sábado, 28 de janeiro de 2012


Bibliófilo
Outro dia recebi a visita de um velho conhecido – há tempos tomo cuidado em manejar a invulgar palavra amigo – que me viu cercado por uma profusão de livros espalhados por todo canto, ostentados nas prateleiras, dispersos sobre uma mesa, apoiados em cadeiras, abandonados pelo chão e um amarelado alfarrábio de poesia descerrado em minhas mãos, lhe dando a impressão que eu sou desorganizado.
Assim, com um espírito presunçoso de quem só tem cifrões estampado na bila do olho, foi logo soltando uma descortês pergunta, que comprova a ausência de desenvolvimento espiritual e constata a falta de desempenho cultural: 
– Para que serve essas pilhas de livros, meu amigo Raimundo? Você gasta uma fortuna com essas coisas inúteis, sem serventia, como essa tal de poesia, para que lhe serve toda essa literatura?
Fiquei arrependido, porque na hora não respondi a altura, mas para indivíduo assim, não adianta a gente perder tempo expondo muita coisa, não. Realmente, seria até difícil explicar àquele cidadão minha veneração a uma coisa de utilidade aparente, como à poesia. Acho, porém, que eu devia ter respondido na bucha que podia não servir para ele, pelo menos essa insatisfação não teria me acompanhado desde aquela ocasião!
Não sabe o estúpido tolo que é indescritível o prazer de um passeio por entre as páginas de um bom livro, num deleitante e recíproco dialogo. É como um ser animado, que vai falando e minha alma prossegue respondendo, numa prosa solta, na mais harmoniosa das conversas, que às vezes, chego a esquecer que preciso de companhia humana. Todo meu longo silêncio ganha uma voz dialogada, que logo se transmuta num exercitado monologo entre o meu atônito pensamento e esta esbranquiçada folha de papel que lês, agora.
As bibliotecas, como o amplo mundo, deviam estar sempre de portas abertas, até nos dias santos e feriados, pois é crime culposo deixar um livro calado, amordaçado, num silêncio sepulcral o ano inteiro, como ocorrem nos desleixados colégios, onde o livro é só um mero enfeite de prateleira. 
A arte da leitura é uma atividade para todas as idades, dos oito aos oitenta, como até recentemente me assombrava a capacidade de uma jovem chamada Delite, uma bibliófila que aos 93 anos lia com sofreguidão intelectual de um sábio, de um erudito, me induzindo a inveja, pela sua disposição para a leitura, uma verdadeira legente que sorvia as palavras com afã e sem aquele repentino cansaço que minha mente sempre inventa para favorecer a indolência.
                Certa vez, houve uma importante conversa entre um pai e seu querido filho, que relatarei aqui. O zeloso pai pergunta carinhosamente ao pequenino:
- Thalles, o que você vai querer de presente, no seu aniversário?
O denotado filho, rapidamente responde, com uma imensa alegria nos olhos:
- Oba! Eu quero um livro, meu pai!
O pai tenta dissuadi-lo daquele fixo desejo:
- Novamente livros, meu filho! Peça um brinquedinho, já chega de tantos livros!
                Propositalmente inverti o enredo desse episódio, porque era meu veemente desejo impor o hábito da leitura ao meu filho e não ouve como achar um meio, por mais que tentasse trocar a bola pelo livro. Mas espero que ele descubra logo que os livros também são brinquedos feitos com letras e que ler também é divertir-se, é poder continuar a brincar pela vida afora, mesmo tendo o privilégio e a primazia de viver até os 93 anos sofrendo desta doce obsessão, chamada bibliofilia.

Raimundo Candido

Em primeiro lugar, gostaria de transmitir minha satisfação e honra por enxergar os livrinhos de minha autoria expostos no vídeo acima.
Gostei bastante da sua resposta àquela insolente pergunta.
Ah, se todos tivessem a disposição insaciável de Dª. Delite, aos 93 anos, "traçando" com sofreguidão toda e qualquer obra que lhe chegava às mãos!
Por certo, não estaríamos constrangidos ao entrar em nossa biblioteca e sentir os apelos contundentes de todos aqueles livros que não conseguimos ler...
Esta crônica ainda vai poder ser compreendida de coração por muita gente !É gostoso encontrar no vídeo alguns velhos amigos !Os livros de José Alberto de Souza, os Cânticos de Cecília Meireles, Os Signos em Rotação...
Vamos espalhar por aí o gosto da leitura !

