sábado, 4 de fevereiro de 2012

Último ato

 

Harley Harley, o palhaço
Morreu
Após ser chicoteado,
Com uma facada
No abdômen

Na plateia
O filho Let The Sunshine
(o palhaço Lengo Lengo)
Como único
espectador

Edilson Macedo
                                               Sensibilidade Arbórea

Quando a pontiaguda Espada-de-São-Jorge, inesperadamente, penetrou na batata da minha perna, como um afiado arpão, uma violenta e dilacerante dor me fez lembrar imediato (sem falar de uma inefável e inconveniente vontade) do sofrimento daquele dragão retratado numa lua leitosa, eternamente espetado numa haste pontiaguda. Que dor horrível o coitado é obrigado a suportar, toda noite. Eu já nem penso mais no heróico Santo Guerreiro, estou compadecido é do pobre dragão.
Cuidado aí com a Espada-de-São-Jorge, Raimundinho! Esta plantinha é cheia de lanças e protege a casa contra os inimigos.
Avisa-me, Das Dores. Mas agora é tarde, Inês já é morta e um filete pastosamente rubro escorre pela minha perna.
Por que a Senhora coloca essa armadilha assim, tão perto da porta, Dona das Dores? Olhe que eu nem sou seu inimigo e essa monstruosa plantinha já quer me matar! Murmuro entre os dentes, tentando disfarçar uma agonizante dor que lateja no nervo da perna e sobe mordendo até miolo do cérebro.
Aquela mulher é uma incomum fada que vive embevecida com o sobrenatural das árvores e possui um imenso quintal, que mais parece uma miniatura da Floresta Amazônica, com todos os tipos de plantas medicinais. Ela vai, didaticamente, explicando as propriedades curativas de cada uma, enquanto meu olhar se perde por entre as folhagens e os ramos inextrincáveis do seu plantio caseiro.
Este aqui, bastante ramificado, é o Boldo que serve para os problemas do fígado, como a ressaca, você sabe, e serve até para dor de barriga (Volto há 20 anos, que alivio!), toma-se no chá feito da folha. Esta é a Erva Cidreira, o melhor calmante do mundo (Hesito um instante com a informação, será que necessito?). Olhe aquele lá no canto, é o milagroso Mastruz para os pulmões, cura pneumonia, bronquite, raquitismo e chega até a sarar as feridas. Faz-me recordar da quase esquecida dor na perna. Ela prossegue divulgando suas plantinhas e fico a pensar na sábia mãe natureza, além de tudo nos dá de mão beijada, uma farmácia completa.
Outro dia, lendo a Vida Secreta das Plantas de Peter Tompkins e Cristopter Bird, na Biblioteca do Google Books, fui tomado de um súbito espanto ao saber que os vegetais possuem uma sensibilidade quase humana, que eles memorizam experiências de prazer e dor, sentem afeto e medo e são até capazes de se comunicarem com os homens.
Explico a Dona das Dores que o motivo de minha visita é simplesmente comprovar ou refutar aqueles inacreditáveis fatos e nada melhor que a palavra de uma perita que convive com as plantas, afeiçoada na lida diária, que dorme e acorda com elas.  Percebo um olhar demorado e perscrutador de uma Duente, a inquirir minudentemente a minha alma, como se eu fosse uma de suas árvores com folhas, ramos e caule e que acabou de dar frutos. Momentaneamente sinto um gelo quente na medula dos ossos, acho que foi o medo!
                 — Graças a Deus, amigo Raimundinho, você apareceu por aqui, agora posso conversar com alguém que, com certeza, me entenderá e não vai sair por aí afora dizendo que eu perdi o juízo só porque converso com as plantas.
Foi como se abrisse um daqueles livros raríssimo e amarelado pelos séculos, onde se guardam sagrados mistérios que nós, pobres mortais, nunca podemos saber.
— Primeiro eu lhe peço desculpas pela Espada-de-São-Jorge, notei que ela te confundiu com um inimigo, mas agora que sabemos quem você é realmente, sinta-se em casa! Tive a leve impressão que havia por ali, outras presenças, além de nós.
— Vou te contar tudo sobre as plantas, disse-me. Saiba que a vida que gozamos, neste velho corpo cansado, devemos agradecer a elas. Desde o sopro de nossos incansáveis pulmões, a esta energia pulsante no peito, até o reluzente brilho nos olhos, tudo isso é dádiva vegetal. São seres divinos cobertos de tantos mistérios que nem mesmo a sua observadora ciência chegou, de perto, a decifrar.
— Isso eu já sei Dona das Dores!
Ela sorri, ao notar minha impaciente curiosidade, e continua a falar confiantemente:
— Saiba você, que elas não gostam de barulho, possuem uma audição muito sensível, preferem a melodiosa voz do silêncio ou a música clássica de um suave violino. Inconscientemente, quebro um raminho verde de uma planta, confirmando um velho hábito.
— Pois bem, vamos ao que você quer saber realmente, elas têm consciência, sim, e reagem às pessoas. Esta plantinha que você acabou de quebrar um galho sentiu dor. Como não foi por maldade que você fez isso, ela suportou. As plantas não toleram é a maldade.
                 — Veja esta planta da folha larga e brilhosa, ela é muito poderosa, absorve a energia negativa das pessoas mal-intencionadas, como o mau-olhado, a inveja, e as transforma numa substância diferente que fica dentro da própria folha, por isso ela é muito venenosa, é a famosa Comigo-ninguém-pode.  São muitas as plantas com esses poderes especiais: a Arruda, a Pimenta, o Alecrim, o Manjericão, o Abre-caminho, o Pião-roxo, todas comprovadas pelas experiências pessoais e pela tradição histórica de milhares de gerações no longo caminhar da humanidade. Na Grécia antiga as mulheres já andavam com raminhos de arruda nas mãos, como um amuleto, para proteção. Você já deve ter visto um quadro do famoso pintor Jean Debret onde retrata o comércio de arruda, feito por escravas nas ruas do Rio de Janeiro.
— Raimundo, se tiver tempo, de uma voltinha pelas ruas da cidade e veja o que há na entrada das casas, olhe nas portas dos comércios do centro, você vai perceber como as plantas têm trabalhado duro para proteção das pessoas. É um fato, pode acreditar. Mas quero te alertar para uma coisa muito importante, algumas pessoas carregam uma maldade tão forte que estas plantas não suportam e morrem, você me acredita? Pois eu já vi gente secar uma planta só com o olhar!
Despeço-me, agradecido, daquela respeitável senhora, fada benfeitora das plantas, e olho assim meio atravessado para aquela Espada-de-São-Jorge que ainda não me parece nem um pouco amigável.  Saiu dali convicto de que, tanto no mundo animal como no reino vegetal, há algo a mais que minha vã expectativa, e que a minha vida sempre estará fundamentada, convicta e saborosamente,tanto nos fatos reais da vida quanto nos indecifráveis mistérios que nunca decifraremos, nem com a morte.

