sábado, 8 de outubro de 2011

Cordelteca Lucas Evangelista



Uma noite marcante para a cultura cratuense. Assim foi o lançamento da Cordelteca Lucas Evangelista, acontecido na última quarta-feira (05/10) na sede da Academia de Letras de Crateús – ALC. Momento em que se fizeram presentes mais de 150 pessoas, entre as quais o presidente da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, Sr. Gonçalo Ferreira da Silva; o vice-prefeito de Crateús, Dr. Mauro Soares; professores e alunos da FAEC, artistas crateuenses e apreciadores da cultura.

A Cordelteca Lucas Evangelista foi uma doação da Academia Brasileira de Literatura de Cordel e contará, inicialmente, com um acervo de mil exemplares, colocados à disposição do público em geral.







sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O TREM VEM NA HORA?


                                                                                         Por Flávio Machado e Silva
            Uma das diversões na cidade de Crateús nos anos de 1950/1960 era esperar o trem de passageiros, que chegava de Fortaleza à noite, ainda que muita gente não esperasse por ninguém. Iam à estação apenas para ver quem chegava da Capital.
O trem vem na hora? Era esta a pergunta que rolava em meio à população ansiosa por uma diversão. Quando vinha na hora era sinal de muita gente à sua espera na estação. A hora da chegada interessava a todos, pois o atraso era comum e isto justificava o interesse pela sua vinda.
Centenas de pessoas se aglomeravam na estação. Rapazes e moças, em grupos, andavam de um extremo ao outro do calçadão da plata-forma, enquanto outros preferiam observar, parados o movimento das pessoas.Vendedores de guloseimas também se faziam presentes vendendo os seus produtos. A cada parada do trem noutras cidades a movimentação era a mesma, em torno da chegada do trem horário.
Telegrafistas da estrada de ferro, que se comunicavam através do Morse sabiam onde se encontrava o trem de passageiros.
Em Crateús, cedo da tarde eram comuns as informações trocadas entre as pessoas interessadas na vinda do trem. A atenção era atraída pela viagem de parentes ou por pessoas que trabalhavam no desembarque de encomendas e mercadorias, como os carreteiros, Lira, Chagas Roldão, Cipriano, Marcelino e Antonio Pequeno.
As perguntas começavam a ser feitas, logo nas primeiras horas da tarde em todos os locais, principalmente em mercearias do Beco da Cachaça. Onde está o trem? E alguém, em tom de brincadeira respondia: em cima da linha. O bêbado se manifestava: Hoje chega um grande aqui em Crateús! O inocente perguntava: Quem? O trem, respondia ironicamente o principiante da conversa. Alguém mais sério informava: O trem passou em Reriutaba com uma hora de atraso. O telegrafista Ananias estava sempre de prontidão e era preciso em informar o andamento das viagens.
Era o trem o único transporte regular naqueles tempos. Pelo trem chegavam amigos, parentes notícias da Capital, jornais, e, no carro de bagagem, mercadorias diversas. Do Ipu chegavam surrões de rapadura, jacás de frutas e grandes cachos de banana. Outros, provenientes de Fortaleza ou Sobral traziam malas cheias de miudezas. Eram os donos das mercearias que circundavam o Mercado Velho. Tanto de Fortaleza como de Camocim vinha o peixe, além do sal, dos tecidos e outros produtos não produzidos aqui.
Esperar o trem era uma boa e tradicional diversão daqueles tempos idos. Quando o trem passava, viam-se das casas que margeavam a ferrovia pessoas que acenavam aos viajantes e, com a mão, saudavam ou faziam gestos de despedida. Antes de atingir qualquer ponte o trem apitava em sinal de alerta. Pessoas em atividade por ali se distanciavam dos trilhos e ficavam observando a sua passagem. Já chegando em Crateús, na rampa do Angical os maquinistas soltavam longo apito, que ainda hoje ecoa nos ouvidos de muita gente. Na estação a agitação era geral. Quem esperava a pessoa amada, ansiosa, sentia bater forte o coração. Também ocorria no reencontro com parentes ou amigos. Era o trem que chegava.
O trem fez história em Crateús e foi um marco de progresso desta cidade, desde 1912, quando foi inaugurada a estação ferroviária.
Em 14 de dezembro de 1988, às dezenove horas, o trem de passageiros saiu da Estação João Felipe, em Fortaleza, para fazer a sua última viagem com destino a Crateús. Aqui chegou no dia seguinte, 15 de dezembro, para nunca mais voltar lotado. Era o trem de prefixo SGC 0127, tracionado pela locomotiva nº2226-IB.
Foi o trem o mais querido e tradicional transporte. Seu desaparecimento fez falta a todos e deixou imorredoura saudade.

