sábado, 27 de julho de 2013

 
MUNDO
A esposa segredou à enfermeira, no quarto da mansão: Ele nunca deve acordar. Nunca! Ouviu bem?
Do livro O colecionador de dedos.
Silas Falcão

sexta-feira, 26 de julho de 2013

David, O Profeta da Física.


            Afirmam os estudiosos, ao analisarem a infância, que de um mês aos três anos, nas crianças em plena maturação, principia uma vivacidade que vai brotando, levemente, das meigas pétalas da inocência. Dizem que se desenvolvem os inúmeros reflexos, realça-se a percepção de pessoas e coisas, um sorriso prazenteiro se estampa no rosto e salienta-se a sensível curiosidade em descobrir tudo ao seu redor, concluem com altivez os eruditos da pedagogia. Mas se um irrequieto menino é dotado, inexplicavelmente, de uma esperteza maior, tudo vem medrando mais cedo e as inesperadas surpresas vão assustando os incrédulos professores, os parentes arregalam os olhos, para orgulho dos genitores.
- Reparem como meu filho é inteligente! Diz a mãe vaidosa, mostrando alguma façanha do pirralho, aos sobressaltados vizinhos. São os geniozinhos que, aqui acola, surpreendem e assustam o mundo.
O batismo foi na Igreja da Matriz, com ablução de água benta pelo Padre Eliesio, um renascer espiritual, mas que para o menino Karlo David não foi o suficiente, pois um ser intrépido tem que ser purificado é no ardor do fogo. Logo que completa um ano, David se encanta com a luz proveniente das brasas de uma fogueira. A claridade, o princípio de tudo, a causa primeira do próprio existir, alumbrou o menino de Dona Raimundinha. Quando correram, em desesperado socorro, David já estava com uma brasa incandescente nas pequenas mãozinhas, num batismo de fogo, que é a iniciação de todo guerreiro. A marca, que o acompanhou pela árdua vida, confirma mais que um renascer espiritual, denota a manifestação de fibra que se apresentou na raquítica criança, como sinal de extraordinária coragem para o homem que iria enfrentar os desafios e os mistérios do mundo.
O Menino cresce e frequenta a escola para apreender a vida como as crianças pobres da Rua Cel. Tobias, mas não é um deles, tem incumbências que aos pouco vão se revelando na responsabilidade em cumprir suas obrigações e deveres, no talento para os desenhos que impressionavam os adultos, na preocupação social em querer proteger o velho e intermitente Rio Poti, eternamente sufocado pela poluição, na vivacidade do raciocínio e do olhar, que adquiriu do braseiro que queimou sua mão e na modéstia da alma, força que nunca perdeu.
Na gloriosa e tradicional Escola Técnica de Comercio Pe. Juvêncio, patamar sólido das vitórias de muitos cidadãos, revelou a aptidão pelo estudo das Ciências Exatas. Estudar é um trabalho difícil, pesadíssimo, comparável a brocar uma roça no pino do meio-dia. É um fino dom e arte, coisa para poucos! E dedicar-se a Física? Só para os eleitos, que estudam mais que os outros e vivem queimando neurônios!
A claridade da Física de Isaac Newton, mesmo vindo da luminosidade de uma brasa, princípio de tudo, causa primeira do próprio existir, um dia alumbrou o espírito irrequieto de David. Os Físicos são aves raras, profissionais de ponta que fazem com que as pessoas olhem com espanto e mentalmente declarem: - Ah, isso é que é Físico? Mas é um ser em carne e osso! Sim, e num cidadão comum, como  David, é que se resguardam os tesouros de um País, numa profissão que alavanca o desenvolvimento de um povo e que o Brasil pouco soube valorizar.
Um dia, para minha surpresa e espanto, recebo a ligação de David: - Prof. Raimundinho, gostaria de lhe convidar para uma aula inaugural do curso Teoria da Relatividade, aqui na Universidade Estadual do Ceará. Aceitei com satisfação o honroso convite. Um auditório lotado de mentes jovens, com um belo futuro pela frente, assistindo uma aula de Teoria da Relatividade de Albert Einstein ministrada pelos dois únicos Professores-doutores, e foi a única vez que vi dois pós-doutores presentes na cidade de Crateús, pois David havia convidado o amigo, pesquisador de Física das Partículas Elementares e Campos, com ênfase em Teoria de Supercordas, Prof. Dr. Leandro Ibiapina Beviláqua para juntos ministrarem um curso de uma semana. Estava sem acreditar... Em Crateús? Fiz questão de repetir, mentalmente, a pergunta: - Isso está acontecendo aqui mesmo, no meu Cratheús?
Alguns Jovens, crateuenses daquele auditório, tinham sido meus alunos , via-os agora cavalgando num raio de luz, como velocinautas no tempo e espaço da Ralatividade, viajavam para um futuro bem melhor, um porvir que meus olhos podiam ver, estava ali na minha frente!
Aquele menino, que mostrou uma responsabilidade social pelo seco Rio Poti no começo da década de 90, apontava o destino daqueles ansiosos universitários e demostrava o amor pela terra em que nasceu, quando muitos - quase todos - ao se verem com um diplominha de nível de nível superior nas mãos, criam asas, debandam e esquecem o torrão em que nasceram.
          O conhecimento nos faz responsáveis. Se nossos “doutores” tivessem um por cento da afeição que tem o Prof. Dr. David, por Crateús, seriamos um município bem mais desenvolvido, pois o guerreiro resolveu ficar, fazendo o bem para sua gente, ajudando a juventude a conseguir um futuro digno.
Um determinado dia, o Prof. David convida o Químico, também professor e ex-aluno, André Aguiar a levarem o nome de Crateús até o longínquo Rio Grande do Norte. Eles concorrem no II Encontro Nacional de Química e arrebatam o Troféu “Erlenmeyer de Ouro”, e esse é somente um exemplo do impulso que o nosso Físico impõe na mente de nossa juventude.
Como David, o profeta Rei de Israel, que era dono de muitos dons, da música, da dança, da poesia e dos salmos, David , nosso Profeta da Física, é o dono do pensamento mais feliz de Einstein, quando disse que ao mergulhar no mais profundo silêncio a verdade se revelava. De meu incomum e longo silêncio vejo a verdade da Física do bem e da bondade iluminando os caminhos de nossos jovens com uma acesa brasa da sabedoria na mão. Só quero confirmar, com essa breve história, que, Karlo Einstein David Saboia, é um crateuense que tenho orgulho de ser conterrâneo!

