O Sertão de Cratheús foi construído
como uma fabulosa epopeia, em longos e venturosos dias e outros tantos não tão
esperançosos assim, de quando as secas cruéis abafavam a vida pelos povoados e,
principalmente, pelo campo desamparado, parecendo não ter mais fim. O
diferencial de tudo isso sempre foi o homem, foi o sertanejo de fibra que
soube, com determinação e arrojo, e contra todas as vicissitudes impostas, enfincar
o pé no chão, laborando, no seio da Caatinga, o pasto para o gado, o campo para
aragem, um curral e um digníssimo lar.
As famílias, que vieram de
Portugal, foram ocupando as terras cearenses, passando de geração em geração, num
trabalho incansável, iam produzindo e fazendo o sertão crescer. Às vezes as
terras mudavam de dono, como as do Bom Jesus, no Distrito de Irapuá. A
localidade de Bom Jesus, onde corre o Riacho Fechado, que desemborca no Rio
Tourão, pertenceu a José de Barros Melo, de Pelo Sinal, hoje, cidade de
Independência. José de Barros tramou,
com o famoso cangaceiro Vicente Lopes da Caminhadeira, a execução de um dos Mourões,
em plena festa de Natal, na Matriz da Serra dos Cocos, em ipueiras, mas isso é
outra longa história. Bom Jesus passou para o Capitão José Francisco de Macedo,
um importante ascendente do Pe. Macedo de Cratheús, até chegar às mãos do
Coronel Antônio Machado, no início do Século XX. A família Machado é uma das mais antigas de
Portugal, da Casa dos Condes de Figueira, entre os Rios Douro e o Tejo, e que
povoou o Nordeste Brasileiro. Pelo trabalho incansável, os Machados ganharam o
apelido de “Rabo de Couro”, pois, fosse dia ou fosse noite, não tinham hora de
parar uma faina, por mais dura que fosse.
O Cel. Antônio Machado, legítimo
Rabo de Couro, dono de um mundo de terra e de centenas de cabeças de gado ainda
morava numa taipa, por isso resolveu fazer uma casa, digo, um enorme casarão.
Quem vê o sobradão, em Riacho Fechado, não acredita que em 1914 existiu arrojo
para se construir aquilo, sem um pingo de concreto armado. Tijolos de 20 kg,
assentados em resistente cal batido com casca de ovos, paredes da largura de um
touro, linhas de aroeiras cortadas de árvores centenárias, uma alta escadaria em
madeira trabalhada que leva a um belíssimo sótão e uma enorme mesa, de uns dez
metros de comprimento, construída no próprio local e que nunca sairá, inteira,
de lá.
O Coronel casou-se com três
irmãs, as duas primeiras morreram, quando foi pedir a mão da outra, a Dona
Francisca, o pai das meninas ficou assim meio receoso, mas cedeu: - Está bem
coronel, eu lhe dou a mão de minha terceira filha! Mas essa é a última,
em? O rico fazendeiro andava sempre com
um chiqueirador de relho cru na mão, para se fazer obedecer. Era a época em que
se compravam títulos à Guarda Nacional e em consequência se adquiria um grande
poder. Época dos votos de cabresto e o coronel dizia: “Quem come do meu pirão,
prova do meu cinturão!” Só aceitava mulheres mexendo na cozinha e quando
gritavam: - Coronel, a comida está posta na mesa! Ai autorizava a um batalhão de
gente, filhos, perfilhados e convidados a sentarem-se à mesa.
Acima de tudo, era uma boa
alma, penalizava-se dos necessitados e auxiliava, indistintamente, quem lhe
pedisse ajuda. Na seca do 15, os retirantes que passaram pelo terreiro da
Fazenda Riacho fechado, enchiam a pança e ainda levavam víveres, rapadura e
farinha, para impulsionar a longa e sofrida caminhada. Uma família com crianças,
que rumava ao maranhão, ganhou até uma jumentinha para o leite dos meninos.
Em janeiro de 1926 a cidade de
Cratheús viveu dias de sobressaltos, as pessoas estavam alvoroçadas, inquietas,
com muito medo, pois surgiu a notícia de que os “Revoltosos”, da coluna
Prestes, iriam passar pela cidade que já se preparava para recebê-los, e à
bala! Muitos fugiram para as fazendas, um trem partiu na madrugada, lotado de
crateuenses, mas teve que retornar de marcha ré, pois os dormentes da linha férrea
tinham sido arrancados, e muitos ganharam
o mato, sem rumo. No Riacho Fechado, o fazendeiro Antônio Machado estava
tranquilo, tinha um poder dado pelo título de coronel da Guarda Nacional, e
montou uma tropa de 68 soldados, cada um com um papo-amarelo e munição
suficiente para fazer uma guerra de dias, protegendo o Casarão dos Machados que
já estava lotado de parentes e aderentes. Dizem que a Coluna teve sorte, pois
passou bem longe do Casarão do Riacho Fechado.