Hoje tem espetáculo? Tem sim senhor!


É no teatro Rosa Moraes, às 20 horas! Encontraremo-nos lá!

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

DASAFIO DE REPENTE ONLINE

Os dias presentes contam com um elemento novo, já quase velho, que são as redes sociais virtuais. Para alguns, um amontoado de bobagens circulando diariamente, reflexo da forma de vida urbana, massificada, que não comporta a inteligência.
Mas assim como as instituições antigas, as redes sociais são o que as pessoas fazem delas. Eis um exemplo:
O poeta popular cordelista Arievaldo Viana postou uma foto de uma bodega no facebook. De imediato foram surgindo os comentários para a foto. O proprio Ari, também, comentou um detalhe da imagem, que é a imensa quantidade de papel higiênico, o que, para ele, representava uma mudança de hábito do sertanejo: a aposentadoria do velho sabugo, aquele do lema "tem a tripla serventia / limpa, coça e pentia".  Fabio Sombra, em seguida, postou uma estrofe sobre bodega, papel higiênico e sabugo, iniciada com os versos "uma bodega no mato / não precisa ser sortida".
Daí, Arievaldo, então, lançou um desafio, que acabou virando uma cantoria de repente online. Veja no que deu:


Arievaldo Viana: Aos poetas de plantão. O mote é: UMA BODEGA NO MATO / NÃO PRECISA SER SORTIDA.
Cantoria no FACEBOOK debatendo o mote:
UMA BODEGA NO MATO
NÃO PRECISA SER SORTIDA
Foto: Francisco Estrela

Fabio Sombra

Uma bodega no mato
Não precisa ser sortida.
Mas papel pra limpar bunda
Tem a venda garantida
Pois até cu de matuto
Já está “miózim” de vida!

Arievaldo Viana

O papel não é refugo
Mas no tempo da vovó
Pra limpar o fiofó
O bom mesmo era o sabugo
Ao meu leitor não alugo
Minha rima é garantida
Pra quem melhorou de vida
Sabugo é um desacato!
Uma bodega no mato
Não precisa ser sortida.

Tem um lampião a gás
Manteiga, doce e bolacha
Um vinho também se acha
Mas sabugo não há mais
Porque na parte de trás
Matuto mudou de vida
Quer maciez garantida
Pois o papel dá bom trato
Uma bodega no mato
Não precisa ser sortida.

Fabio Sombra

O povo de antigamente
Era calmo e mais pacato
E o sabugo preferia
Por ser prático e barato.
Não precisa ser sortida
Uma bodega do mato.

Arievaldo Viana

Uma bodega no mato
Tem muita aranha na teia
Prateleira empoeirada
A parede muito feia
Mas nada disso eu refugo
E até prefiro o sabugo
Que limpa, coça e penteia.

Fabio Sombra

Papel branco e bem sedoso
Papel couché ou jornal
Papel liso ou bem rugoso
Papel lixa ou vegetal.
Nas cidades e sertões,
Muitas são as opções
Para a higiene anal...

Leo Medeiros

Uma saca de feijão
com a boca arregaçada
linguiça dependurada
cinco barras de sabão:
quatro sacos de carvão
uma caixa de bebida
na prateleira comprida
veneno pra matar rato
uma bodega no mato
não precisa ser sortida.

Quatro latas de sardinha
pacotes de soda preta
elástico, linha e chupeta
cuscuz, ovos de galinha;
uma saca de farinha
remédio que tem saída
um bêbado dando mordida
na sobrecoxa de um pato
uma bodega no mato
não precisa ser sortida.

José Alves Coelho

Arievaldo Viana
Se meteu numa refrega
No terreiro da bodega
Na sobra da cajarana
Com o bucho cheim de cana
Perdeu a noção da vida
Pouco antes da partida
Comeu e cuspiu do prato
Uma bodega no mato
Não precisa ser sortida.

