terça-feira, 22 de dezembro de 2009

FLÁVIO MACHADO


Primeiro, um apelo aos representantes do povo no Legislativo da minha terra: aprovem, com aclamação e louvamento, à unanimidade de votos, um título de Cidadão Crateuense para Flávio Machado e Silva.

Ele apenas nasceu na bíblica Palestina (hoje distrito de Novo Oriente), que pertencia à antiga freguesia de “Pelo Sinal”, atual Independência; porém toda a sua caminhada histórica foi trilhada em Crateús. Todos os registros da sua memória primária se concentram na terra do Senhor do Bonfim, onde passou a residir desde os três primeiros setembros de vida. Sua alma é um monumento comemorativo às pessoas, aos lugares e às cousas da cidade que ama. É um dos raros nobres da nossa ex-Príncipe Imperial.

Ao beijar a cidade de Crateús, o rio Poty se bifurca e, como um bolo atraente, uma coroa de terra emerge: é o bairro da Ilha. Quando Flávio abre o filme das recordações, a primeira imagem o remete ao espaço de ternura desenhado pelo rio. E, em especial, àquele caminho constituído por dormentes de aroeira, trilhos de ferro e uma passarela cerimoniosa, imponente e primorosa que liga o bairro ao restante da urbe: a ponte de ferro.

Flávio é daqueles cuja infância esteve indelevelmente vinculada ao som do trem e à magnitude da ponte. Incorporou às veias do coração o hábito dos bons ferroviários: amar o trabalho sereno, cultivar a velocidade constante e andar sempre nos trilhos. Descobriu e cultiva a liturgia da rotina. Na música Caminhos, Raul Seixas e Paulo Coelho fazem uma peroração sobre a rotina: “E você ainda me pergunta: /aonde é que eu quero chegar, /se há tantos caminhos na vida /e pouquíssima esperança no ar! /E até a gaivota que voa /já tem seu caminho no ar!” Segundo o comercial do perfume, “a rotina do destino é a certeza. Toda rotina tem a sua beleza”. Esse apego à rotina, no entanto, nunca significou acomodação. Pelo contrário. O filho do casal Izauro Machado Portela e Antonia Silva Machado desde cedo revelou pendores para a atividade intensa. Sertanejo de clara e gema, ainda criança criava galinha e vendia os ovos para juntar dinheiro. Após o curso primário na Escola da D. Delite, tomou assento no trem e foi estudar em Sobral, no Seminário Diocesano São José.

Em que pese ser uma figura compenetrada, descobriu que se sentia melhor com o blusão de leigo do que com as vestimentas clericais. Voltou aos bancos escolares crateuenses e, na Escola de Comércio, concluiu o Curso Técnico de Contabilidade. Estudante ativo, militou no Grêmio Clóvis Beviláqua, onde começou a alinhavar artigos para o jornal O Estudante. Integrou a Juventude Estudantil Católica – JEC – e incursionou pelas ondas sonoras da radiofonia, compondo a equipe da única emissora da região, a Rádio Educadora de Crateús, onde apresentou programas como “Sertão do Ceará” e “Discoteca do Fã”. (Anualmente, era promovida a festa para a escolha da Rainha dos Radialistas. A eleita de 1968, Izabel Morais Barros, foi por Flávio desposada e lhe deu quatro filhos: Izauro Neto, Elizabeth (Betinha), Eliane e Flaviana).

Sua imagem de compenetrado virginiano e comedido torcedor do Fluminense só se transformava quando era convidado a entrar em campo como jogador de futebol. Aí virava um verdadeiro tufão: aonde ia arrastava tudo e arrancava com a bola até o gol. Ganhou, por isso, o apelido de Caterpillar, numa referência à famosa multinacional fabricante de máquinas pesadas.

Membro de uma geração dedicada ao labor e ao estudo, varava madrugadas à luz de um candeeiro de petróleo preparando-se para concursos públicos. Sem maiores dificuldades, foi aprovado nos certames que enfrentou para ingressar nos quadros da Associação Nordestina de Crédito e Assistência Rural – ANCAR-CEARÀ, do Banco do Nordeste e Banco do Brasil. Optou definitivamente por este último, onde assumiu destacadas posições até atingir o posto de Gerente Geral.

A aposentadoria, no ano de 1995, foi apenas um detalhe, dês que continua em embalada atividade, pois considera que “a ociosidade atrofia a mente e o corpo”. Rui dizia que “oração e trabalho são os recursos mais poderosos na criação moral do homem. A oração é o íntimo sublimar-se d'alma pelo contato com Deus. O trabalho é o inteirar, o desenvolver, o apurar das energias do corpo e do espírito, mediante a ação contínua de cada um sobre si mesmo e sobre o mundo onde labutamos”.

Flávio ora e labora. Homem de fé, colaborou no Conselho de Assuntos Econômicos da Diocese de Crateús exercendo o cargo de ecônomo.

Além de tocar, com o irmão Antonio, a Casa Comercial Santo Antonio, herança paterna, administra uma empresa rural que trabalha com frango de corte, criação de ovinos, bovinos e suínos.

Às filhas Edite e Larissa, da sua união com a professora Lindalva F. de Carvalho, sua atual companheira, dedica todo o tempo livre. Porque, além da intensa atividade empresarial, continua a labutar com vigor juvenil, reservando espaço para o estudo e a produção literária.

Como Roberto Marinho, que fundou a Rede Globo após ter completado sessenta anos de idade, Flávio encara novos empreendimentos após virar sexagenário. Alimenta quinzenalmente a Coluna “Crateús de Ontem” e lançou, no último dia 05 de dezembro de 2009, o livro “Crateús, lembranças que aquecem o coração”, um conjunto de belas crônicas sobre a vida florida e espinhosa de personagens reais que, na comuna dos seus amores, tocaram o badalo do sino do progresso. É, também, um dos fundadores da Academia de Letras de Crateús – ALC, onde ocupa a cadeira número 04, cujo patrono é seu ex-reitor Dom José Tupinambá da Frota.

Que continues, bom companheiro, seguindo as paralelas da rotina transparente, sob os auspícios da serena crença, no ritmo equilibrado da decência, aquecendo os nossos corações com as lembranças do passado e sempre atento ao apito inconfundível do trem do futuro!


(Por Júnior Bonfim, publicado na Revista Gente de Ação e Jornal Gazeta do Centro-Oeste)