quinta-feira, 29 de março de 2012


Harley, o Palhaço Cara-Melada

Desde quando a feiticeira Circe, a filha do sol, transformou os companheiros do herói Ulisses em porcos saltitantes, ao desembarcarem nas areias quentes da Ilha de Eana, que já se falava em circo, pois foi quem cedeu o nome a este anfiteatro de delírio e encantamento.
A partir dos monumentais espetáculos de arenas no Circus Maximus, em Roma, onde as multidões se juntavam para assistir as corridas de bigas, os duelos de gladiadores e os estrondosos rugidos de animais selvagens, onde os atônitos espectadores se impressionavam com os engolidores de fogo, foi que se provou que a humanidade necessitava, desesperadamente, de panem et circenses.
Hoje, as organizações teatrais modernas iniciam um espetáculo com um mantra que invoca à deusa da alegria, Eufrosina, a quem chamamos Oxum, para presidir todo evento de diversão e arte: Alegria! Como um raio de vida...  Alegria! Como um palhaço a gritar... Alegria! Como uma faísca de vida brilhando...
Tudo em nome de um sublime e medicinal sorrir, essa fina flor que vai brotando em nosso rosto, regada pelas lágrimas de um refulgente palhaço e que o iluminado poeta um dia sentenciou: Sim, vale a pena sorrir, pois o mundo é um espelho, se sorrires para ele, ele sorrirá pra ti.
Quando os saltimbancos passaram a viajar, de cidade em cidade, levando suas pilhérias cômicas, suas surpreendentes pirofagias, seus inacreditáveis malabarismos e os comoventes teatros, foi que o circo começou a viver os seus dias de glória, capaz de unir crianças e adultos, nobres e plebeus, neste grande momento universal.
Mas o mundo do show business, girava apressadamente, explorando com gulosas pedras mós as performances criadoras e só para lhes arrancar uns cobiçados tostões, numa indústria que visa unicamente o vil metal. O que não sangra como borbulhante lucro, cedo morre. Como o maior espetáculo da Terra, com seus anfiteatros de malabaristas, de contorcionistas, de equilibristas, de mágicos, dos maravilhosos palhaços, este encantador circo, que hoje exala seus últimos suspiros.
Se o circo é alegria, o palhaço é o verdadeiro mágico deste espetáculo, arrancando risos de uma imensa platéia como fizeram os Carequinhas, os Arrelias, os Torresmos, os Piolins e o nosso queridíssimo Cara-Melada, o acrobata da alegria que, mesmo sem mascara no rosto, ainda sorria e seguia mentindo a sua dor...
Naquele remoto dia, o jovem Harley, encantado com um grupo de hippies “paz e amor” que passavam pela cidade, resolveu partir. Deliberadamente abandona os livros no colégio e de lá os segue numa fuga em busca de um tesouro perdido. E como ocorre com os velhos sábios, dentro de si mesmo o encontra: o divertidíssimo Palhaço Cara-Melada!
Quando alguém desperta para um grande sonho e sobre ele lança toda a força de sua alma, até o universo conspira a seu favor, como dizem, e foi o que ocorreu com o amigo Harley que depois de perambular como peão de diversos circos importantes deste imenso País, volta a sua terra natal para montar o Retalho Show Circo, lentamente erguido de pedaços de madeiras, retalhos de lonas, diversos materiais reciclados, mostrando que tudo que é feito de coração a luz do amor o reveste.
O palhaço Cara-Melada, como o eterno Carlitos, foi um comediante nato, espontâneo, de alta criatividade cômica e um imenso repertório clownesco ( Você pensa que eu sou besta? Eu sou muito é otário! O publico delirava com suas tiradas). Quando entrava no picadeiro com uma bicicleta dançante, as crianças davam o primeiro tiro de gargalhadas. Além de artista completo, fazia todos os serviços do circo, desde enfincar as estacas e montar a lona retalhada, até a apresentações de números perigosíssimos, quando uma daquelas vibrantes música, a moda power, preenchia o ar anunciando o “Hércules” para entortar grossos vergalhoes de ferro no peito descoberto e rasgar pratos de ágata nas calejadas mãos de um fino artífice.
 Já o cidadão Francisco Harley, como o Charles Chaplin, era o produtor, o diretor, o humorista, o comediante, o roteirista, o pai e a mãe como ele dizia, um simplório de uma versatilidade e uma naturalidade que chagava a dormir no chão ou dentro de um lenhoso féretro que havia no circo, idêntico ao Zé do Caixão.
Eram duas personalidades fortíssimas, ambas muito talentosas, mas o palhaço Cara-Melada saía facilmente, com água e sabão.
                No relacionamento amoroso também seguiu os passos do gênio do cinema mudo, que dizia: O amor perfeito é a mais bela das frustrações, pois está acima do que se pode exprimir. Muitas mulheres passaram pela vida do Mister Harley e os frutos destes imperfeitos amores, foi brotando, um a um.
Um dia, Harley pede ao Professor Acácio, seu cunhado, um nome artístico para um filho e vem o incomum Sunshine, o brilho do sol ou o palhaço Caramelo, depois o LettheSunshine, deixe o sol brilhar, em seguida StarofTheTime, estrela do tempo e finalmente o Skylight, luz do céu, formando de um simples elenco familiar uma habilidosa trupe de circo.
O vate Fernando Pessoa, além de indispensável poeta(s), tinha lá seus dotes de palhaço, pois quando pronunciou o verso: Tenho em mim todos os sonhos do mundo, se referia também aos palhaços que riem, choram e sonham. E um dos desejos de Cara-Melada era deixar de remendar a lona do circo, já toda retalhada, e dispor de uma lona nova era seu grande sonho. 
Com o Prêmio Funarte/Petrobrás Carequinha de Estímulo ao Circo, o arteiro Harley vislumbrou a felicidade de uma reestréia debaixo de uma nova lona, mas o destino não quis, pois nem sempre a insensata sina está de acordo com nossos méritos.
Às vezes de uma simples banalidade gera-se uma grande fatalidade. Um idiota que surrupiara o filhotinho da baleia, a cachorrinha que só obedecia a comandos em inglês, ainda volta despejando infortúnio no fio da navalha. O poeta Edilson Macedo assim resumiu a tragédia no Último Ato: Harley Harley, o palhaço/ Morreu/ Após ser chicoteado,/ Com uma facada/ No abdômen   //  Na platéia/ O filho Let The Sunshine/ (o palhaço Lengo Lengo)/ Como único/ espectador .
Morrer é somente uma imprevista curva na estrada e na próxima esquina haverá sempre um novo reencontro. Por isso, a família Cara-Melada tem a satisfação de convidá-los para a reestréia do Circo de Retalho, agora num novo show feito um Circo Escola, tão logo chegue a nova lona para confirmar que o que é belo não morre, sempre se transformará em outra beleza e os aplausos atribuídos à trupe de Cara-Meladas abra os nossos corações e os risos a brotarem debaixo da coberta nova, sejam como as estrelas, iluminando a nossa intimidante escuridão.  

