sábado, 18 de maio de 2013

Jericoacoara



Céu de Jeri...
As estrelas persistem 
abobadadas,
enquanto um reggae tumba,
caloroso, gingando
nos vapores da madrugada!
Um cometa passa,
caduco, pálido e triste
revelando os fractais do ar
e no mangue escaramuça
um melindroso cavalo marinho!
Só o reggae não sabe que o dia chegou
broxado nos primeiros intentos
do azul do céu no verde do mar
que acinzenta a pedra furada
brindando um pétrea alma
no delírio de Jijoca Jeri!

                       
                                         RAIMUNDO CÂNDIDO

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Amâncio e Amália


                                                          
As travessuras sinuosas do Rio Poti, pelos descampados dos Sertões de Crateús, aspergiram benesses e os aromas dos currais nas margens do intermite curso fluvial, eram as centenárias fazendas de gados que a colonização estampou nos vales inundados por correntes impetuosas, desde o reinado dos índios kara-thi-us, por essas longínquas plagas.
O Senhor Antônio Paulinho, vaqueiro da Fazenda Barreiras que margina o rio um pouco acima da linha urbana pelo lado esquerdo de seu fluir, há três dias soltava uma tropa de animais, seis burros de cargas, duas mulas mansas e uns cavalos de selas nos pastos verdejantes da croa do rio e isso após remoerem, pela manhã, um embornal de milho para enfrentarem a íngreme ladeira dos Tucuns. Recolhera os animais na lua clara e colocara as esteiras forrando o lombo dos brutos.  Alguns, receberam cangalhas com jacás, outros um par de caixotes enforquilhados, os mais mansos acolheram as selas acolchoadas com a arreada de sola crua, para o comando de uma longa viagem. Uma lucrativa fazenda, se não for nas margens de um rio, tem que ser no lombo da Serra da Ibiapaba com as graças abençoadas de um clima amenizado. O crateuense José Amâncio Correia Lima, dono das propriedades Barreiras no sertão e do Sítio São Francisco, no íngreme topo da Serra dos Tucuns, sabia muito bem disso! Ordenara para a primeira hora da madrugada, na sua residência à Rua Firmino Rosa nº 32, em frente à Igreja da Matriz, a chegada dos animais. Sairiam, para São Francisco, precisamente às duas da manhã!
Pontualmente, a tropa chega, mas Zé Amâncio já sentira de longe o Topoc, topoc, pa ta ti pa ta tá das pisadas descadenciadas que ocorrem na mistura de diversos animais, que agora estavam emparelhados ao meio fio da calçada, prontos para receberem os nobres passageiros e as impreteríveis cargas da viagem. A família Correia Lima, mais uma vez, subiria à Serra aproveitando as férias escolares dos meninos e da professora Amália de Souza Lima. Participariam da animadíssima farinhada na serra, beberiam garapa nas moagens do Engenho de Cana e se deleitariam nas noites enluaradas ao som da viola chorosa do Seu Canuba, embaixo dos imensos cajueiros e manguezais. 
Notando o patrão abrir um portãozinho na frente da casa, com duas letras centrais, AA, coladas no centro de um círculo de ferro, símbolo de um grande amor à Romeu e Julieta, o vaqueiro das Barreiras se apresenta:
— Cheguei com toda tropa, Seu Zezinho!
Amâncio responde, todo cortês: — E bem na hora, Toinho! Apeie-se e venha tomar um cafezinho, com pão da padaria do Senhor Norberto, que está cada vez mais fino e se continuar neste pendor o padeiro poderá, em breve, entregá-lo nas nossas casas pelo buraco da fechadura!
Enquanto o vaqueiro se alimenta, Zé Amâncio continua a falar: — Vou pedir para Amália acordar os meninos e os arrumar para viagem. Deitamo-nos bem cedo, mas a Banda de Música do Coreto caprichou muito bem ontem, o pistão do Benedito duelou com a trompa do Sebastião-do-Padre a noite inteira. Teve lá quem dormisse, Seu Toinho!
Enquanto os sonolentos cavaleiros-mirins se acomodam nas celas, o cuidadoso vaqueiro coloca os mantimentos nos caixotes dependurado nas cangalhas e, ao notar uma saco de cimento, indaga, tentando adivinhar: — Desta vez colocaremos o cruzeiro no morro de São Francisco? E Amâncio confirma: — Colocaremos sim, pois o Zé Marcolino já cortou os mastros de aroeira. Ao chegarmos, será o primeiro serviço que iremos fazer!
Mal o velho relógio de pêndulo, estampado na parede, soa as duas badaladas surdas da madrugada, Amâncio dá ordem de partida, e pede silêncio: - Não façam barulho, para não acordar nosso vizinho, o Dr. João Afonso de Almeida Vale, embora seja do partido dos Marreta, merece dormir!
Rosílio, um destro cavalo alazão montado pela Professora Amália numa sela especial, segue na frente. Os meninos, o Chiquinho, já demonstrando um pendor sacerdotal, a Ana, o José, o Totonho, com emprego garantido de caixeiro na farmácia do Dr. Abdias Lopes Veras, o Monda, o irmão esperto e protetor, bem escanchados no meio da tropa, olham para os morcegos que voltavam de suas farras pletóricas para dormir nas enodoadas Torres da Igreja, de onde já se fala em colocar um Cristo Redentor de braços abertos, na sua frente, e sentem saudades da brincadeira do trisca, ao redor do coreto.
Amâncio, pela retaguarda, tange o comboio que devora as léguas morosas entre a cidade e o pé da Serra, fica a pensar na felicidade que é sua vida ao lado da digníssima professora Amália, uma cristã de elevado espirito humanitário, benemérita dos pobres, pois deixara alguém encarregado em distribuir alimentos aos necessitados que diariamente chegavam à sua porta. Além de alfabetizar os crateuenses, de geração em geração, é dona de uma caridade que não mede sacrifícios. Ele presenciara, diversas vezes, levantar-se da mesa e oferecer aos pobres o alimento do prato em que comia. O esposo dizia: — Amália, isso não agrada a Deus! Ela, serena, respondia-lhe: — Não se preocupe comigo, José Amâncio, tenho outros alimentos em casa, graças a Deus! Aos olhos de Amâncio, Amália reluzia como poesia, como um diamante raro na sela do alazão, um cavalo manso da cor de canela preparado só para ela.