No ano de 1929 o açude do
Riacho Fechado estava seco, esturricando. A água, para os bichos brutos, era
tirada de um cacimbão que já estava se esgotando, o gado morrendo e o fazendeiro
se viu aperreado. E, no desespero, o coronel disse que ia comprar chuva, ou de
Padre Cícero, ou de São Moises, que é o padroeiro das águas. Numa tarde de
dezembro, apareceu uma nuvem carregada no nascente: - É aquela ali! Afirmou o
Coronel. E se não vier logo eu vou puxar é com um cambito! Foi uma chuva bem localizada,
oito horas sem parar, ouve um dilúvio no Riacho Fechado que o Rio do Tourão
transbordou como nunca. O açude arrombou. Contam que os bichos, do topete dos
bezerros para baixo, a enxurrada arrastou tudo. E quando serenou, viram
cadáveres de criações dependuradas nas copas das árvores e esqueletos de
animais nas moitas. O prejuízo na fazenda Riacho Fechado foi incalculável. As
águas do Tourão desceram pelo leito do Rio Poti, assustando os ribeirinhos,
levando as roupas que estavam nos quaradores.
Houve época desesperadora no
sertão de Cratheús, até para o fazendeiro Antônio Machado da Ponte, como na
grande seca de 32, quando ele mandou chamar a todos os moradores para um jantar
no calçadão da fazenda, que estava lotado, e no final ele avisa: - Sim, eu
mandei vocês virem até aqui para dizer que, estão dispensados dos serviços da
fazenda. Não tenho mais condições de mantê-los, não! Procurem um meio de
escapar, aconselho até a irem trabalhar na frente de serviços da linha férrea da
Ibiapaba. Nesta noite o coronel não
dormiu, se revirava de um lado para outro, na cama. Na madrugada ainda, manda o
mesmo negro, chamar a todos novamente, e agora para o café da manhã. Notaram uma
incontida alegria e um brilho esperançoso nos olhos do coronel enquanto falava:
- Desculpem, meus amigos, eu me arrependi! Vocês não vão embora mais não! Se
tivermos que passar necessidade, será todo mundo junto. Olhou pra uma frase bíblica
estampada no oitão da fazenda e, com reverência, rogou: Que Deus nos proteja!
O Coronel Antônio Machado foi
um homem riquíssimo, além das terras e dos animais, possuía muito cobre, muita prata
e muito ouro. Era um costume, na época, enterrar essas riquezas em baús
revestidos de chapas de metal e muito bem escondido. E, quando o coronel se
foi, deixou mistérios no chão do Casarão do Riacho Fechado. Num dos quartos só
vê marcas corrosivas de muito sal vindo do mais profundo chão. Será que o
coronel, como bom rabo de couro que foi, só deixou sal enterrado por ali, como
símbolo da maior riqueza do homem: O sal do suor no labor das dignas fortunas ou
o sal das lágrimas escorrendo pelo rosto na luta pela vida, o sal que dignifica
o homem! Será?
Raimundo Cândido
Não tem preço que pague
ResponderExcluiro resgate de suas histórias,
elas vão ficar perenes
para as gerações futuras
e valorizadas
como fontes de pesquisas.
Sou fascinada por essas construções antigas ...suas histórias...sem palavras👏👏👏👏
ExcluirMuito legal! Uma informação validosa!!!!!
ResponderExcluirMuito legal. Uma informação valiosa!!!!
ResponderExcluirFantástico, excelente texto me emociona a história dos sertões de Crateús.
ResponderExcluirComentário de Rafa Angelos
Não tem preço saber da nossa história
ResponderExcluirMassa ver essa história da minha familia
ResponderExcluirUma verdadeira aula de história dá nossa região!
ResponderExcluirBom dia amigo Raimundo.Estou sempre lendo seus ricos e preciosos artigos.Sou de Crateús mas resido em Recife há 43 anos.Nao tenho a sua capacidade de escritor mas veja meu blog de viagens www.caminhosdavera.com
ResponderExcluirEstou muito feliz em poder está lendo essa história,eu tenho 21 anos e morei na localidade de riacho fechado e tive o privilégio de conhecer esse casarão,uma obra prima ,na época eu tinha 6 anos e andava muito nesta casa e cm foi dito era um casarão lindo ,histórico.E eu lendo essa história mim fez lembra dos momentos felizes que passei neste local quando eu morava cm minha avó q se chama leoniza que hoje tem 89 anos por ai ñ sei o certo,mais q nasceu é se criou neste local e nunca quis sair de lá,Só saiu mesmo porque foi obrigada pelo fato de sua idade q teve q ir morar cm uma de suas filhas...
ResponderExcluirMuito obg por ter mim feito lembra de minha história ,porque esse casarão faz parte de mim tbm,Obg.
Gostaria de saber quem é o atual proprietário desse casarão e se pode postar mais fotos dele .
ResponderExcluirOla boa tarde! esse casarão hoje pertece ao Marcelo Machado prefeito de Crateús-CE no momento
ExcluirGostei muito bem contata a história, isso mesmo 👏👏
ResponderExcluirAmo ser raba de couro nosso sangue corre na veia com gosto de batalha pela sobrevivência e temos pecerveransa de dias melhores
ResponderExcluirLinda história que eu não conhecia dos primeiros donos
ResponderExcluirSou bisneta de Antonio Machado. Rabo de couro. Meu pai se chamava Antonio Machado Neto, filho de Davi Machado e Raimunda Portela Machado.
ResponderExcluirPARABÉNS PELO TEXTO, FASCINANTE. CURIOSIDADE - RABO DE COURO É REFERÊNCIA A QUAL ANIMAL.
ResponderExcluirBom saber um pouco na minha família materna da minha mãe Antônia Machado, ficou emocionada ao ver isso, estamos em Brasília e daqui tem extensão da família através minha avó Margarida Machado, já falecida e Expedito Machado, também falecido!
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