terça-feira, 13 de maio de 2014


PROFESSORES DISCUTEM A ATENÇÃO DADA À LITERATURA CEARENSE

12.05.2014

O que a adesão das universidades públicas ao Enem pode significar para a difusão do autor cearense nas escolas


Para o escritor Batista de Lima, a literatura local perde com o Enem

Oliveira Paiva, Rogaciano Leite, Domingos Olímpio, Padre Antônio Tomás, Henriqueta Galeno. Mais do que ruas ou avenidas, esses e outros tantos nomes escritos em placas fixadas nas esquinas também se inscreveram na história da literatura cearense. Apesar disso, a história das nossas próprias palavras e narrativas corre, mais do que nunca, o risco de se distanciar dos mais novos por questões de prioridade no ensino.

Desde o semestre 2011.1, os alunos que ingressaram na Universidade Federal do Ceará (UFC), na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab) e no Instituto Federal do Ceará (IFCE) foram selecionados através do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Sistema de Seleção Unificado (Sisu/MEC). Com exceção dos cursos de Licenciatura em Teatro e ArtesVisuais da última instituição, que necessitam de um teste de habilitação específica (THE) e são regidos por um edital à parte, todo o acesso às graduações e cursos técnicos mantidos pelas entidades federais de ensino superior no Ceará passou a acontecer mediante aprovação na prova elaborada para ser aplicada simultaneamente em todos os Estados, logo, se pauta em conteúdos abrangentes a todo o território nacional.
Em abril, o Conselho Universitário (Consu) da Universidade Estadual do Ceará (Uece) aprovou a adesão da instituição ao Enem, tendo início em 2015.1, quando a oferta de 50% das vagas para o primeiro semestre letivo em todos os turnos e cursos de graduação presenciais da oferta regular serão preenchidas através da prova nacional.

Já as vagas para o segundo semestre permanecem regidas pela modalidade vestibular tradicional, que passa a ser realizado somente no meio do ano. A exceção acontece para os cursos da unidade de Tauá e, em Fortaleza, para Medicina - o mais concorrido da universidade - e Psicologia, que serão integralmente preenchidos através do Exame Nacional. Ainda que o reitor da Uece, Jackson Sampaio, tenha defendido, à época da adesão, a manutenção do vestibular tradicional pelas características da prova de abordar conteúdos regionais, a iniciativa não será suficiente para salvaguardar a literatura cearense dentro dos colégios e cursinhos preparatórios para o vestibular - principalmente porque, mesmo quando se utilizava integralmente do método tradicional de seleção, não valorizava a produção local com tanta força quanto fazia a UFC.
"Apesar da Uece ter mantido um sistema à parte do Enem, jamais esta Universidade demonstrou interesse em valorizar autores cearenses que não os mais famosos Alencar, Rachel ou Patativa", critica Roderic Szasz, há 18 anos professor da disciplina de Literatura no Colégio Juvenal de Carvalho.
"Seus vestibulares sempre foram mais voltados para autores de alcance nacional. Portanto, excetuando os autores supracitados e outros da mesma estirpe, os ditos 'menores' não tinham espaço nas aulas, pelo menos não por causa da Uece", afirma. O docente relata que mudanças no ensino e na abordagem das produções locais mais significativas se deram após a adesão da UFC ao Enem. Quando tinha vestibular próprio, a universidade cobrava na prova a leitura de uma lista de dez livros, dos quais cerca de seis ou sete correspondiam às obras dos escritores do Ceará.
"Com o Enem, a lista terminou, os interesses migraram para autores mais 'nacionais' e a literatura cearense ficou, sim, em segundo, ou melhor último plano nas escolas", condena o professor.

Consequências

Luciano Araújo, que leciona literatura na rede pública estadual e também no colégio particular Imaculada Conceição, aponta que as mudanças no conteúdo cobrado pelos exames de seleção privam os estudantes de conhecerem verdadeiramente, ainda na escola, nomes que fazem parte do seu cotidiano.

"É o que chamamos, na universidade, de 'Via da Literatura Cearense'! As pessoas conhecem osnomes de ruas e avenidas como Domingos Olímpio, Antônio Sales e Juvenal Galeno, mas nem sonham que essas pessoas foram grandes escritores do nosso estado", explica.

"Para a Literatura Cearense é o fim", avalia Batista de Lima, colunista do Caderno 3 e professor de Literatura Cearense na Uece, de 1995 a julho de 2013. "O autor cearense geralmente fica recluso com suas obras nos limites do nosso Estado. Os vestibulares locais, antes do Enem, ainda se lembravam da gente. Agora nem isso. As escolas de ensino médio de nossa terra que eram resistentes ao autor cearense, agora é que não vão mais divulgá-lo".

"A literatura local está fadada a se tornar um objeto cada vez mais restrito aos estudiosos locais e aos obcecados por 'curiosidades'. Dificilmente o valor de autores menos badalados voltará a ser exaltado ou mesmo estudado no ensino médio, por conta do atual sistema de seleção vestibular", lastima Roderic Szasz.
Para completar o quadro, o docente acrescenta que, entre os jovens estudantes, cresce também o desinteresse pela literatura como um todo. A maioria sequer reconhece ou se importa com a origem dos autores. "A Literatura tem sido um grande tédio para os mais jovens, o que é uma lamentável realidade", analisa.
Já Luciano Araújo percebe um relativo interesse dos discentes em conhecer o que é e foi produzido no lugar onde vivem, mas com restrições. "Em sala, tento remar contra a maré, levando textos de escritores cearenses, como Moreira Campos, para mostrar aos alunos que nós possuímos um leque enorme de bons escritores", relata.
"Os meninos até que gostam de conhecer nossa literatura, mas não a valorizam tanto porque 'não cai no Enem'. É triste, mas é verdade", lamenta o docente. Para Batista de Lima, especialista em literatura cearense, a solução deve ser pensada pelos sindicatos, pastas públicas e academias que se englobam no contexto da educação. "Devia haver uma lei estadual para que toda escola do Ceará fosse obrigada a exigir entre os quatro livros paradidáticos pelo menos um que fosse de autor cearense", sugere.


Postagem: Silas Falcão