Elias de França

Basta ser que nem a vida
de quem bebe agua no pote
que veve dando pinote
pelas istrada comprida
basta ter uma saída
a merma que é entrada
numa boa rede armada
tirar um sono de gato
uma bodega no mato
não precisa ser sortida

José Alves Coelho

Mas depois Arievaldo
Bom caráter como é
Fez sua profissão de fé:
“AGORA SÓ BEBO CALDO”
Recuperou o respaldo
Depois que mudou de vida
Dedica parte da vida
Às lutas do sindicato
Uma bodega no mato
Não precisa ser sortida.

Arievaldo Viana

Certamente, no balcão
Tem bacia de paçoca
Garrafas de Ypióca
E conhaque de alcatrão
Desse da marca SÃO JOÃO
DA BARRA, boa bebida
Tem sardinha, tem batida,
Tem aranha e carrapato
Que uma bodega no mato
Não precisa ser sortida.

José Alves Coelho

Versejou quem já faz dias
Que não vejo e não abraço
Pois vive me dando traço
O grande Poeta Elias.
Este não se mete em frias
Faz da arte a sua lida
E, como Ari, retrata a vida
Em versos de fino trato
Uma bodega no mato
Não precisa ser sortida.

Arievaldo Viana

Vovô tinha uma bodega
Com sortimento aprumado
De tanto vender fiado
Sofreu terrível refrega
Mas quem luta não se entrega
É esta a lição da vida...
Antes de sua partida
Ele fez este relato:
UMA BODEGA NO MATO
NÃO PRECISA SER SORTIDA.

Meu caro ELIAS DE FRANÇA
E JOSÉ ALVES COELHO
Aos amigos aconselho
A continuar na dança
Pois quem rima não se cansa
De persistir nessa lida
Minha viola querida
Bota tostões no meu prato
E uma bodega no mato
Não precisa ser sortida.

Monnalysa Araújo S

Agora é a minha vez,
Que a rima já tá comprida.
Só tem cachaça e papel
Não precisa da comida
Depois de beber,faz 2
E assim se leva a vida
Não liga se tem barata
Cobra,escorpião ou rato
Porque bodega no mato
Não precisa ser sortida!!!

Elias de França

Quem é França tambem dança
Monalisa entrou na Rima
Coelho tá mais em cima
Com a sua fala mansa
Amizade é a herança
guardada por toda a vida
que torna mais leve a lida
seja a distância um fato
uma bodega no mato
não precisa ser sortida

Barros Alves

Se tiver umas cachaças
A coisa tá resolvida,
Não precisa de mais nada,
Pode até já tá falida,
Para que tanto aparato?
UMA BODEGA NO MATO
NÃO PRECISA SER SORTIDA.

O poeta Arievaldo
Resolveu mudar de vida,
Já montou um botequim
E empreendeu nova lida,
Vende “churrasquim de gato”
QUE UMA BODEGA NO MATO
NÃO PRECISA SER SORTIDA.

E agora quer propaganda
De graça, assim no barato,
Ô poeta véi sabido,
É um João Grilo gaiato...
Nossa missão foi cumprida:
- Não precisa ser sortida
Uma bodega no mato.

A garota Monnalysa,
O Coelho e o Elias
Não entram em vãs porfias.
É gente que não alisa,
Observa e analisa
No verso cordeliano.
Quando afirmo não me engano
Pois não me fio em boato.
É coisa certa e sabida:
NÃO PRECISA SER SORTIDA
UMA BODEGA NO MATO.

Fabio Sombra

Vou glosar este mercado
Com minhas décimas também
Vou cantar o que ele tem
Em cordel bem alinhado
E assaz metrificado.
Venda pobre e esquecida
Mas vivaz, tão colorida,
Fizeste nascer poesia
E inspiraste a cantoria
POIS BODEGUINHA NO MATO
NÃO PRECISA SER SORTIDA.

Arievaldo Viana

Uma bodeguinha desta
É melhor que um SPA
Fica aqui no Ceará
E quem vai lá, faz a festa
Porque cachaça só presta
Quando já está bem curtida
Com a tampa encardida
E roída pelo rato
Uma bodega no mato
Não precisa ser sortida!

