“Às
vezes, no rústico balcão
De
velha tábua enegrecida
O
tempo parava...
Às vezes,
o vento passava
E o
papel de embrulho acenava
Convidando
o cliente...”
Estávamos participando do lançamento do Varal Antológico em
Florianópolis, a lagunense Fátima Michels me confunde com o autor de “Bodega”,
Raimundo Cândido Teixeira Filho, de Crateús-CE, e diz que gostou muito do
poema. Mas ele está ali a meu lado e corrige o equívoco: “A Bodega é minha!” E
tinha que ser mesmo, mas me chama atenção pela temática. Mais tarde, leio a
obra poética e me emociono com a beleza dos versos de uma sintética tranquilidade
ao transmitir com imagens felizes o humilde cotidiano que ainda subsiste apesar
dos avanços tecnológicos. E nos transporta para aquelas paragens isoladas que
se congelam na espera dos transeuntes.
Dou-me conta dos tempos decorridos e dos espaços ocupados nesta
minha jornada de tantas vidas. Lugares por onde andei, saindo de Jaguarão,
passando em Porto Alegre (Partenon, Centro, Bonfim e Menino Deus), São Bernardo
do Campo (Jardim do Mar), São Paulo (Vila Prudente, Jardim da Saúde) e
Florianópolis (Capoeiras, Agronômica). Em todos eles ainda rememoro a
existência de uma “bodega”, ali na esquina ou no meio da quadra, que ainda hoje
teima em manter a sua caderneta de fiados para os clientes relutantes em
ingressar na era das compras facilitadas pelos cartões de crédito.
E o vento vai passando e me jogando meninote naquela chácara do
meu tio Cantalício, em Jaguarão, naquela estrada que me parecia não ter fim até chegar lá, deixando a
cidade, avistando a Igreja Matriz, a Santa Casa, o Quartel, o Curtume e o
caminho longo até o Corredor das Tropas. Logo ali, a casa dos Machado,
atravessava-se o Passo dos Correias, um fiapo de arroio que não dava passagem
nas chuvaradas, e a estrada seguia na direção da Capela São Luiz. Bem antes eu
descia do “carrinho” puxado a cavalo e abria a porteira para trilhar a íngreme
e escorregadia lomba de terra até as casas.
Ranchos, galpões, currais, baias, tambos, galinheiros, chiqueiros,
açudes, sangas, mato, campos, potreiros, cacimba, bomba d’água, plantações,
hortas, pomares, taquarais, um mundo de solidões para mim. Aves, bovinos,
equinos, suínos, caninos eram seres estranhos ao meu cotidiano citadino. Meu
tio reinava ali absoluto e ditava suas leis: “na minha propriedade é proibido
caçar passarinho”. Os estilingues eram apreendidos sem qualquer apelação. Não deixava
de verificar e determinar as tarefas do chacareiro, “seu” Dema que a toda hora
precisava ser lembrado da forma de executá-las.
Para ocupar melhor esse tempo arrastado, lá ia eu pegar no arado
e tanger os bois no vai e vem da terra lavrada ou então rolar a pipa para
buscar água na cacimba. Montava na égua zaina e saia a recolher as reses
espalhadas pelo campo. Enchia sacos de laranja, vergamota, peras, goiabas para
devorá-las ali mesmo e levando o resto para casa. Antes do almoço, o banho
recreativo na sanga, seguido de causos contados na roda do mate, enquanto “seu
Dema” aprontava a bóia e eu sugeria um angu de sobremesa: “mas não tem o fubá,
a farinha de milho...” Fácil, só ir lá na Dona Alexandrina que ela tinha...
E nós saíamos cruzando campos afora, a pé naquela lonjura, para
chegar à venda de Dona Alexandrina e gritar da porteira: “Ó de casa, queremos
um quilo de fubá!”
José Alberto de Souza – O poeta das águas doces –
Gaucho de Jaguarão do Sul – No livro O Velho “Chateau” daqueles rapazes de antigamente. Croni & Contos) - Tche!
José Alberto de Souza disse...
Mas bah, tche, e eu que estava querendo te aprontar mais uma...
José Alberto de Souza disse...
Mas bah, tche, e eu que estava querendo te aprontar mais uma...
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMas bah, tche, e eu que estava querendo te aprontar mais uma...
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