Sábado passado, apresentando mais um livro do
poeta Dideus Sales, ensaiei uma resposta sobre a tarefa de um poeta. Relembrei
aquele episódio ocorrido com o poeta Olavo Bilac. O dono de um pequeno
comércio, amigo, abordou-o na rua: - Sr. Bilac, estou precisando vender o meu
sítio, que o senhor tão bem conhece. Poderá redigir o anúncio para o jornal?
Olavo Bilac apanhou um papel e escreveu: "Vende-se uma encantadora
propriedade, onde os pássaros cantam ao amanhecer no extenso arvoredo, cortada
por cristalinas e mareantes águas de um ribeiro. A casa, banhada pelo sol
nascente, oferece a sombra tranquila das tardes, na varanda." Meses depois
se reencontraram. O poeta perguntou se o amigo havia vendido o sítio. - Nem
pense mais nisso, disse o homem. Quando li o anúncio foi que percebi a
maravilha que tinha.
Eis a tarefa de um poeta: revelar a beleza escondida nas coisas, nos lugares e nas pessoas!
Semelhante missão têm aqueles que abraçaram a apaixonante e sacerdotal causa do magistério. Ser educador é deslizar na correnteza da sabedoria, perscrutar talentos, retirar poeira de diamante. Não é entregar a isca e o anzol, mas desenvolver o gosto pela pesca. Não é oferecer a faca e o queijo, mas despertar a vontade de comer. Educar não é lançar, mas extrair, retirar de dentro.
Dos meus tempos de aluno do então “Ginásio Pio XII”, em Crateús, lembro da silhueta de um amante do magistério. Alto e sereno, reservado e narigudo, aristocrático e silencioso. Era inimaginável que aquele corpo esguio escondesse um glutão compulsivo, incorrigível devorador de letras, voraz consumidor de livros. Pois Manoel Melo Cavalcante, nos anos do decênio iniciado em 1970, já havia engolido mais de mil livros. Aprendera com um mestre Taoista que passar três ou quatro dias sem ler causava debilidade nas palavras, fraqueza na memória, deficiência no cérebro.
Hoje, exilado em Fortaleza, revisita as páginas que protagonizou no álbum da própria existência. Recompila o capítulo em que, com asas de sonho, pousou na Capital para estudar no Colégio Cearense. A alimentação irregular, em hotéis e restaurantes, provocou a abertura de uma ferida no estômago e forçou o retorno à terra natal no início da década de 1960.
Foi quando resolveu descer do berço da própria solidão e espalhar sobre o chão de giz o óleo do amor à leitura. Lecionou inicialmente na Escola Técnica de Comércio Padre Juvêncio, onde foi Vice-Diretor de 1968 a 1975.
Em 1976, por influência do Deputado Antonio dos Santos – na época, líder absoluto no município – vira Vice-Prefeito da chapa encabeçada pela primeira mulher a chefiar o Executivo Municipal, Lionete Camerino. Aceitou a missão com a alma fervilhando de projetos. Imaginava que, em algum momento, seria instado a colaborar ativamente no comando da cidade. Aquele mar de sonhos, no entanto, virou um martírio. Se pudesse, eliminaria as páginas que tratam dessa estação...
Após esse período, se deixou embalar pelas ondas do rádio, dirigiu o Colégio Regina Pácis e prestou serviços na Delegacia Regional de Educação. A bandeira da educação empunhou até o dia em que recebeu a carta de aposentadoria.
Atualmente reside em um dos pontos mais altos de Fortaleza, próximo das principais torres de TV da cidade, no cosmopolita bairro Dionísio Torres. Ali, entrega-se a uma tarefa cada vez mais rara: recuperar molduras factuais sob a precisão das datas. Por isso esquadrinha o tabuleiro da história e recompõe a cronologia da ribeira em que nasceu, que pretende exibir em formato de livro.
No mais, nota-se uma invisível trava de melancolia nas cercanias de sua alma. Diz que a aposentadoria equivale a ser um vagabundo mal remunerado. Sente-se só. E, sobre os ombros, o peso das barras de ferro do abandono. Porém, quando o indago se ainda é capaz de sentir o silvestre perfume do original torrão, desaparece a lamentação e faz irromper uma canção. Rejuvenesce o poeta, que abre o coração:
Crateús, oh! Terra boa,
E prá que seja sempre assim
Protege minha pessoa
Nosso Senhor do Bonfim!
(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)
Eis a tarefa de um poeta: revelar a beleza escondida nas coisas, nos lugares e nas pessoas!
Semelhante missão têm aqueles que abraçaram a apaixonante e sacerdotal causa do magistério. Ser educador é deslizar na correnteza da sabedoria, perscrutar talentos, retirar poeira de diamante. Não é entregar a isca e o anzol, mas desenvolver o gosto pela pesca. Não é oferecer a faca e o queijo, mas despertar a vontade de comer. Educar não é lançar, mas extrair, retirar de dentro.
