sábado, 1 de março de 2014


O DESAFIO DE PUBLICAR

Postado por Silas Falcão

Publicar um livro ainda é o grande sonho de quem gosta de escrever. Fazemos oficinas, participamos de concursos, figuramos em blogs e sites e newsletters, mas publicar um livro ainda é o grande sonho. Um grande sonho e, para muitos, um tortuoso caminho.

Isso me lembra a menina pobre de uma escola humilde perguntando como fazer para publicar suas poesias. Ou um personagem-escritor de Dom Quixote batalhando para imprimir seu livro. Me lembra a Marô Barbieri e o Mario Pirata, competentes escritores gaúchos e promotores das próprias obras. E me lembra as livrarias modernas, enormes, organizadas, com cheiro de tudo, menos de livro.

É, há um longo caminho entre o ponto final e o cheiro de papel.

De forma simples, podemos identificar três processos depois do ponto final em um texto. Primeiro, descobrir a dificuldade que é publicar, especialmente pela primeira vez. Segundo, entender o porquê dessa dificuldade (excesso de escritores, escassez de leitores, mercado com leis capitalistas e alto custo do papel são algumas pistas). Terceiro, encontrar uma solução para superar tais entraves.

Muitas obras que o autor considera “imortais” morrem aí, no ponto final. Ficam restritas ao escritor ou aos amigos do escritor. Não, ainda não foram recusadas por centenas de editoras. Simplesmente o autor, ao olhar para o mercado editorial, se pergunta: para que pôr mais um livro no mundo? Será que sou bom o suficiente?

Minha dica – se de cá posso dar alguma – é não desistir tão fácil. Querer publicar um livro é como querer ter um filho, não há nenhuma razão lógica para se pôr mais um filho nesse covil, mas é o sonho de muitos e, se formos otimistas, um bom livro nunca é demais para uma sociedade em formação. Melhor do que desistir seria tomar a consciência do tamanho da literatura, muito superior a qualquer outra arte, e reescrever mil vezes o texto, melhorando-o cada vez mais antes da publicação apressada.

Porque só a literatura compete de forma tão evidente com toda a sua história, uma história milenar. Na mesma prateleira de um romance estará Dom Quixote e Madame Bovary, na mesma estante de um teatro estarão os de Shakespeare e Ibsen. Um conflito, aliás, muito bem representado por Carlos Henrique Schroeder em A Rosa Verde (tema da próxima coluna): “eles continuam ali, rindo, me ameaçando com suas obras grandiosas, criativas, geniais, me reduzindo, intimidando”. Se a intimidação servir de estímulo para a releitura, para a visão crítica do que se produziu, ótimo, estamos no caminho certo.

E então o texto está pronto e relido. Agora sim, pensa a menina, eu, os mil e um escritores por aí afora, agora sim vale a publicação. Aí há três caminhos:
1        1 )   Enviar para uma editora comercial;

2) Inscrever a obra em algum concurso literário;

3) Pagar a própria edição.

É evidente que qualquer escritor começará pela 1, mas raramente terá sucesso. As editoras comerciais são mais comerciais que editoras. E nós não somos (ainda) o Pedro Bial biografando a vida do chefe. Então passaremos para a 2. Conheço muita gente que começou por um concurso ou financiamento público, pode ser uma alternativa. Mas requer, além de qualidade, muita paciência.

O terceiro caminho é o mais traiçoeiro e viável. Antes, vale ressaltar que sempre se pagou para publicar (de Augusto dos Anjos a James Redfield). A auto-publicação não é errada e se existe preconceito é pela quantidade de lixo que se publica por conta própria. O que torna traiçoeira esta alternativa são as falsas editoras que mal fazem o papel de gráfica, diagramando e imprimindo o livro para o jovem escritor por um preço muito superior ao que se conseguirá pelas vendas. Especialmente porque, depois do ponto final e do cheiro de papel, há outro problema, a distribuição.