Raimundo Candido disse:

Flávio Machado – uma autoridade na historiografia de Crateús. Quando o cronista conheceu de perto os fatos, como o Flávio, a narração fica mais viva! Nosso centenário está saindo  de sua categórica pena!

quarta-feira, 5 de outubro de 2011


                                        Uma Batalha Fantástica

Viajava, involuntariamente, enquanto meus olhos flutuavam pela tela analógica de uma TV. Os vinte e dois jogadores, ferozmente, disputavam numa esperançosa erva rala e rasteira, a posse de uma esfera pulsante, um forte símbolo de um país que se diz do futebol.
            A adrenalina induzida pela emoção do jogo acelerou o tique-taque mental de um transcendental relógio que me retroagiu a um tempo bastante remoto. De repente, achei-me numa ampla planície de vegetação espessa, com árvores gigantescas que mais pareciam arranha-céus, havia retornado há mais de dez mil anos na linha do tempo.
        Estava na pele de um ser pré-histórico, antediluviano, grosseiramente atarracado, debilitado pela fome, abatido pelo frio e dominado pelo medo, este instintivo mecanismo de defesa, que nos fez sobreviver da ferocidade dos dentes de sabre e da insanidade de nossos semelhantes, num ambiente hostil e humanamente desfavorável.
Ainda tive tempo de recitar em péssimo latim, pela primeira vez na face do planeta, antes mesmo do próprio dramaturgo romano Plauto, a sua famosa frase: ”Lupus est homo homini non homo”, pois senti na pele o original e primitivo frio que congelou os nervos, entorpeceu os corpos e atemorizou as almas de todos os homo sapiens, por séculos e séculos.
            Regresso à tela da TV, no momento exato que o meu querido time marca o primeiro e tranquilizador gol para acalmação geral dos nervos, pois a peleja estava intensamente acirrada, numa férrea disputa de prender a respiração. Mal atacamos com nossos talentosos vendavais em destrezas, quase que instantaneamente sofremos um contra-ataque desesperador, e vejo naquele verde gramado a mesma tensão que amedrontava homens das cavernas quando enfrentavam aquelas horrorosas feras.
            A vantagem momentânea de minha equipe ativa novamente o eterno devaneador que sou, inclinado a um rufar de assas pelos tempos incertos que se vão apresentando a minha frente. Da tela da TV pulo para um telão de cinema com seu surpreendente poder de trazer à vida de volta, criando novamente o ambiente e as pessoas de uma distante era. Agora me imiscuo no estupendo e milionário seriado denominado Roma. Estou no intrépido corpo de um legionário, combatendo em campo aberto, fazendo movimentos rápidos em resposta ao oxítono apito de um Centurião, que determina o atacar, ordena o recuar ou diz para nos protegermos com nossos escudos de uma chuva de flechas que caem pontiagudas do céu. Ouço o grito de gooool de um tendencioso comentarista da emissora de TV, mostrando em seu tom de voz um contentamento nada imparcial. O soldado que sou se enfurece e enfrento sozinho, com um elmo na cabeça, uma afiada espada e um pesado escudo, os inimigos à frente de meu estandarte. Cometo um grave erro de estratégia. O comandante apita ordenando um recuo, e um novo reagrupamento se ajusta numa nova tática. Ouço de modo repentino a ordem: Avé Cesar! Avante! Metodicamente, mas de modo temerário, minha centúria ataca em bloco compacto; o sangue do inimigo escorre afogueado pelo fio de minha espada e com, o escudo no braço esquerdo, vou me desviando de lances intencionalmente mortais. Não demora muito e um novo brado como um elástico esticado no ar chega aos meus tímpanos: Gooooool! como um arrebatado grito de vitória ao fim da guerra.  O nosso guerreiro mor lança o artefato mortal, que traça uma domesticada curva parabólica, indo se alojar bravamente na rede adversária. Toca-se a corneta final e alegro-me por mais uma guerra que termina em cantos paz.  
Se todas as batalhas dos homens se dessem apenas nos campos de futebol, quão belas seriam as guerras! Um emblema vermelho num manto preto para mim é coisa sagrada, uma paixão que não tem explicação, uma exigência indispensável para se refrear todo impulso guerreiro que possa existir na raiz de meu ser.
            Viver deveria ser uma permanente reinvenção de nós mesmos, como um ludos, um divertimento sem mais significação, para não morrermos soterrados na poeira de banalidade.
            E ao término de mais um jogo-guerra em que o querido flamengo vence arrebatadoramente, e mais uma vez os legionários fregueses  são paulinos por 2 x 1, fico sonhando com um ar distante e vou de novo à Roma antiga encontrar o grande filósofo Cícero que, amistosamente, me evidencia sempre preferir a paz mais injusta à mais justa das guerras.

Raimundo Candido