Existe uma antiga versão de
que os caminhoneiros eram pessoas desatinadas, que passavam dias perambulando pelos
caminhos, num vai e vem sem rumo, num vem e vai sem norte acompanhando as
velhas carroças que passavam. Esses caminhantes emprestaram o apelido aos
primeiros motoristas de caminhão. Desde que surgiu, e se aperfeiçoou, após a 1ª
Guerra Mundial, o caminhão tem encantado e atraído jovens para a dura profissão,
atividade nada fácil que deu motivo à série de TV: Carga Pesada. O oficio é tão
pesado que precisa de um Santo para protegê-lo. Um hercúleo, agigantado, que
atravessava as pessoas num rio perigoso. Um dia, transpunha certo menino e
sentia que, a cada passo que dava, o mesmo ficava mais pesado. Ao acabar a
travessia, exclamou: - Parece que acabo de atravessar o peso do mundo! Ao que o
menino confirmou: - Sim, você acaba de atravessar o Criador e Redentor do
Mundo! Era São Cristóvão, “aquele que carrega Cristo”, que agora ajuda aos motoristas
de caminhão em suas missões, contra o transitório tempo, com seus fretes
pesados.
Em Cratheús, na primeira
metade do século XX, os caminhões foram chegando, devagarzinho, com uma
manivela como motor de arranque. Eram os carros da Empresa Flanklin (Ceará
Transporte) que em cada para-choque se estampava um nome particular: Leão do
Norte, Cidade Maravilhosa ou o Campeão do Nordeste.
O jovem Manoel de Sousa Melo
foi seduzido pela profissão de caminhoneiro e bem cedo. Ao retornar, com o pai,
de uma viagem ao Piauí, Manelinho tira a carteira de motorista e passa a trabalhar
para os comerciantes crateuenses que tinham caminhões: O Sr. Raimundo Resende,
Sr. Antônio Bezerra do Nascimento e na Empresa Moreira & Camerino de Zequinha
Moreira e José de Oliveira Camerino, levando oiticica e mamona para os armazéns
da Brasil Oiticica e da CIDAL, em Fortaleza.
Ganha tanta fama como bom
motorista que foi escolhido, em 1953, para conduzir o carro andor que
transportou a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima, do velho campo de
aviação até a Igreja da Matriz. Seguiam, ao jipe
de Manelinho, uma multidão de carros, de motocicletas, bicicletas e de pedestres. Houve uma revoada de pássaros e um intenso foguetório até o momento em que avisaram que a imagem passaria pouquíssimo tempo na cidade, fato que revoltou o povo e as autoridades presentes exigiram um pernoite de N. Senhora. Foi uma festa apoteótica, essa que “prendeu” a Santa!
Manelinho já possuía o próprio
caminhão quando Juscelino Kubistchek decidiu construir Brasília. O imenso
canteiro de obras necessitava de trabalhadores, urgentemente. Nas várias
viagens que realizou no caminhão adaptado, o Pau-de-Arara, Manelinho levava 60
futuros construtores da nova capital, com suas latas de farofa, algumas
rapaduras como alimento nos fatigados dias do longo percurso, para chegar ao
formigamento de máquinas e gente, com o Presidente Nonô caminhando entre os
candangos.
O caminhãozinho trabalhou
tanto, mas tanto, rumo à Brasília, que depois só serviu para transportar água
do Açude do Governo, na malvada seca de 1958. Cratheús não tinha água encanada,
e o agora carro-pipa de Manelinho enchia o tanque de refrigeração do Motor da
Luz, no barrocão, aos cuidados do Sr. José Benoni e também completava a velha caixa
do Posto Esso. Por toda a Rua Cel. Giló ele ia parando e quatro homens, com
duas latas nas mãos, vendiam uma água “boa danada” nas casas para, por fim, no
final da rua, encher o pipa de madeira do Irismar, com dois mil litros, onde o
mesmo colocava uma lata de álcool puro e batizava com umas bisnagas de Jofrina, para aumentar a acidez e disfarçar um gosto aguado. Os biriteiros
engoliam o venenoso, em sequiosos tragos, e diziam: - Oh, Lagoa do Barro boa!
A viagem, que o caminhoneiro
recorda com certo carinho, foi de quando foi buscar o 1º Bispo que havia sido
nomeado por Roma, para Cratheús, Dom Fragoso, na cidade de Senador Pompeu, onde
o sacerdote já aguardava, com sua família. Era um domingo bem claro, o 9 de agosto de
1964.
O Pe. Bonfim insistiu, o
motorista tinha que ser o senhor Manelinho: - Eu só confio nele, que dirige com
muito cuidado e bem devagarzinho!
Foram duas “Rurais” cedidas
por José Cardoso Rosa e Manoel Sales Filho. Acompanhou, também, a comitiva o
irmão do Pe. Bonfim, o Senhor Raimundo Moreira do Bonfim.
Uma comissão do 4º BEC foi
recepcioná-lo na cidade de Independência. Nunca se viu festa maior na região, o
piloto José Rosa Filho soltava flores de um avião sobre a Rural conduzida por Manelinho.
Foi um cortejo pomposo até a Praça da
Matriz. E o povo só não imaginava que, o Bispo que chegava, era um cidadão mais
ligado às causas sociais do que as pompas que lhes preparavam a sociedade
crateuense e que iria enfrentar, de peito aberto, uma terrível e covarde fera
chamada Ditadura Militar.
De todos os eventos históricos
em que o motorista Manelinho participou, o que mais abateu a sua serenidade
característica, foi a notícia do assassinato de seu sogro na cidade de
Ipaporanga, em 1988. Na madrugada, batem
à porta do candidato a prefeito Gonçalinho de Paula, era alguém necessitando de
ajuda para levar uma mulher, que estava em serviço de parto, para o hospital,
coisas que ele não sabia negar. Um crime premeditado pela oposição desesperada por
saber perdida a eleição. E o corpo de Seu Gonçalinho fica estendido no chão da
calçada por uma bala traiçoeira. O trajeto entre Crateús e a antiga Águas Bela,
que ele sempre fazia com muita alegria, na companhia da esposa Luzanira, foi
feito com um pesar imenso, que nem São Cristovão, o seu protetor, poderia
suportar.
Hoje, quando passamos à
tardinha pela Rua Carlos Rolim 236, vemos Seu Manelinho, e a esposa, sentados
nas cadeiras sobre a calçada, e temos a impressão que um caminhoneiro guia seu
velho caminhão, rumo a um destino que ele sabe o caminho de cor, mas percebemos
que, como Monsenhor Bonfim predizia, não há a mínima pressa de chegar.
Raimundo Cândido
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