Elias de França

Uma simples bodeguinha
sem precisar ser sortida
antes no mato escondida
com sua sorte em definha
Ari deu-lhe uma meizinha
a meteu numa peleja
e agora o senhor veja
tinha matriz varonil
a força daquele ato
a bodeguinha do mato
tá virando um mercantil

começou pelo sabugo
que limpa, coça e pentia
mas este artigo hoje-em dia
coitado, ficou tansgênico
então o papel higiênico
tomou lugar na bodega
esta foi ficando mega
comendo cada bocado
sortida com aparato
a bodeguinha do mato
tá ver um supermercado
...

Agora é com você, leitor! Mande seus versos!

JoseIran Santos 
Vai ter gás pra lamparina
E rapadura das boas
Quatro pacotes de broas
Ração pra galo-campina
Farinha só tem da fina
Charque, só da curtida
Raizada bem batida
Mas não tem ração pra gato
Uma bodega no mato
Não precisa ser sortida.
Gotardo Beserra Bomfim

Já vi até mortadela
pendurada na parede
quartinha pra matar sede
cinco pacotes de vela
cumbuca, saco e panela
querosene e formicida
coisas que pra nossa lida
são necessárias de fato
uma bodega no mato
não precisa ser sortida
                                                                     Preito à loucura

Mal a locomotiva principia na curva, o maquinista já olha para trás, verificando se há uma inoportuna cabeça se mostrando no portão aberto de um dos barulhentos vagões. É comum um clandestino subir, em surdina, sem murmúrio, sem leve sombra, aproveitando uma rápida parada numa estaçãozinha à beira da linha. Raramente é um destes desprendidos andarilhos, que vivem à toa, sem a reminiscência da uma partida ou a ânsia palpitante de uma chegada, afigurando-se como um poeta ou vagabundo. Ele sabe que é mais provável ser um insensato, algum infeliz demente que o mundo fabrica e que constantemente os encontra palmilhando os equidistantes trilhos, percorrendo sem ermo e com desatino numa infinda contagem dos dormentes.
                Muitos descem na acolhedora Estação de Cratheús, tangidos pelo zelo profissional do Auxiliar de Maquinista, e acabam achando refúgio em suas ruas hospitaleiras e na propensão de um povo em admirá-los, mas também com o insano e cruel hábito de atordoá-los. É uma nova atração que chega e a cidade engole aquela loucura e também se alucina, calmamente, como uma substância primordial para alimentar a sufocante melancolia.   
                Muitos engendraram sua insanidade por aqui mesmo, são os loucos de casa. Alguns, prisioneiros, as famílias os vigiam e protegem. Outros, que correm livremente soprando uma insensatez em descontrolado espetáculo, nos assombram, pelo paroxismo do incomum, chegando à fronteira do insuportável. 
Outro dia andando pela Rua Barão do Rio Branco – que logo deve ceder a placa de rua para o nome de um crateuense ilustre - já em frente ao Armarinho Literário da escritora Ana Cristina, vejo-a em desesperada aperreação, estava sentada no batente de sua loja, nada mais nada menos que “A Ninja”, uma figura misteriosa e obscura, desprovida de qualquer senso critico, com um pano preto cobrindo o rosto e uma pontiaguda arma na ponta de um cajado, querendo a todo custo um livro para ler. A poetisa Ana teve que entregar, para se livrar daquele insano mito do Japão, o livro “Cantigas do Oco do Mundo” do poeta e também acadêmico Antonio Elias de França. Tomara que a poesia tenha-lhe acalmado os nervos. Lá na frente o Dom Ratinho, outro estranho demente, caminha acelerado e soltado altos esturros, intensos berros chamando atenção dos transeuntes por ter sido enfezado pelos tumultuosos Mototaxistas. Já não se fazem mais doidos como antigamente.
                Perambulava pelas ruas de Crateús um doido chamado Cabral e um valente Tenente denominado Nonato, ambos uniformizados a caráter.  Cabral por deslocada paixão militar, e o Raimundo Nonato por predestinação cívica a Nação. Um fazendeiro, querendo agradar o Tenente, lhe manda um gordo Peru para a véspera de Natal. O ingênuo portador, avistando o Cabral de uniforme todo rasgado, lhe pergunta:  — O Senhor conhece o Tenente Raimundo Nonato? Eu trouxe um peru para ele!  O insano Cabral responde de imediato, com sua voz grossa: — Está falando com ele!!!  O fazendeiro ao encontrar o Tenente, indaga: — Que tal o peru, Comandante! O coitado do insensato Cabral pegou um duro xilindró, mas comeu peru no natal.
