sexta-feira, 22 de abril de 2011


Amigão

Nunca foi necessário
um santo testemunho,
uma prova de lealdade
além do clarão nos olhos.

Nunca uma só atitude
desleal. És todo natural
abnegação, a toda hora
na expressão do rabinho.

Nunca a desonestidade
ladrou pelo elo de ternura
invisível que bem nos uniu,
em teu puro abraço franco.

Nunca haverei de esquece,
o teu sincero devotamento
contra minha dura ingratidão.
Mil honras a ti: Nill, Luppy e Half!

Raimundo Candido
WWW.raimundinho.hpg.com.br

quarta-feira, 20 de abril de 2011

CULPA DE VAQUEIRO

Elias de França


Há um trato de risco e um hiato de sina entre o homem e seu vaqueiro, o vaqueiro e seu cavalo. O homem confia ao vaqueiro seu gado e o paga com sorte. O vaqueiro confia ao cavalo o alcance da rês e o paga com a fama. Pelo gado e pelo homem morre o vaqueiro, e pelo vaqueiro morre o cavalo. Mas não havendo bezerros nem queda de boi, não há de haver nem sorte nem fama. Não havendo o homem não há vaqueiro, e sem vaqueiro, não há o cavalo.
O crime era daqueles sem perdão, pelos séculos sem fim. Valia o castigo de quem mata um santo em cujo túmulo os enfermos acenderiam velas, depositariam oferendas e apostariam promessas e milagres, gerações a fio. E como na alusão a Joana d’Arc, tornar-se-ia hábito de qualquer um responder, quando alguém lhe quisesse atribuir missões penosas: não, eu não matei o Doutor Olavo.
Então o vaqueiro, que já não havia, era feito um bicho ferido, vagando na caatinga, andando a esmo, dormindo ao relento, escondendo-se do mundo e de si mesmo. Se comia ou bebia, era graças aos préstimos da esposa e filhos, que lhe levavam uma marmita e uma cabaça d’água, quando o podiam encontrar. Parecia um corpo sem alma, cão que, por querer, ficou sem dono.
Todo o tempo passado e as pessoas com quem vivera apagaram-se. Restou-lhe aquele pequeno lapso de instantes, imensurável em segundos, sem começo nem fim, quando, depois de ir à casa do patrão, na cidade, trocara a montaria pelo banco do passageiro do automóvel que levaria os dois à casa da propriedade vizinha. Donde ouviu, e obedeceu, como bom vaqueiro, a ordem do patrão para esperar no carro. Donde ouviu as vozes ferozes dos vizinhos gritarem ódio e tiranias. Donde covardemente viu, encostado nos paus da cancela do pátio, o pai e os dois filhos, armados de facas, desferindo o ataque ao doutor, que debalde tentava alcançar o veículo andando de costas, dando a própria carne dos braços como defesa, até cair desfalecido. Donde embrenhou-se em fuga, pelo matagal, até perder-se, para nunca mais se achar.
Há, sim, um trato de risco e um hiato de sina entre o homem e o vaqueiro. O homem confia ao vaqueiro seu gado... Pelo homem morre o vaqueiro... Não há de haver sorte nem fama... Donde covardemente viu, encostado nos paus da cancela... até cair desfalecido... Não havendo o homem não há vaqueiro... os paus da cancela... cipó... não há cipós que possa prender cada instante daquele lapso, imensurável em segundos, sem começo nem fim...
E na manhã do dia em que completava um mês que o mundo se acabara, a esposa, de marmita e cabaça d’água em mãos, procura desesperada o vaqueiro, que já não havia, até encontrá-lo pendurado no alto do galho de um juazeiro, enforcado com cipós de taipa. Debaixo do cadáver, o cavalo, que também não havia, babando relinchos de lamúrias, escavando aflito, chorando o final de uma historia de vaqueiro e gado.

terça-feira, 19 de abril de 2011


Chocalho e Gibão

Era um gibão feio e rude, mas
caia-lhe nos ombros feito lã.
No rumorejar dos sapos e grilos
que absorvia a lua a cortejar o sol.

Exacerbava os lábios, num gesto:
- Está bem aííí... a rês desgarrada!
E se antecipa ao sonolento galo
para campear o extravio, no breu!

Já perscruta o ar. Colhe os aromas.
Capta sons e ausências nas veredas.
O dia delineia-se vestido de enfado.
Abriga o suor e a fome de fim de tarde.

Repentino, aviva-se. Afia a atenção.
Será um badalo a chocalhar ao longe?!
A exaustão foge com a impressão
da novilha em alerta. Um convite!

Flecham-se! Estica-se na sela
feito um guerreiro medieval.
Uma trincheira de juremas pretas
é um estorvo traiçoeiro e cruel!

Sombras e réstias de luz mesclam-se
na inextricável mata de espinhos acesos.
Arrematam-se pelo sem fim da caatinga
insensível, a tanto heroísmo, a tanta destreza!

Raimundo Candido
WWW.raimundinho.hpg.com.br