Mas voltando à publicação, ela não atribui, por si só, qualidade a um texto. A gente pensa que publicar trará reconhecimento, mas não basta ver nossa história eternizada em papel. É preciso ter boas histórias, acima de tudo. E bem contadas. As que forem realmente boas, acabarão no papel. Porque o mercado editorial tem lá suas regras, parecidas com as de um banco, uma loja ou um canal de televisão. Ele está atolado no mercado, nas leis liberais deste, e só de vez em quando estica os olhos para a novidade, para a arte. Cabe a nós, iniciantes aventureiros malucos escritores em busca de espaço, aprimorar nossos textos para que se aproximem desta tal arte. E assim sejam percebidos nessas esticadas de olhos do mercado.

Dicas para quem tem um original pronto e não sabe o que fazer com ele:

1) Procure um bom primeiro leitor, de preferência algum escritor, professor ou leitor exigente que aponte mais defeitos do que qualidades;

2) Envie o texto para uma revisão, preferencialmente profissional;

3) Registre seu texto na Biblioteca Nacional (clique aqui);

4) Se você quiser enviar para editoras e concursos, mapeie quais estão adequadas ao perfil do livro. É importante conhecer a editora, pois você tem mais chances de publicar um livro de contos na Cia. das Letras do que na Sextante, por exemplo;

5) Prepare um original sem erros de digitação, diagramado com fonte de boa legibilidade e espaço no mínimo um e meio entre as linhas; acrescente antes do texto uma breve carta de apresentação sua e, depois, uma sinopse do livro que seja curta e eficiente;

6) Entregue o livro pessoalmente ou, se não for possível, envie pelo correio. E não hesite em enviar para mais de uma editora ao mesmo tempo. Mas se você for aceito por alguma, é no mínimo elegante avisar as demais;

7) Se você quiser fazer uma edição do autor, tenha em mente que pode ser importante o código de barras e a ficha catalográfica para a colocação em livrarias e até alguns prêmios literários;

8) Cuide, no caso de livros publicados por conta própria, com os custos de impressão em relação a tiragem e com a divulgação e distribuição da obra. Devido ao fotolito, é sempre mais barato o custo unitário do livro para tiragens maiores;

9) Não deixe de continuar produzindo e, especialmente, participando da comunidade literária enquanto seu livro não é aceito por nenhuma editora. Infelizmente ter um nome (re)conhecido é tão importante quanto um bom texto.

Marcelo Spalding



sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014


TUDO QUE VICIA COMEÇA COM C

Postado por Silas Falcão


"Tudo que vicia começa com C. Por alguma razão que ainda desconheço, minha mente foi tomada por uma ideia um tanto sinistra: vícios. Refleti sobre todos os vícios que corrompem a humanidade. Pensei, pensei e, de repente, um insight: tudo que vicia começa com a letra C! De drogas leves a pesadas, bebidas, comidas ou diversões, percebi que todo vício curiosamente iniciava com cê. Inicialmente, lembrei do cigarro que causa mais dependência que muita droga pesada. Cigarro vicia e começa com a letra c. Depois, lembrei das drogas pesadas: cocaína, crack e maconha. Vale lembrar que maconha é apenas o apelido da cannabis sativa que também começa com cê. Entre as bebidas super populares há a cachaça, a cerveja e o café. Os gaúchos até abrem mão do vício matinal do café mas não deixam de tomar seu chimarrão que também - adivinha - começa com a letra c. Refletindo sobre este padrão, cheguei à resposta da questão que por anos atormentou minha vida: por que a Coca-Cola vicia e a Pepsi não? Tendo fórmulas e sabores praticamente idênticos, deveria haver alguma explicação para este fenômeno. Naquele dia, meu insight finalmente revelara a resposta. É que a Coca tem dois cês no nome enquanto a Pepsi não tem nenhum. Impressionante, hein? E o computador e o chocolate? Estes dispensam comentários. Os vícios alimentares conhecemos aos montes, principalmente daqueles alimentos carregados com sal e açúcar. Sal é cloreto de sódio. E o açúcar que vicia é aquele extraído da cana. Algumas músicas também causam dependência. Recentemente, testemunhei a popularização de uma droga musical chamada "créeeeeeu". Ficou todo o mundo viciadinho, principalmente quando o ritmo atingia a velocidade... cinco. Nesta altura, você pode estar pensando: sexo vicia e não começa com a letra C. Pois você está redondamente enganado. Sexo não tem esta qualidade porque denota simplesmente a conformação orgânica que permite distinguir o homem da mulher. O que vicia é o "ato sexual", e este é denominado coito. Pois é. Coincidências ou não, tudo que vicia começa com cê. Mas atenção: nem tudo que começa com cê vicia. Se fosse assim, estaríamos salvos pois a humanidade seria viciada em Cultura..."


