das palavras disputa
uma partida. Ao apito da Sintaxe, árbitro da contenda, começa o embate no campo
da linguagem. Eis a narrativa do jogo: “O verbo, volante-regente, passa a bola
(Ideia cilíndrica!) ao hábil pronome que aplica um finge-que-vai-e-vai, no
enigmático adversário. O adjetivo, eficaz bailarino, domina a esfera arisca e traça
oponentes, entregando o artefato vivo ao oportunista substantivo, um centroavante
rompedor, e pimba na gorduchinha, a pelota vai esticar o filó de náilon, num
belíssimo gol de letra”.
Divirto-me com as distintas palavras
batendo bola, porque nunca aprendi a brincar, decentemente, com a arte mágica
do futebol. Mas a pelota enfeitiça-me, como me encantam as palavras concentradas
nos dicionários, para os incansáveis jogos do dia- a- dia.
Ainda retinem nos tímpanos a
ovação entusiástica de três mil torcedores, para a Seleção de Futsal de Crateús
dentro do Ginásio Deromir Melo, no dia 12 de Abril de 2014. O jogo era na final
da Copa Brasil, entre a Seleção crateuense e o fortíssimo time do Krona/Joinville
(SC), 4 x 4 e já na prorrogação, quando, no último segundo, o nosso goleiro Lambão arremessa a gorducha
numa incrível curva geométrica que vai esticar o filó de náilon na trave
adversaria. Decide a partida, garantido ao time de Crateús o direito de
representar o Brasil no Sul-Americano de Futsal, onde a COMEBOL reúne os
melhores times da América do Sul! A disputa acirrada foi um grande sufoco para todos
aqueles ribeirinhos corações!
Vendo aquela aguerrida seleção,
mesmo com alegria estampada nos olhos, deu-me uma tristeza na alma. Um escrete
que era, quase na totalidade, formado por Pratas de fora. Por pouco não havia
sangue da terra correndo nas veias daquela canarinha, como tantas vezes senti
vibrar nas seleções que tinham por base o dream team do Palmeiras, do Dr.
Almir, e o imbatível União de Deromir Melo. Os talentos de casa: Chico Rufino, Ferrin, Marconi,
Edir Pinto, Wagner, Ivan, Coloca, Coan, Chôcho, Manurrim, Antônio Henrique, Zé
Puim, Sebastião Rufino, Pombinha, Lacuxia e tantos outros que jogavam por amor à
amarelinha, nos presenteavam com a fina arte do futebol de salão, na Ribeira do
Poti.
Tive o privilégio de assistir a
uma disputa entre dois gigantes do futsal brasileiro: O mago Manurrim de Crateús e o excepcional Ferreirinha do time
do Ipu. Das mãos de Chico Rufino a bola chega rápida e rasteira no bico do Bamba
de Manurrim e toma um impulso mágico para cobrir o primeiro incauto, a esfera nem
quica no chão e é direcionada a um novo chapéu no segundo afoito ipuense. Pelé
se vangloria de um gol assim! Mas o ala crateuense não era fominha, tinha por
missão servir aos companheiros melhores colocados, para que realizassem o gol. Ouvíamos
os gritos desesperados dos torcedores: – Chuuuta, Manurrim!!! O que fazer? Ele
nasceu para a magia do drible e ser um eficiente garçom nas quadras!
Desde criança que, com a pelota
nos pés, era um exibido malabarista. Nos rachas do entardecer, pelos terrenos
baldios da cidade, a primeira providência era formar os times. Depois da
disputa de um par ou ímpar, o jogador vencedor escolhia o melhor atleta: – Eu
tiro aquele que está com as mãos nos rins. E apontava para um garotinho
franzino que se pensava nem poder com a bola. – Quem? O outro perguntava. – Aquele
menino com a mão no rim, ali!!! O apelido pegou. Ficou sendo Manurrim, o
galinho da Ribeira do Poti, para lembrar outra criança raquítica que também
despontava lá para o lado da Cidade Maravilhosa.
