quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Um dia, Raquel bateu na minha porta.



Um dia, Raquel bateu na minha porta: Toc!  Toc!  Toc!   
- É o Professor Raimundo Cândido? Aquele que quer ser poeta sem poder?
- Mas menino, se não é a grande Raquel de Queiroz em viva alma, que vem da fazenda Não Me Deixes!
- Sim, meu amigo e vim lhe dar um conselho, e seriíssimo por sinal, em nome da boa literatura, já que alguns de seus amigos, como o intelectivo caçoador  Luciano Bonfim, o crítico impiedoso Silas Falcão, o tatu-bola zombador  Edmilson  Providência, o arisco poeta Lourival Veras, o pertinaz jornalista César Vale e muitos outros, indiretamente,  lhes preceituaram e você se fez de mouco!
- Não estou compreendendo, Dona Raquel!
- Viu! Já está se fazendo de desentendido.  É o seguinte, vamos direto ao ponto nevrálgico da questão! Amigo, você tem que parar de insistir com o que não poder ser! Quem já viu urubu querer cantar como galo. Você já viu uma vaca voar, Senhor Raimundo?  Poesia é coisa séria, embora não sirva para nada, mas somente os escolhidos das musas é que podem mexer e remexer com os seus acordes. Então, como você é uma pessoa de boa índole e até gostei quando reclamou do abandono da Praça dos Leões, aonde resido agora, vim lhe pedir para que você arranje outra coisa para fazer, a xilogravura por exemplo. Não vê aí, o Almeidinha, quem o observa até diz que é um grande ator de novela e nem nota que é melhor artífice do mundo.  Não querendo, vá ganhar dinheiro! Deixe essa desventurada profissão que escolheu, seja comerciante como seu pai foi ou se candidate a vereador por um partido sério, a cidade estar muito a precisar. Tem muita coisa para você fazer, pela arte e pelo pão, mas pela poesia... Não!
Mas pensando bem, por pura simpatia e notar que tem tanta gente sem a mínima condição tentando entrar no Reino dos Versos sem antes passar pela Portão da Virtude,  vou lhe desaconselhar da minha deliberação. Insista mais um pouco! Não dizem que quem não arisca não petisca, pois sim!  Olhe, um assunto que tenho bastante experiência é sobre as secas e na sua região é coisa que nunca faltou, escreva sobre isso. Água mole em pedra dura... Vá tocando a sua corneta devagarzinho, um dia a nota soa!
Mal Raquel dobou a esquina, rumo ao trono literário que lhe é reguardado, já tinha tomado uma firme decisão. Escorar-me-ei, como sempre faço, na infinita paciência de meu amigo Gilberto Pereira, pois sempre que escrevo uma prosa ele afirma que tem verso e eu, inocentemente, acredito! Seguirei o segundo conselho da amiga Raquel, um dia eu aprendo, e não darei, aos amigos da onça, o gostinho de me ver desistir de um sonho tão facilmente.
PS: Antes de dobrar a esquina, Raquel olhou para trás, com aquele sorriso doce-meigo de sempre, mas tinha um quê a mais, que ainda estou por adivinhar!
Raimundo Cândido

- E agora, Raimundo?


- E agora, Raimundo? 
Teu verso acabou,
tua prosa sumiu
e vieste a mim.
 Milagre?  Faço não,
por tua fraca inspiração!
                                 - E agora, Raimundo?                             
Feito aventureiro,
metido a sabichão,
acabou-se a animação,  
minguo o dinheiro,
e foi-se a alegria
de quem corre atrás de poesia!
- E agora, Raimundão?
- Tem nada não, Drummond!
A gente se faz de itabirense
que tem ferro na alma
para confrontar o Vasto Mundo.
Com jeitinho crateuense
e muita coragem na cara
se inventa até disposição!
- Ah, agora sim Raimundo,
me animei deveras
e mesmo no aperto de aposentado 
lhe empresto uns trocados,
para voltares pro teu Ceará!
- Valeu, Drummond,
até a próxima!

Raimundo Cândido