Luis Fernando Verissimo

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

O Trem



                                                                   Mastiga os dias

                                                                   e remói as noites,

                                                                   o trem a passar...

                                                                   Levou o que trouxe,

                                                                   deixou o que ia levar...

                                                                   E o apito é um açoite

                                                                   de um vai-e-vem

                                                                   no mesmo lugar!



                                                                                   Raimundo Cândido

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Nova diretoria da ACE, para o biênio
2014-2016

Presidente de Honra:
Francisco de Assis Almeida Filho

Presidente:
Francisco de Assis Clementino Ferreira

Vice – presidente
 Silas Falcão

1º Vice - presidente
Maria Linda Bezerra Lemos

2º Vice – presidente
Francisco Bernivaldo Carneiro

Assessoria da presidência
Luis Gonzaga da Fonseca Mota e Abmael Ferreira Martins

Secretaria

1º Secretário
Rejane Nascimento

2º Secretario
Cornellius Ezeokeke Okwudilli

Diretoria Cultural

Diretor cultural
José Rubens Venceslau Silva

Membros:
Maria de Fátima Tavares Silva, Argentina Austragésilio de Andrade, Luis Eduardo Santana Cruz.

Coordenadoria Editorial

Coordenadora
Maria do Socorro Cavalcanti

Membros
Eliane Arruda, Rejane Nascimento, Silas Falcão, Pedro Jorge, Silas Façanha.

Diretoria de comunicações

Diretor
Antonio Oanes Tavares Venceslau.

Membros
 Audanice Arruda, Paulo Tadeu.

Diretoria de Eventos

Diretora
Maria do Socorro Cavalcante.

Membros
 Sonia Nogueira, Maria de Fátima Lemos Pereira Campo, Leila Maria da Silva.

Cerimonial

Mestre de Cerimônia

Joseleido Santana Bonfim

Mestre de Cerimônia adjunto
Francisco Bernivaldo Carneiro

Membros
Maria Eudismar Mendes, Cirlene Setúbal, Clara Setúbal.

Tesouraria

1º Tesoureiro
Joseleido Santana Bonfim

2º tesoureiro
Rosa Virgínia Carneiro Castro

Ouvidoria

Ouvidor
 Manuel Casqueiro.

Membros
Dalton Marques, Francisco Diniz.

Diretoria de Artes

Gilson Albuquerque Pontes, B. C. Neto, José Irismar Abreu, Carlos Roberto Nogueira Vazconcelos.

Conselho Fiscal

Presidente
 Raimundo Linhares

Membros
Péricles Araujo da Silva, Francisco Lima Freitas, Gutemberg Liberato de Andrade, Nirvanda Medeiros, Nanda Gois, Cícero Modesto.