Raimundo Candido

José Alberto de Souza disse...

Eta, Grande Cronista do Sertão de Crateús:
De tanto acarinhar - "mundinho, mundinho" - esse crânio privilegiado, Dª. Delite deve ter preparado a sua glândula pineal para que por ali se adentrasse um espírito de luz que o guia e conduz ao pináculo da extrema sabedoria: você está a um passo da genialidade!
João Silas Falcão disse...
Bela crônica, Poeta Raymundinho. Assisti ao vídeo Harley, o Palhaço Cara-Melada. Senti saudades. Muitas. Eu e você fomos amigos de infância do Harley. Crianças, nós percebíamos a desenvoltura jocosa do menino Harley em nossas brincadeiras, como se a Rua da Cruz fosse o seu primeiro picadeiro. Não tenho memórias de tristezas em Harley. Sempre o recordo com seu sorriso ininterrupto. Muitas vezes ficamos à sombra dos fícus vizinho à casa do meu avô Severino Dias, vivendo nosso mundo infantil quando Harley arrematava qualquer assunto com uma “palhaçada”. Um dos últimos momentos de nossa infância foi a inauguração de um “circo” no quintal da casa de dona Estelinha, mãe do Luizito e José Artêmio, que eram do nosso grupo. Advinha de quem foi a ideia do circo? Poeta, esta crônica merece um arquivo especial: o do coração. Parabéns!

3 comentários:

  1. Eta, Grande Cronista do Cariri:
    De tanto acarinhar - "mundinho, mundinho" - esse crânio privilegiado, Dª. Delite deve ter preparado a sua glândula pineal para que por ali se adentrasse um espírito de luz que o guia e conduz ao pináculo da extrema sabedoria: você está a um passo da genialidade!

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  2. Bela crônica, Poeta Raymundinho. Assisti ao vídeo Harley, o Palhaço Cara-Melada. Senti saudades. Muitas. Eu e você fomos amigos de infância do Harley. Crianças, nós percebíamos a desenvoltura jocosa do menino Harley em nossas brincadeiras, como se a Rua da Cruz fosse o seu primeiro picadeiro. Não tenho memórias de tristezas em Harley. Sempre o recordo com seu sorriso ininterrupto. Muitas vezes ficamos à sombra dos fícus vizinho à casa do meu avô Severino Dias, vivendo nosso mundo infantil quando Harley arrematava qualquer assunto com uma “palhaçada”. Um dos últimos momentos de nossa infância foi a inauguração de um “circo” no quintal da casa de dona Estelinha, mãe do Luizito e José Artêmio, que eram do nosso grupo. Advinha de quem foi a ideia do circo? Poeta, esta crônica merece um arquivo especial: o do coração. Parabéns!

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  3. pai nos te amamos!!!
    Mister Harley Harley planta do tempo, paz do mundo a criatura que o mundo esqueceu, te amo muito. ass: Let the Sunchine.
    Hoje e sempre!!!!!!!!!!!

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