Raimundo Cândido

quinta-feira, 25 de julho de 2013

AS HORAS




Das cinco a sete da manhã o condomínio ouvia vozes, sorrisos e música.
Até a manhã seguinte, um silêncio extenso.
 
E há décadas que concreto lacra porta e janelas do apartamento.

 
O colecionador de dedos – micro contos.
Silas Falcão
 
 

DIDEUS SALES E A POESIA POPULAR

                

POR DIMAS MACEDO
 
 
                                             DIDEUS SALES
  

                Existe uma tradição (e uma tendência) na poesia de todos os tempos que resiste à tentação das vanguardas e da modernidade: a poesia de inspiração e ritmo popular. Não se enquadra nos rótulos de nenhuma gramática, não cabe em manuais acadêmicos e não se mede pelos parâmetros do mercado onde se vendem mercadorias e serviços.
 
               É espontânea como as energias do amor, a plenitude e o brilho das estrelas ou como as águas que descem fagueiras das escarpas em busca dos regaços que as levam de volta para Deus.
               Trata-se de uma poesia heroica e multifacetada, que paga tributo unicamente à vida e às grandes esperanças do homem. É revisada e atualizada sempre que entra em contato com o leitor, pois é para ele e não para as ilusões do mundo que ela se refaz e sempre se renova.
 