José Amâncio Correia Lima, um poeta induzido por DNA, pois descende diretamente do Vate José Coriolano, um orador fino, humorista espirituoso, prosador, jornalista, adjunto de promotor, comerciante e agropecuarista, recapitula sua vida enquanto o grupo caminha margeado, lado a lado, pelas capoeiras do sertão. Relembra quando representou Crateús nas comemorações de 7 de setembro na Cidade Maravilhosa, Rio de Janeiro, e o jornal carioca União lhe estampara elogios numa página. Vem-lhe à memória o dia em que o Dr. José Fernando Vieira Bastos, Juiz de Direito da Comarca de Crateús, o indicara para a função de Adjunto de Promotor e embora tendo aprendido somente a ler, a escrever e as quatro operações com o velho Prof. Manoel Vieira Lima, exerceu até as funções da Promotoria e por muitos anos. Era um autodidata com altíssimo nível intelectual.
Havia recebido a patente de Capitão da Guarda Nacional, mas isso não lhe subia a cabeça. Participara da 1ª Conferência Vicentina com o amigo Carlos Rolim, o primeiro Agente da Estação Ferroviária. Sempre era convidado a discursar nas solenidades oficiais, pela sua palavra bonita e fácil. Além de escrever as memórias da família e da sua cidade (Espera que o filho Raul, o que chamam de Monda, termine o trabalho), mas ainda encontra tempo para lecionar no turno da noite.
Recorda de uma conversa com o Pe. João Batista, que tinha vindo da paróquia de Santa Quitéria, ao lhe convidar para fundar um jornal em Crateús e que desse um nome ao mesmo. “Disse-lhe: Ora Padre, quem sou para dar nome a um Jornal? O padre insistiu. Aí, então, respondi-lhe assim: - Está bem, Sacerdote. Eu o batizo com o nome de A Fé, serve? Pois do jornal A Vontade, que o senhor possuía, tiro o nome do nosso... O que seria da Vontade sem a Fé?”
Após esses devaneios mnemônicos, avista o azul da Serra da Ibiapaba encurtando os instantes entre uma sístole e uma diástole retumbando no peito. A subida só não é penosa para os animais porque estão acostumados a descer com cargas de 300 mangas, em cada jacá, ou com os surrões de couro cheio de farinha e voltam com passageiros escanchados nos lombos. Passam pelo Buritizinho encantado e seguem rumo à São Francisco.
Não demora e os raios de sol já apontando na linha do horizonte, um espetáculo ímpar visto do alto da serra, contemplam um belo chalé no estilo suíço, no cocuruto de um morro, com dez batentes na calçada e uma varanda arejada no primeiro andar: o Paraíso dos Correia Lima!
Um privilegiado sovaco de serra, cercado de colinas como no encantado Monte Olímpio, repleto de encopados manguezais e cajueiros que encobrem a Casa de Farinha e o belo Engenho de Cana.  O corrupião, o vem-vem e o sabiá se desdobram no cantar sonoro e ao longe, nota-se um serrote com blocos gigantescos de pedras dando a impressão de ser um São Francisco rezando. José Amâncio chama o Toinho e o Zé Marcolino para assentarem um cruzeiro de aroeira sobre as pedras. O que faz Dona Amália avisar, visivelmente preocupada: — Amâncio, cuidado com as cobras! Ele aproveita e solta a sua veia poética: “Lá em cima da serrania / São Francisco está de pé / Desfraldando em pleno dia / O pendão da minha fé.”
O mês de férias no Sítio São Francisco é de muito trabalho, o que não deixa de ser uma grande festa, pois todo trabalho que se gosta sempre é feito com alegria. Na Casa de Farinha ocorre o ritual de transmutação da mandioca, começa com as raízes que vão chegando nos suados lombos dos burros, as mulheres raspavam bem raspado, lavavam e colocavam na água para amolecer e pubar, em seguida ralavam no Caititu. A massa é levada para o Tipiri, onde é espremida e retirado o líquido venenoso chamado manipueira. Depois de peneirada e torrada no forno, aí a farinha estava pronta para o consumo ou para ser vendida nos surrões de couro de gado no velho mercado de Crateús.
Enquanto isso, a poucos metros de distância funciona o Engenho de Cana com uma bolandeira tracionada pela força de um musculoso boi de longos chifres e que não parava de rodar. A cana-de-açúcar ia virando um caldo que era levado para os tachos no forno a lenha. Com uma colher, feita de cabaça, vão passando o líquido a medida que engrossa, de um tacho a outro. Depois despejam numa bandeira de madeira, onde é mexido até coalhar, aí então, vai para as formas e dentro de 15 minutos a doce rapadura está pronta. Os meninos que já enjoaram de beber garapa de cana, agora exploram a região à sombra do olhar de Dona Amália.
Um dia, o poeta, escritor e grande empreendedor Amâncio sonhou e idealizou o Museu histórico de Crateús, e esperou a ajuda prometida chegar, para sua construção...
No dia 19 de fevereiro de 1950, o Jornal Folha do Norte Noticia: “Faleceu em idade avançada José Amâncio de Souza Lima, é extinto um espírito devotado às causas do bem, um alma incendiada por elevado sentimento de religiosidade, uma grande inteligência amante do estudo e das coisas regionais. Um verdadeiro símbolo de honradez e critério!”. 
Um cidadão crateuense se foi, mas deixou debaixo dos manguezais do Sítio São Francisco a 1ª peça do seu sonhado Museu Histórico de Crateús, um antigo engenho de moer à bolandeira, fabricado pelo primeiro Auto Forno da América Latina, em 1910, e que está lá, corroído pelo tempo a espera que outro digno e honrado cidadão vá buscá-lo, para reconstruir um antigo desejo, pois os sonhos, os grandes sonhos nunca morrem... Apenas adormecem na alma da gente!