Conselho consultivo

Presidente
 Francisco Muniz Tabosa
Vice-presidente

 Domingos Pascoal de Melo

1º Vice – presidente

Elson Damasceno

Membros

Dom Edmilson da Cruz, Juarez Leitão, Ubiratan Diniz Aguiar, Irapuan Diniz Aguiar, José Irismar Abreu, José Moacir Gadelha de Lima, José Rodrigues (J. R), João Bosco Barbosa Martins, Padre Raimundo Frota, João Gonçalves de Lemos, Barros Alves, Sylvia Helena Braun, Francisco José Pinheiro, Luis de Gonzaga Fonseca Mota, Antonio Vicente Alencar, Osmar Diógenes, João Ferreira, Mauricio Cabral Benevides, José Augusto Bezerra, Júnior Bomfim, João Teófilo Pierre, Adegildo Ferrer, Ednilo Soarez, Creuza Clementino Ferreira, Joaquim Clementino Ferreira, Fernando Sergio Clementino Teixeira, Roselaine Clementino Teixeira.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Padre Rosa – Hóstia, punhal e bala.

Admiro os historiadores quando, num esforço mais que braçal, utilizam-se de um afiado instrumento para apreender a(s) realidade(s) dos fatos: O pensamento na busca da verdade. Um filósofo, destes pós-moderno, chegou a afirmar: “... não há ninguém que veja a verdade sem pensar com ajuda de um olhar, e os olhos são sempre os olhos dos outros.” O que tenho de narrador-filosófico, além deste olhar difuso a me ofuscar, é uma grande curiosidade histórica, uma vontade de enxergar, entre findo olhares, um tempo antiguíssimo a procura de verdades. Tento entrever o murcho limo do passado, que nos espreita em cada esquina, munido unicamente deste estreito raciocínio de visão.  
Em suma, pensaremos no decorrido tempo passado pelo olhar dos outros! E assim, volveremos ao inicio do Século XX (Século Sangrento) nos Sertões de Cratheús, expondo olhares sem tentar corrompê-los.
                Decorriam os primeiros anos de 1900. No Ceará, acontecia a Era Aciolista. Antonio Pinto Nogueira Accioly frustrava toda expectativa do povo cearense criando uma oligarquia impiedosa que fez vistas grossas ao sofrimento do sertão, em anos de seca e, no desenho de um papel, construiu cinco pontes sobre o Rio Pacoti. O dinheiro apareceu nas contas do Estado. As Pontes é que nunca foram construídas.
                Entre dezenas de movimentos para derrubar Accioly do poder, o mais importante foi a Passeata dos Meninos. Liderada por mulheres cearenses, cerca de seiscentas crianças, todas vestidas de branco, com laços verde-amarelos e ostentando no pescoço um medalhão do Coronel Marcos Franco Rabelo, desfilaram pelas ruas de Fortaleza, cantando e sendo acompanhadas por milhares de pessoas. O Babaquara, apelido de Acioly, ordena que a polícia haja com rigor, ocasionando a morte de varias pessoas. A revolta só aumentou. O povo armou-se como pode para tirar o déspota do comando do Estado que, por fim, renunciou. Supõem-se outros olhares sobre a Passeata das Crianças, que a minha parca visão não pode alcançar!
                Em Crateús, tínhamos Aciolistas e Rabelistas exaltados em quase todas as esquinas.
                O velho sertanejo Furtuoso José de Sá, com a mente enevoada de cachaça e uma arma reluzindo na cintura, entrava no portão do Mercado Público a cavalo e vociferava: “Esse povo de Cratheús é todo sem-vergonha e ladrão! Os homens são todos Franco Rabelo e as mulheres frangas do rabão!”
                Um dos aciolistas mais ferrenhos da cidade era o vigário: Joaquim Gonçalves Rosa, o Pe. Rosa. Nascera nos Sertões de Cratheús, mas precisamente em Tamboril (antigo Arraial da Telha) e, ao sair do seminário, vem tomar conta do rebanho de ovelhas cristãs, da recente Vila Príncipe Imperial.