                Foi assim com a poesia épica de Homero, com os jogos florais do medievo, com os movimentos trovadorescos de todas as idades e com a poesia popular ibérica que nos deu as linhas de pesquisa e os formatos de bolso e de linguagem da literatura de cordel.
 
                Está mais próxima do romance e do enredo de gosto popular do que qualquer outra forma de representação veiculada pela palavra ritmada. Está mais próxima do leitor e das suas aventuras do que as projeções ou a dança das imagens que remarcam a existência da sociedade moderna.
 
                O sertão é o seu locus privilegiado, pois é aí que ela se elabora e se reproduz pela voz dos aedos populares. Leandro Gomes de Barros, no campo do folheto de cordel; Aderaldo Ferreira de Araújo, no setor dos cantadores de viola; Lobo Manso, na seara das profecias e da poesia de combate; e Patativa do Assaré, na linha de todos os ritos polifônicos que unificaram a voz dos deserdados e despossuídos em busca de igualdade e de justiça – são exemplos de poetas do Nordeste que mudaram o curso da literatura popular no Brasil. 
 
               A afirmação do extrato máximo da cultura, para a minha visão, não está nas Universidades, tampouco nas Academias, esses nichos de petulância e de quase nenhuma produção, mas naqueles que fazem a cultura prosperar, em todos os quadrantes do mundo e, especialmente, no sertão. 
 
               Os grandes produtores de cultura do Ceará não estão somente em Fortaleza, como pensavam, até bem pouco tempo, os pesquisadores eruditos, mas em toda a extensão da terra de Alencar. Juvenal Galeno, Patativa do Assaré, Oswald Barroso e Gilmar de Carvalho conheceram ou conhecem o Ceará e as suas tradições muito mais do que os poetas que mourejam no Ideal; ou muito mais do que os eruditos que estudam a extensão da sua ignorância nos corredores do Benfica. 
 
            Dideus Sales, andarilho e pastor de sonhos, que costura a ligação vilas e cidades, no interior do Ceará, é um legitimo representante da cultura cearense e da poesia popular do Nordeste. E mais do que representante, Dideus é o maior e o mais vivo dos poetas cearenses a fazer, no Ceará, a ponte da cultura entre o sertão e o litoral.
 
              Jornalista, poeta e guardador de tradições sem conta da alma sertaneja, Dideus não para de crescer e produzir. Editor da revista Gente de Ação, sediada em Aracati e que se espraia por todo o Ceará, Dideus atravessa o sertão da sua terra sempre a carregar nos bolsos (e na alma) a verve do povo cearense e as suas mais belas tradições.
 
             Na condição de poeta, já nos deu meia dúzia de livros e opúsculos que o colocam em posição de relevo. Mas Dideus não para de escrever e publicar. Prova dessa sua paixão de ordem cultural, é o seu livro: Veredas do Sol (Fortaleza, Expressão Gráfica, 2006), que dispensa prefácios ou apresentações. É sóbrio, sereno, espontâneo, equilibrado e arrojado como todos os grandes e pequenos projetos literários do autor.
 
              Ter sido o autor do prefácio desse livro constitui um privilégio para mim, porque nesse texto me vejo retratado também. E para além da minha condição de poeta, orgulho-me de ser amigo de Dideus, de ser hóspede do seu coração e do seu afeto e de ser leitor de suas intenções e dos seus grandes achados no plano da cultura.
 
              Não vou entrar no conteúdo do livro. Deixo para o leitor o prazer de desfrutar, de primeiro, as imagens e os ritos do sertão que esse volume documenta: lições de vida e de beleza, lições de vida e esperança, lições de vida e de amor desse trovador e poeta do sertão, que o Ceará e o seu povo legaram à poesia telúrica do Brasil.
 
 
Postado por Silas Falcão