Da cachoeira da Lembrada, na Floresta
Pétrea do Cânion do Rio Poti, vertia um filete tão reduzido, mas tão minguado que
me fez imaginar de como seria o espetáculo daquela queda d’água com o Rio dos
Camarões em seus dias de grandes cheias. Não foi bem uma decepção, pois fiquei extasiado
com a visão dos colossais paredões de 60 metros de altura, numa gigantesca garganta
que há milhares de anos vem sendo esculpida em rochas graníticas. E, meio desapontado,
fiz uma promessa ao meu eu aventureiro:
“Iria conhecer a maior cachoeira do Brasil na Chapada Diamantina, a grandiosa
Fumaça, tão logo tivesse uma oportunidade.” Seria uma espécie compensação pela
desilusão sofrida.
Quando falei deste compromisso
para minha companheira de aventuras e vida, os seus olhos brilharam numa
conclusão decisiva: “- A nossa ventura é controlada pelas circunstâncias, e não
vamos deixar passar essa oportunidade. Vamos à Bahia, sim!” Penso que ela já tinha
tramado a promessa e bem antes de mim. Esperta, essa Isabelle Saraiva!
Partimos! Mal chegávamos à rodoviária de Santo
Antônio de Jesus, na Bahia, soube que tinha que ir primeiro para a cidade de Itaberaba,
a 153 km de distância, e de lá percorrer mais 142 km até chegar à turística
cidade de Lençóis, o portal de entrada para o Parque Nacional da Chapada
Diamantina. Eu pensei que seria tudo mais fácil! A vendedora de passagens foi logo me avisando:
- O último ônibus da Viação Camurujipe, para Itaberaba, parte agora! Quis
desistir, mas um impulso fez com que entrasse no ônibus. Na viagem, eu tive a
impressão de ter embarcado no poeirão do Seu Zé Padre, rumo ao Distrito de
Assis. Isabelle ficou em Santo Antônio
para resolver uns probleminhas familiares, como já era de meu conhecimento.
Em Lençóis um guia foi logo me
esclarecendo acerca das pousadas com preços “módicos” e sobre a longa trilha
para a Cachoeira da Fumaça. Eu tinha que entrar num grupo de aventureiros e
percorrer, numa Van da Associação dos guias, uns 50 km até o pé do morro, numa
depressão alongada chamada Vale do Capão. Marcamos a saída para o dia seguinte,
bem cedo.
Aproveitei e fui conhecer a
exuberante vida noturna de Lençóis, num desassossego sossegado de boêmia culta.
Mesas espalhadas pelas estreitas ruas, turistas dos quatro cantos do mundo e de
vez em quando passava um duende flautista soprando uma doce sonoridade para
enternecer a lua, que tanto alumiou as trilhas para os garimpeiros na época da
corrida do diamante. Lençóis foi considerada a Capital das Lavras e a terra do
Coronel Horácio de Matos, o maior potentado das Lavras Diamantíferas, que
comandava um enorme bando de jagunços, chagando a assustar o Governo Federal e
a própria Coluna Prestes.
Acordei cedo e descobri que às
7 da manhã ainda é madrugada em Lençóis. A Van chegou às 8 horas, embarquei e
fomos pegar o restante dos aventureiros: americanos, franceses e alemães. Da
terrinha tupiniquim só tinha eu, os dois guias e a namorada tagarela de um
alemão. Pelo caminho ouvi o alemão falar: “-Das Brasilien ist das sehr Mutter
Natur.” A namorada, como um tradutor online, converteu: - Sim, o Brasil é própria
mãe natureza!
Imediatamente lembrei-me dos 7
x 1 na Copa da Corrupção e completei a frase: - Sim, é a mãe natureza e, também,
a mãe dos alemães! Mentalmente, claro. O alemão parecia a porta de um armário! Chegamos
à cidade de Palmeiras, onde as valorosas pedras de diamantes passaram
contrabandeadas pelos tropeiros, para apaziguar a ganância dos europeus. A
exploração diamantífera deixou um prejuízo enorme ao meio ambiente e, hoje, só
resta o ecoturismo para salvar a imensa Chapada. Vi um triste idoso, sentado numa
cadeira na calçada, na certa ele participou do apogeu das jazidas, e da sua decadência
também, quando se findou o último veio.