                No interior do Ceará predominava (?) uma cruenta servidão imposta pelo medo na alma do homem ingênuo e ignorante: “As coisas são assim porque são como são, sempre foram assim, sempre serão.” Os políticos, coronéis arrogante e opressores, e os padres oportunistas tiravam proveito disso e pactuaram uma tríplice associação: a oligarquia Accioly, o coronelismo de Giló e o sacerdócio do Pe. Rosa.
                No Distrito de Irapuá reinava insatisfação com o padre crateuense, pois o mesmo havia vendido todas as propriedades pertencentes à Igreja do lugar. Fora o sumiço de uma imagem, em ouro maciço, representando o padroeiro de Bom Jesus do Bonfim. O Pe. Rosa jogara uma maldição no ladrão que surrupiara o santo e este pega um estranho engasgo que o faz devolver a estatueta. O Vigário trouxe a peça sacra para Cratheús e, depois disso, ninguém mais a viu!
                Se o ouro sagrado logo sumia, imagine os difíceis contos de réis... O Padre cobrava 5$000 réis por um casamento sob a abóbada da Igreja. O casamento por fora, ao gosto do freguês, era o dobro. Até para um defunto se enterrar estava pela hora da morte: 15$000 réis. Com esses preços, reclamavam tanto os vivos quanto os mortos!  Mas a convivência só se tornou azedamente insociável pelas velhas rixas políticas. O bobo do sertanejo, como massa de manobra, era tangido, hora por um, hora por outro grupo, os Marretas do Padre Rosa e os Rabelistas do Dr. Luiz Chaves e Melo, que ficavam atiçando brasas e escrevendo denúncias nos jornais de Sobral e de Fortaleza.    
                No Unitário, jornal cearense de oposição a Accioly, em 4 de abril de 1911, ler-se: “Chamamos atenção do Revmo Sr. Dom Joaquim José Vieira, Bispo Diocesano do Ceará para as mui justas reclamações da população de Cratheús contra o procedimento do vigário, que foi posto ali. É um rapaz turbulento e que se está portando como qualquer Sargento de Polícia que comanda forças do interior.” O artigo continua: “ Vossa Excelência convirá que é um importante ato de caridade fazer sair dali uma criatura tão imprópria para o papel de cura das almas ou pastor de um rebanho de cristãos. O Padre está só servindo de  instrumento de um grupo prepotentes, como Deolino Lopes e Jerônimo de Sousa Lima, o Cel. Giló. Como foi que o filho de um pobre ferreiro de Tamboril, que chegou aqui puxando uma cachorrinha, se tornou uma pessoa riquíssima, juntamente com todos seus irmãos? A Igreja crateuense se transformou num celeiro de negócio rendoso, para algumas famílias!” E concluem, com um abaixo-assinado, a denúncia ao Bispo de Fortaleza, dizendo:  “ Ele se descuida até dos ensinamentos do evangelho.”
                O povo ficava espantado e de boca aberta, quando via o Pe. Rosa treinando tiro ao alvo nas árvores das Cajás, à beira do Rio Poti. Fora ao Mercado Público, com o mestre de música da Igreja, que era casado com sua sobrinha, para comprar um rifle e algumas caixas de balas. Agora se exercita em pontaria num arbóreo alvo, imaginando ser algum famigerado rabelista. E tinha que está preparado, pois era hábito do povo andar armado pelas ruas, até dentro do templo sagrado da igreja do Senhor do Bonfim. Em qualquer um se percebia o cabo do punhal “rabo de andorinha” sobressaindo da camisa ou o volume indicativo de um Smith & Wesson nos cós da calça.           
                O dia 18 de março de 1913, na festa de São José, o Padroeiro do Ceará, a esperança aflora na pele do sertanejo, em suplicantes orações buscando alento para as agruras da seca. Naquele dia, sob a cúpula da Matriz do Senhor do Bonfim lotada de fiéis, reinava uma atmosfera de animosidade. Os rabelistas e os aciolistadas, lado a lado, dividiam o espaço do templo sagrado.  O Padre, inoportunamente, começa a descompor, asperamente, alguns assistentes que não eram de sua predileção: - Esse povo mal educado que se ajoelha numa perna só são ignorantes, são uns brutos, uns canalhas!
