Francisco Sales de
Macedo é morto. Crateús desfalca-se de um dos seus
mais talentosos filhos. Homens e mulheres reverenciem-no. Emudeçam-se
os cantares. Os sinos em dobres e langorosos. Profundo respeito por um
cidadão na expressão mais lidima. Como na morte de Geiuseppe
Verdi (1813-1901), atapetem-se as ruas para que o barulho dos coches
não perturbem a paz deste brilhante esculápio. Dr. Sales se fez o
filho mais legitimo de Crateús. São grandiosos os amantes da terra. Vá
Pensiero, o coro dos escravos hebreus, é um canto apaixonado a mia
pátria, tão bela me escuta. João Paulo II, sua Polônia, era o seu
mundo. Dom Pedro II não pediu a coroa de volta, no exílio tristonho,
suplicou um naco de pó do Brasil. Sales já medico veio como um
desbravador, não como um exilado. Arou o chão com a competência do seu
saber. Deitou suor úmido de sacrifício no solo morno de sua nova
pátria. Acendeu archotes de inteligência, abriu portas repartidas de
esperanças, envergou seu talento e seu carisma a serviço dos seus
novos irmãos. Encheu-se de coragem para fundar a medicina na nossa
terra. “Virtus crescit audendo”, a coragem cresce com a audácia. S.
Francisco de Sales dizia que o leito do paciente é um altar. O santo
nascido em 24 de janeiro bem próximo ao natalício do Dr. Sales é
doutor da Igreja. Sales, o físico, ungiu suas mãos de magia para
tecer vidas em frangalhos, para estancar dores, para soerguer
moribundos. Foi maior do que sua jornada. O medico in extremis.
Cabe-lhe melhor o termo latino, ‘DILIGO”, amar profundamente a sua
profissão. Ou mesmo ágape o amor sem medidas. Numa noite distante
chega no Santa Terezinha um homem com uma ferida só. Um lago de dor.
Uma cascata de sangue. Dr. Sales, sozinho, me chama para auxiliá-lo.
Era estudante. A maior alegria da minha vida. Varamos a madrugada. O
doente foi salvo. Somente pelo seu talento, pouco pela minha ajuda. Em
plena madrugada sai sozinho para casa rindo com as estrelas.
Conversando com réstia de luar. Inebriado. Transfigurado pela grandeza
de poder retorcer as esquinas da vida. Embriagado com arte de cuidar.
A cidade dormia. Ruas solitárias e vazias. Mas tarde, atendo o Sr.
Ezequiel. Eu medico. Dr. Sales na China. Seu pai teve de implantar um
marcapasso. Quando de volta Sales foi me agradecer. De novo o brilho
da madrugada. E feixes da noite luminosa se acenderam em mim. A
saudade buliu comigo. Ele nem mais se lembrava. Foi generoso. Foi
estóico. Na sua longa e dolorosa enfermidade, praticou a filosofia de
Zenão, estoicidade. O espírito vence a matéria. Estóico vem de stoa,
que significa pórtico. Na sua dor, Dr. Sales preferiu o espírito. Um
pórtico de arcada de generosidades, de arco de bondade e de colunata
de honestidade. Que hoje ele se agasalhe com os pórticos celestes.
Perde Crateús seu nobre filho, perde a medicina um notável
profissional, perdemos nós um grande amigo.
Saudades.
Fortaleza, agosto de 2012
José Maria Bonfim de Moraes- médico cardiologista.
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