Raimundo Candido

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Ultima palavra

Elias de França
Não, não me olhem assim
com os olhos de dores e indagações
Não tenho mais palavras

Nada mais direi
de pranto, pesar e culpa...
Até as flores já cheiram à parafina
e as brisas, antes doces, cantam incelências.
O verso não cura nem alivia: engana(dor)!
Cantar a morte é matar o instante

Câncer, tragédia, homicídio, suicídio...
Rezas, epitáfios, cartões pósteros...
Como um pássaro, um cão, um rei...
tudo é simples e terrivelmente morte:
inexplicável, feio, irremediável.

Não me olhem assim
Não me queiram nem tentem me dar palavras
Apenas carreguemos, vivos,
as pesadas cargas de saudades!

Raimundo Candido disse...
Como um Messias ou  incomum profeta, os poetas (Elias!) transportam as dores do mundo, mas como extraordinários magos ou bruxos as transmutam em pura alegria para o espanto dos olhos daqueles que ainda aprendem a enxergar  poeisa ( Eu!).

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Montanhas, garças e Maria


Elias de França
As garças, nunca se sabe
Se em pouso ou em pose
Seja no jardim ou lago
Se de gesso ou osso e carne
Textura: tinta ou plumagem
Se o branco é divindade
ou disfarce das imundices que engole...

Montanhas, nunca se sabe
se são azuis, roxas ou verdes
as torres, de pedra ou nuvem
além, aquém do horizonte
Se pôr os pés
ou só o olhar...

Maria, nunca se sabe
Se é poeta ou canalha
seu bem-querer, afinal,
Se um, tantos ou ninguém
Se eu ou todos os outros...
Se é amada também!

Memória fluvial
                                                                            (Ao rio da Dona Delite)
Refletia tanta água
no sábio facho de luz,
por onde seu riso lacrimal
e ríspido, fluía obsequioso.

E se alagava, pelos baixios,
lívida num liquido rosto,
imagem a se perder de vista
grudada nas águas do poço.

Num imprescindível fluir
dissipou-se, gota a gota,
até seu último anseio
pela sedenta calha do rio.

Das águas, antes perenes,
a confluir em magistral dança
só remanesce um jorrar escasso
de uma intermitente lembrança.

Raimundo Candido

Paulo NazarenoFeb 2, 2012 12:30 PM
Cristalino!
Em tempo: por obséquio,mande a dica de como publicar neste site.
Carpe Diem.
PN.