Contam que, das valiosas
pedras, nem com um leve brilho ilusório o Brasil ficou. Sugado, explorado desde
os tempos Coloniais e continuamos na mesma atrapalhação, no mesmo desastre. Roubaram,
roubam e ficamos como aquele senhor palmeirense, na calçada do tempo, a
recordar um passado de glória. Oh, sina triste!
Chegamos ao ponto de apoio da
Associação dos Condutores de Visitantes à Cachoeira da Fumaça. Normas e regras
esclarecidas, partimos em fila indiana. Antes, avisaram: os dois primeiros
quilômetros de rampa são pesados, os 4 km restantes são num platô quase plano.
Não atinei para a palavra “pesado” do instrutor, mas via a imensidão mágica da
Serra do Sincorá, ostentosamente íngreme na minha frente.
Escalados os primeiros 500
metros e o fôlego começou a falhar, o coração a disparar, as pernas a reclamar
da falta de energia. Confesso: foi a minha via dolorosa ir ao topo da Chapada
Diamantina. Na subida, eu sucumbi três vezes e três vezes revelações eu discerni.
Na 1º queda: — Que estou fazendo aqui, meu Deus? Só um longo silêncio, de
volta, eu ouvi. No 2º tombo: — Não
aguento mais, eu vou desistir! Inexplicavelmente resolvi resistir e segui
avante. Na terceira vez que caí, o último guia perguntou-me: — A máquina está
ruim, meu velho? Lembrei-me do motor do Del
Rey que possuía e que, quase na minha idade (57), não respeitava subida
íngreme. Levantei-me e parti, lento como uma tartaruga, mas venci!
No platô, olhando o amplo Vale
do Capão, estendido lá embaixo, entendi o porquê de as procissões, de calvários,
bem vencidas, despertarem “algo sagrado” existente nas trilhas da gente.
Caminhamos o restante da
sinuosa vereda folgados e contemplando a beleza da mistura de Caatinga com
Serrado no clima agradável da montanha. O alemão apontou os dois dedos
indicadores para o rosto e gritou: - Wind!!! – Wind!!! A babylon tradutora trabalhou:
- Sim, é o vento fresco! Para mim, ficou meio ambíguo o que ela disse.
Alguém ouviu o barulho de água
caindo. Apurei a audição e ouvi o belíssimo canto da cachoeira que foi se
intensificando à medida que chegávamos mais perto.
Avistamos um sovaco de serra
de uns 400 metros de profundidade com o Vale do Paty, lá embaixo. Tinha um
bloco extenso de pedra se sobressaindo no precipício e arrastamo-nos sobre ele,
para colocar a cabeça para fora e ver a Cachoeira da Fumaça, por cima. O imenso
vazio abaixo do bloco pétreo e o espetáculo do rio despencando de uma abertura
no paredão disparou a adrenalina no corpo e um medo, que nunca sentira, na minha
alma.
A Cachoeira da Fumaça dançava
ao desejo do vento que remoinha entre os paredões fazendo com que o volumoso rio
sublimasse, em gotículas dispersas no ar, chegando a molhar nosso rosto. É uma
maravilha indescritível para meras palavras, só estampada no olhar podemos
sentir essa magnífica obra divina. Caminhamos para outro ponto de observação e
contemplamos, quase de frente, os 340 metros da cachoeira e mesmo calados,
extasiados e embevecidos, oramos na presença daquele templo sagrado.
Olhava para a maior queda
d’água do Brasil e me recordava da Cachoeira da Lembrada, raquítica e
desnutrida nos Sertões de Cratheús, e rogava para que, ao visita-la novamente, as
circunstâncias sejam outras e aquele filete finíssimo de água tenha se
avolumado o suficiente para fazer me recordar da maravilhosa Cachoeira da
Fumaça.
Espiritualmente ainda estou
lá, no topo do imenso paredão da Serra do Sincorá, comtemplando, embevecido, o
resplendor da maravilhosa Cachoeira da Fumaça.
Raimundo Cândido
O que a Mãe Natureza nos proporciona?
ResponderExcluirPaisagens dantescas, esculpidas por um cinzel divino
e coloridas por reflexos de tão variados matizes!