Perambulava pelas ruas de Crateús um homem que ao perder o juízo se metamorfoseou num caminhão.  — O Chico Budú já está lá fora! Avisava alguém da chegada do caminhão humano, que sequer subia na calçada, pois automóvel tem que estacionar é na rua. De lá mesmo esticava o braço com uma latinha surrada e imunda. Água, café e comida, tudo na mesma vasilha como se abastecesse o tanque de gasolina. É assim a mente humana, uma alma triste, mas sem nenhum tormento. Só víamos ali, no meio da rua, a sombra de um ser que foi alguém que sorriu e que amou um dia. Um esquelético fantasma, um risível espectro pensando que era um carro, nada mais de um homem restou.
Perambularam pelas ruas de Crateús tantos mansos doidos, e ainda nos deixaram saudade, como o Capão, em quem todo sapato dava no pé dele. A macaca caiu, o Paulão, a Careca que após proferir uma montanha de impropérios, inocentemente dizia: — Há meu Deus, tanto nome feio que eu sei e não me lembro de nenhum!
                Vagueava pelas ruas de Crateús o Pirulito, um insano, mas protegido pelo grande empresário José Arteiro da Empresa Rápido Crateús. Alguém propositalmente pedia: - Pirulito mata o bode! Com as mãos dava uma tapa na nuca, reproduzindo um pesado machado, emitia um longo berro e se tremia como o animal morrendo.
                Perambulava pelas ruas de Crateús, o Rouxinol, com os neurônios corroídos pela cachaça Lagoa do Barro a lhe trazer horríveis alucinações, ficava encostado nas paredes da Igreja da Matriz, dizendo alto e em bom tom: — Lá vai o diabo me levando...  — Lá vai o diabo me levando...     — Lá vai o diabo me levando... 
 Dizem que a loucura não é hereditária, embora alguma família seja propensa a apresentar mais loucos que as outras. Acho que por ter um pouquinho do sangue de Dona Maria I, a Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita Joana, que o Rio de janeiro chamava A Louca, tire só pelo nome, uma loucura.
É imperceptível a faixa de transição entre o dualismo existencial de sanidade e de loucura. Há tanta sensatez revestida de loucura e tanta loucura ornamentada de sensatez que acabamos descobrindo uma pura razão na loucura, uma insanidade lúcida.
                Um especialista uma vez me que disse: não adianta camuflar aquele fixo olhar, aquela sensação que corrói a nossa alma e atormenta a nossa mente, a única explicação é a loucura, uma loucura disfarçada que deve ser assumida e dignificada, mas de qualquer forma, loucura.
Eu não sei não, mas estou percebendo que, com este meu sorriso inadequado no rosto, e por não escrever mais coisa com coisa, alternando os elementos concretos com os entes abstratos de um céu azul, colado ao cinza da terra que compõem a natureza cósmica a configurar todo o paradisíaco ar que respira meu ser, é coisa de quem estar ficando pires, não acham?
Raimundo Candido

Jose Alberto de Sousa disse...
Gostei do refrão - perambulava - no início de alguns parágrafos, dá bem uma ideia dos descaminhos a que são conduzidos os insanos.
Lembra-me a história de um colega de trabalho que andou pela minha terra e, ao regressar, comentou que tinha gostado da cidade, só que nunca tinha visto uma concentração tão grande de malucos como aqueles que "perambulavam" por lá.
E ele ainda teve a desfaçatez de descrevê-los um a um com toda riqueza de detalhes para que eu os reconhecesse sem hesitar
Ana Paula disse...
Acho! Prof. Raimundim, que tipo de elixir ( Ainda é a amargosa?) o senhor anda tomando para estar escrevendo assim? Aquele professor que ensinava Matemática ainda existe? O senhor está de parabéns e a Academia de Letras de nossa terra, também.
Ex-aluna Ana Paula. (A que o senhor chamava “A santinha”, lembra-se? Desculpe-me, pelas traquinagens!)