Raimundo Cândido   

José Alberto de Souza disse...   
As histórias de antigamente se transmitiam
de geração para geração através da oralidade, 
hoje memória preservada em suas fluentes escritas.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Gavião




O olho é um abismo
submerso na imensidão,
feito faca de gumes
cortando lâminas no ar,
senhor da luz
esconde a escuridão
garras, fome, sequidão,
morte por morte
sem malícia
como a foice de Deus
decepando o sertão!

Raimundo Cândido
 
Elias de França disse...
A nova linhagem poética de Raimundo Cândido, aludindo bela e singelamente a natureza, nos remete a Manoel de Barros, como que de repenteo poeta pantaneiro viesse saboreando os sais nordestinos!

segunda-feira, 13 de maio de 2013

EDITAL

Pelo presente edital, conforme Art. 34, parágrafo 1º do Estatuto da Academia de Letras de Crateús - ALC, ficam os 30 membros efetivos da ALC convocados para Assembléia Geral Ordinária que se realizará no dia 1º de junho de 2013, às 14:00h, em sua Sede à Rua do Instituto Santa Inês, n° 231, nesta Cidade de Crateús, para discutir e deliberar sobre eleição da nova diretoria da Arcádia, mandato 2013 a 2015. 

Crateús, 13 de maio de 2013 
ANTONIO ELIAS DE FRANÇA
Presidente