                O Cap. João de Deus Coutinho sentiu-se ferido nos brios. Interrompe o sermão do sacerdote e contesta: - O Padre estar é se esquecendo que rezar é a missa!
                A confusão estava armada. Muitos, já de revólver na mão, procuram um alvo. Afora as peixeiras desembainhadas que brilhavam no ar. Partiram pra cima de João de Deus, que se retira do recinto. Dizem que ouve um disparo rumo ao altar, onde repousa a imagem de madeira do Senhor do Bonfim.  Hóstia e bala se juntam no mesmo local de adoração. O Padre Rosa havia tirado a batina e de costas para a multidão, afoitamente, vociferava: - Podem atirar! Querem atirar? Atirem!
                Décadas, após aquele famoso incidente no dia de São José, a Catedral do Senhor do Bonfim receberia outro estampido de bala, mas desta vez pelo lado de fora, no confronto com os revoltosos.
                 Após incidentes tão sérios numa cidadezinha interiorana, o Pe. Rosa teve que se retirar de sua velha paróquia, por ordens superiores. Como o Oligarca Accioly, que foi deposto e retirou-se às pressas, num navio de cabotagem. A oposição ainda continuou a perseguição ao Babaquara, mar adentro, até alcança o navio e matar Acciolito, o filho de accioly,  pois a cruel vingança, filha da selvageria, só se sacia no ardor do fogo ou na avidez do sangue! 
                Uma tropa, de muitos animais, estava em prontidão para levar os pertences do Padre Rosa, no quarteirão em frente a Igreja. Alguns aciolistas e as beatas vertiam lágrimas na despedida do padre.  Do outro lado da rua, em frente Igreja, um grupo de rabelistas se compraziam com a visão da partida do presbítero brigão. Dona Chica Pereira, uma senhora da sociedade, levara um auxiliar para ajudar a soltar uma dúzia de fogos.
                Joaquim Gonçalves Rosa também se especializara em jogar pragas, era exímio na arte e já dera provas disso, como Moises fizera no Egito dos Faraós.  Um dos rabelista ouviu o padre balbuciar uma oração olhando para o grupo opositor: “Me revisto de toda armadura de Deus... e que o fogo dos infernos suba de chão acima!”
                Dona Chica ordena ao ajudante que acenda o primeiro rojão, nem bem o padre pegara na rédea do cavalo. O negro, herdeiro da antiga sensibilidade e premonição dos escravos, sentindo um arrepio na espinha, rejeita a missão, avisa: - Cuidado com o castigo divino, Dona Chica! Ela zanga-se e chama o negro de covarde: - Me dê essa merda que eu mesmo acendo! Na raiva desenfreada, toca fogo diversas vezes no estopim, que não acende. O braço cansado baixa ao chão e o foguete dispara, resvalando na terra e refletindo nas pernas de Dona Chica queimando a anágua de lã, como as queimadas nas capoeiras do sertão. Essa foi a praga do fogo divino, que faltou no Egito dos faraós, pensou de longe,  o negro fujão!               
                O Padre segue na trilha do seu novo destino, sem olhar para trás. Confia na poderosa oração da época de Moises, pois nunca uma praga sua falhara!
                Um comerciante-poeta, José Saboia Livreiro, assaz espirituoso, que curiosamente assistia ao espetáculo por ali, aproveita a ocasião e aumenta uns versos de um poema rimado em pês: “O padeiro Paulo Pereira / pacato porco preguiçoso / palerma de pouca pataca / padece passando pomada / na perereca da Chica Pereira do PP.”
                Como disse o filosofo, só contemplamos a história pelos olhos dos outros, mas bem que eu gostaria de ter assistido a estes estupendos espetáculos entre os aciolista e os rabelistas com o meu difuso olhar, mesmo a me ofuscar, no velho Sertão de Cratheús.      


         Raimundo Cândido