Elias de França disse...
A distância entre os extremos deve ser mesmo muito pequena: entre a dor e o prazer, o ódio e o amor, a loucura e a genialidade... Raimundo, o Cândido e, talvez, louco tambem " por não escrever mais coisa com coisa", cada dia se revela mais genial em sua prosa fluente, embelezando as agruras de nossa vida carati.
Já virou moda a gente postar isso, mas lá vai de novo: parabens, poeta!

NEGAÇÃO DA NEGAÇÃO (ou Novo Poeta)

Elias de França

Continua...
Sim, sou poeta,
ser pensante.
De minha boca, muitos ouviram sussurros...
Clamo que não esqueçam:
serei, sim, testemunha do meu verso.
Sempre disse algo;
sempre direi algo;
sempre farei algo.
Negar isto faz de mim um homem comum?
Pois mal;
não me entrego.
Quer sofra o estômago;
quer falte cafuné;
quer perca mil bons-dias.
E agora, devo  morrer?
Está errado!
Estou de mal com todos...
Até comigo!
Neste instante, nada me conforta:
nem o dever de ser verdadeiro.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

SABI abre inscrições para curso de Contação de Histórias


A Sociedade Amigos da Biblioteca Norberto Ferreira Filho – SABI, através do Ponto de Cultura "Cultura é para todos", abre vagas para o curso de Contação de Histórias. As inscrições podem ser feitas até o dia 31 de janeiro na Sede da Academia de Letras de Crateús - ALC/SABi, rua do Instituto Santa Inês, 231 – Centro, nos períodos da manhã e da tarde. 

Podem participar crianças, jovens, adultos e idosos. O curso é gratuito. 

Realização: SABI e Ministério da Cultura.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

                                      
                          
                                                           Eudismar Mendes


                                              Saudades do Ipu

O encontro no Ipu
Foi espetacular
Foram tantos os bons momentos
Que nem dá pra falar

O trabalho da Lucinha
Foi de grande valia
Do Silas e do Airton
Do Mourão da Academia
Nos trouxe contentamento
E muita sabedoria

E nosso próximo Encontro
Será em Crateús
Ao SESC o nosso reconhecimento
E pedidos de muita luz
Para que o Abraço cresça
Do jeito que nos seduz

Estamos super motivados
Para escrever e mostrar
Que no Abraço produzimos
Pelo gosto de criar
Mas a facilitadora é 10
Não tem quem comparar

OBS: Esta poesia foi escrita e lida pela Abracista Eudismar Mendes durante a reunião do Abraço Literário, dia 17/01, quando todos os abracistas comentavam a satisfação de ter participando do 1º Encontro Cearense de Escritores. Crateús surge como a grande espectativa para o 2º Encontro Cearense de Escritores. Faremos bonito, camaradas. A facilitadora citada pela Eudismar é a Lucinha Marques, coordenadora do Abraço Literário.

Silas Falcão. 