Dos meus tempos de aluno do então “Ginásio Pio XII”, em Crateús, lembro da silhueta de um amante do magistério. Alto e sereno, reservado e narigudo, aristocrático e silencioso. Era inimaginável que aquele corpo esguio escondesse um glutão compulsivo, incorrigível devorador de letras, voraz consumidor de livros. Pois Manoel Melo Cavalcante, nos anos do decênio iniciado em 1970, já havia engolido mais de mil livros. Aprendera com um mestre Taoista que passar três ou quatro dias sem ler causava debilidade nas palavras, fraqueza na memória, deficiência no cérebro.
Hoje, exilado em Fortaleza, revisita as páginas que protagonizou no álbum da própria existência. Recompila o capítulo em que, com asas de sonho, pousou na Capital para estudar no Colégio Cearense. A alimentação irregular, em hotéis e restaurantes, provocou a abertura de uma ferida no estômago e forçou o retorno à terra natal no início da década de 1960.
Foi quando resolveu descer do berço da própria solidão e espalhar sobre o chão de giz o óleo do amor à leitura. Lecionou inicialmente na Escola Técnica de Comércio Padre Juvêncio, onde foi Vice-Diretor de 1968 a 1975.
Em 1976, por influência do Deputado Antonio dos Santos – na época, líder absoluto no município – vira Vice-Prefeito da chapa encabeçada pela primeira mulher a chefiar o Executivo Municipal, Lionete Camerino. Aceitou a missão com a alma fervilhando de projetos. Imaginava que, em algum momento, seria instado a colaborar ativamente no comando da cidade. Aquele mar de sonhos, no entanto, virou um martírio. Se pudesse, eliminaria as páginas que tratam dessa estação...
Após esse período, se deixou embalar pelas ondas do rádio, dirigiu o Colégio Regina Pácis e prestou serviços na Delegacia Regional de Educação. A bandeira da educação empunhou até o dia em que recebeu a carta de aposentadoria.
Atualmente reside em um dos pontos mais altos de Fortaleza, próximo das principais torres de TV da cidade, no cosmopolita bairro Dionísio Torres. Ali, entrega-se a uma tarefa cada vez mais rara: recuperar molduras factuais sob a precisão das datas. Por isso esquadrinha o tabuleiro da história e recompõe a cronologia da ribeira em que nasceu, que pretende exibir em formato de livro.
No mais, nota-se uma invisível trava de melancolia nas cercanias de sua alma. Diz que a aposentadoria equivale a ser um vagabundo mal remunerado. Sente-se só. E, sobre os ombros, o peso das barras de ferro do abandono. Porém, quando o indago se ainda é capaz de sentir o silvestre perfume do original torrão, desaparece a lamentação e faz irromper uma canção. Rejuvenesce o poeta, que abre o coração:
Crateús, oh! Terra boa,
E prá que seja sempre assim
Protege minha pessoa
Nosso Senhor do Bonfim!
(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)
- José Bonfim de Almeida Jr., caríssimo Júnior Bonfim, parabéns pelo texto, palavras precisas e encantadoras - fiquei[estou]comovido, confesso!
Luciano Bonfim.
-
Meu caro júnior Bonfim, parabéns pela excelente crônica. Bem escrita. Excelente desenvolvimento. Fui aluno do prof. Manoel Mano, no colégio Pe. Juvêncio. Vez e outra encontro nosso velho mestre no centro da nossa capital ou nas ruas do consumo das lojas do Pão de Açúcar, Av. Antônio Sales.
Gostei do anúncio feito por Olavo Bilac para a venda do sítio do amigo. Pesquei esta preciosidade e intertextualizei em um trabalho que apresentarei no IV Seminário Revelando a Literatura Cearense, com o tema Vozes e Silêncios de Francisco Carvalho. Este seminário é outra rica ideia literária do SESC. Obrigado pela oportunidade.
Abraços, poeta.
José Bonfim de Almeida Jr., caríssimo Júnior Bonfim, parabéns pelo texto, palavras precisas e encantadoras -
ResponderExcluirfiquei[estou]comovido, confesso!
Luciano Bonfim.
Meu caro júnior Bonfim, parabéns pela excelente crônica. Bem escrita. Excelente desenvolvimento. Fui aluno do prof. Manoel Mano, no colégio Pe. Juvêncio. Vez e outra encontro nosso velho mestre no centro da nossa capital ou nas ruas do consumo das lojas do Pão de Açúcar, Av. Antônio Sales.
ResponderExcluirGostei do anúncio feito por Olavo Bilac para a venda do sítio do amigo. Pesquei esta preciosidade e intertextualizei em um trabalho que apresentarei no IV Seminário Revelando a Literatura Cearense, com o tema Vozes e Silêncios de Francisco Carvalho. Este seminário é outra rica ideia literária do SESC. Obrigado pela oportunidade.
Abraços, poeta.