A fama do craque, de Antônio
Vieira Amâncio, rápido cresceu. Todos queriam ter o Manurrim no seu time. Ele
jogou futebol de campo pelo Fortaleza e pelos Urubus, um time todo de preto que
foi o protótipo do imbatível União. No invicto Palmeiras foi sempre a alma do
time. Um dos clássicos da cidade era o duelo de futsal entre o time dos estudantes,
que chegavam de férias da capital, e o todo poderoso time do 4º BEC, em plena
ditadura militar, 1966. Os Estudantes, comandados pelo futuro deputado Antônio
dos Santos, levavam o Manurrim como arma principal. Era um perigo ganhar dos
militares, numa época de incerteza como aquela. O jogo estava 4 x 3 para o
Batalhão, quando Manurrim resolve driblar todos os soldados e empata o jogo. A
torcida, inflamada por Deglaucir, passa dos limites na comemoração. O Comandante
do Batalhão só deixa o povo sair depois de passar uma lição de moral em todos,
pois os torcedores haviam abusado da hospitalidade no quartel. Soube-se depois
que não foi a alegria dos torcedores que irritou os militares, foi a humilhação
imposta pelos dribles de Manurrim, em cima da soldadesca.
Era um jogador difícil de
marcar. Raciocínio rápido. Raça. Construía e destruía jogadas num piscar de
olhos. Antecipação tremenda, quando
perdia a bola, logo recuperava dando um carrinho, sem faltas e trazia a bola de
volta para o seu domínio. Usava
da malandragem, ao ver o goleiro adversário muito aperreado, pedia a bola: Dá! Veloz como um beija-flor passeando num jardim,
driblando para a esquerda, para direita, por cima e por baixo!
Um crateuense que jogou no
mesmo nível dos grandes medalhões do futsal brasileiro: Manoel Tobias, Leonel,
Branquinho, Falcão...
No final do Intermunicipal de
1972, na cidade de Orós, começamos o jogo perdendo: 1 x 0. Pombinha iguala o
placar e jogávamos pelo empate. Uma falta a nosso favor, quase na linha da
área. Manurrim prepara-se para a cobrança, mas fica de costa para a baliza, do
lado da bola. O arqueiro corre para ajudar fechar a barreira, pressentindo um
foguete disparado com a manhosa rolando para trás, para algum crateuense bater.
Que nada! Um duende tem sempre mil artimanhas preparada para a calada das horas.
Ele só vira o pé num ângulo de 90° e o bico do tênis toca no ânimo da pesada
bola que sobe como uma nambu assustada, levantando voo. Cobre a barreira e
passa pelo boquiaberto goleiro que não acredita na impossível trajetória da cobrança
de falta de Manurrim. Viramos o jogo e, mesmo ocorrendo empate novamente,
Crateús sagrou-se campeão. Neste feliz dia, Manurrim recebeu das mãos do
Governador Virgílio Távora a medalha de melhor jogador de Futsal do Estado do
Ceará.
Numa época em que não se valorizavam
os talentos do futebol, como se consideram nos dias de hoje, Manurrim foi
levado para jogar em Belo Horizonte, onde passou um ano na equipe de futebol de
salão da Mendes Junior. E, quando vejo o
cidadão Antônio Vieira, pelas esquinas em bate papo alegre com os amigos, lembro-me
daqueles grandes talentos crateuenses que faziam do esporte uma obra de arte,
para alegria dos que só sabem bater bola com as palavras, na quadra branca da
folha de papel. E sei que, nenhum adjetivo bailarino do meu pobre vocabulário
chegará à altura do mágico menino com as mãos nos rins, esperando a bola chegar
aos seus pés. Ouça, Manurrim, o verbo, o adjetivo, o substantivo, e todas as
palavras da língua portuguesa, te elogiam pelo que você significou e representa
para futsal crateuense. Oh, Galinho da Ribeira do Poti!
Raimundo Cândido
Eis ai gênero literário na crônica esportiva
ResponderExcluir“para alegria dos que só sabem bater bola com as palavras,
na quadra branca da folha de papel”.