domingo, 22 de janeiro de 2012

                                                 A Mudança

Quando alguém, muito querido, parte, as coisas se modificam na estrutura dos que ficam. Há dias mastigo uma antiguíssima frase que diz: nada é permanente, exceto as mudanças e acho que essa é a primeira lei geral da vida. É um velho hábito, ficar remoendo as lembranças, preso ao passado, atônito no presente e com medo das incertezas do futuro.
No consenso da família, resolvemos mudar de ares, nunca no sentido de esquecer, mas em busca de mudança para trazer alivio.
Não conseguimos ir muito longe, um quarteirão e meio de distância nos afasta agora do antigo nicho matriarcal, onde constantemente nos reuníamos em busca da radiação amorosa de fé, força e coragem.  No novo refúgio, um lenitivo... Que esperança!
E a vida, inexorável e ríspida, que a gente oleia com escassas lágrimas, prossegue.
Saímos da barulhenta Praça da Matriz e fomos nos agasalhar na Praça do Barrocão, (Desculpem a esse desleixado escriba!) corrijo: a Praça Luisa Passos, a primeira matriarca, que não nos deixou lá muitas notícias de seus longínquos rastros, quando andou por aqui, se andou.
As praças nascem para serem agitadas mesmo, travessas crianças correndo, brilho nos olhos dos namorados fervilhando em hormônios, velhinhos alegres passeando e as andorinhas chilreando nas copas das arvores. Opa! Novamente me perdoe, meus amigos, essa praça é a de meus desatinados sonhos, que sempre aparecem para me atrapalhar. É só minha defeituosa disposição de sintetizar uma luz mítica com o pó real da vida e alternar os elementos concretos com os entes abstratos de um céu azul, colados ao cinza da terra que compõem a natureza cósmica a configurar todo o paradisíaco ar que respira meu ser, é só isso, e se não me falha a memória, eu já lhes disse uma vez.
Tenho ainda, estampado na retina, um imenso terreno baldio onde a meninada corria atrás da bola. Alguns, desajeitados pernas de pau, como quem vos fala, só admiravam as proezas de um Luciano Freire com sebo nas canelas, driblando até o vento, ou a despreza de um Corró, ou a habilidade de um sereno Paiva que já se mostrava como um Zinedine Zidane lá das Europas.
Era o Barrocão de tantos Parques de Diversões, com imensas rodas gigantes, canoas a pendularem, no limite do coração, quase a sair pela boca, os tiros ao alvo e um alto falante na ponta de uma longa estaca espalhando recadinhos apaixonados de certo cicrano para tal fulana.  
Até o vento daquela saudosa época brincava com uma irrequieta biruta e, raramente, se aquietava dentro da primeira estação meteorológica a medir o nível das raríssimas chuvas.
Ali, sentado na calçada, o Professor Luiz Bezerra, Prego Dourado, já matutava uma saborosa crônica, para ser lido pelo locutor Edson Martins,  veludosa voz, no transmissor radiofônico da Educadora.
O meu amigo Batista, o irmão do Tobinha, filhos da vaidosíssima Dona Maria Bonfim, depois de um árduo dia de trabalho, já sai à porta da rua, se preparando para mais uma noitada de boemia, a espalhar alegria com sua risada melodiosa.
Volto a mim, com a passagem de um ruidoso carro de som — num reforçado Efeito Doppler que só a Física explica — apregoando os módicos preços de um conhecido supermercado, me fazendo lembrar a causa da extinção de todas as poéticas bodegas do mundo. Antes já havia passado, por aqui, a Fatinha do Carro de Som, cantando sua nova melodia: ”Tá lisim, tá lisim, tá lisim dando uma de riquim....” Ainda bem que já saiu do Hid Parade seu outro grande sucesso: “Tira!Tira! Tira a ....”  
Já estarei preparado para ouvir todas as maravilhosas músicas da Xuxa quando passar, logo mais, embaixo da minha janela o novo trenzinho amarelo-onça do Louro da Cruz, lotado de barulhentas crianças, com uma precisão periódica em seus intervalos regulares, justamente quando se precisa ouvir algo importantíssimo ou no exato momento do Jornal Nacional, não falha!
O difícil neste novo endereço é fazer meu penoso regime. Fiquei bem no meio de uma geração Coca-Cola que vive a comer e se alimenta do câncer embutido em todo lixo comestível.
Nos vapores enjoativos das frituras que constantemente me chegam ao nariz e aos olhos, devoro dezenas de hambúrgueres e de X-burgeres, todos com bastante maionese e ketchup.
Alegrei-me quando uma respeitável moradora, a digníssima Ivane Sales, antiga guerreira das causas nobres, passou por aqui com um abaixo-assinado contra essa situação e identifiquei-me na lista, acordando totalmente com as súplicas ali expostas e como novo morador do Barrocão.
 Dizem que o comer é que faz a fome. Dizem também que a humanidade sempre girou sobre esse perverso eixo de desesperada fome, — os políticos bem o sabem!  Logo, enquanto o resultado da nossa reivindicação não vier, vamos comer, mesmo que venha uma insuportável indigestão! Bom Appétit! 

Raimundo Candido