sábado, 30 de março de 2013

Parabólica

 

Dispus a armação auricular,
zelosamente bisbilhoteira,
antenada em tecnologia.
Fui bem recomendado:
-Tudo se irradia pelo ar!
 
E me pus a zapear
   por entre insossas côdeas
                        de notícias.  Absorto, recolho                     
    dos garimpos de quimeras,
    os miolos fúteis de cascalhos!
 
        Feito coisa alguma defronte à TV,
      entorpecida alma, seduzido
         em simples ilusão de borboleta,
         num zus daqui, num zus de lá,
           sem um grama de valia por achar!
 
           Raimundo Cândido

 

                                                     
                                                                    A REDE

Os pescadores retiraram a rede pesada de peixes. Mas hoje, eles não sabem por que a mesma rede, sem peixes e livre, não sai do rio.


Silas Falcão

segunda-feira, 25 de março de 2013



  DEZ MIL NOVECENTOS E CINQUENTA DIAS, SEM MILTON DIAS


POR SILAS FALCÃO

Há trinta anos morria um dos nossos maiores cronistas: Milton Dias. Era 9h de 22 de 03 de 1983, na Casa de Saúde São Raimundo. Óbito: miocardia. Cronista semanal d´O Povo, neste 22/2013, nenhuma lembrança pública. Nem crônica em sua homenagem. Sequer aplausos coletivos.

Mas nem todos agem assim. Milton Dias é nossa eterna relembrança.

Nos dias 06 e 07 de junho de 2011, o SESC- Fortaleza realizou o III Seminário Revelando a Literatura Cearense com o tema Milton Dias - o eterno contador de estórias. Foram duas noites de palestras com o escritor e amigo de Milton Dias, prof. Pedro Paulo Montenegro que falou sobre Crônicas e memórias de Milton Dias. A professora de literatura Suely Oliveira abordou a sua dissertação: Milton Dias - a vida que poderia ter sido e que não foi. Depoimentos de ex-alunas de francês do cronista e declamações de trechos das crônicas de Milton Dias com o Grupo Converso diversificaram o conteúdo literário do Seminário.

Incorporando aos colégios municipais e estaduais, O SESC-Fortaleza realiza o Projeto Revelando a Literatura Cearense, onde parceiros do SESC falam sobre autores cearenses. Mensalmente eu participo deste projeto com Milton Dias: entre a dor e o riso.

Em 2010, através do Centro Cultural Banco do Nordeste – CCBN – mediei o Percurso Urbano Passeio com Milton Dias, título de uma crônica homônima de Carlos Roberto Vazconcelos.

Com o apoio do jornal O Povo desenvolvo, através do banco de dados deste jornal, pesquisas das crônicas que Milton Dias escreveu nos seus 26 anos de cronista semanal.

Há três anos criei o http://relembrancasdemiltondias.blogspot.com.br/

CONFISSÃO


Quando eu morrer, Mãe,


esquece este filho,


tão triste, tão pobre,


que só pede uma planta no túmulo.


Quando eu morrer, Mãe,


tudo o que eu peço


é uma oração crepuscular.


Quando eu morrer, Mãe,


perdoa a falsa alegria,


o riso gratuito


a alegria postiça


que escondia uma tristeza tão grande


que você, Mãe, nunca suspeitou.


Quando eu morrer, Mãe,


perdoa os erros todos deste filho


que nunca deixou de ser criança.

Rua da Goela - IPU - onde Milton Dias nasceu

1960

1966

1966

1971

1974

1977

1977

1978

    
1978

1982

Homenagem póstuma-1983



Milton Dias deixou inédito o romance A senhora da sexta-feira e Memórias de um professor de francêssobre sua experiencia como professor da casa de cultura francesa- UFC.

“Quando Milton Dias morreu, na manhã de 22 de março de 1983, deixou vago o seu lugar de melhor papo das rodas palestreiras desta terra de mares tão verdes, sábados líricos e tantas coisas que contar. Seus amigos o choraram em prosa e verso e alguns ainda apontam para o céu, em noites de nuvens escassas e muito uísque, de onde ele, feito estrela, ilumina a saudade de todos. Foi assim que Olga Stela o viu, quando produziu o poema”


BALADA PARA O ENCANTADO



 Na Ilha do Homem Só

No barco da Capitoa

Nas velas todas do mar

Lá está ele

Encantado


Nas cores do sol poente

Em cada boca da noite

Na brisa do alvorecer

Lá está ele

Encantado


Na várzea do Sete-Estrelo

No disco da lua cheia

No bojo da madrugada

Lá está ele

Encantado


Na Viagem do Arco-Íris

Na ciranda das Cunhãs

Nas ruas de Fortaleza

Lá está ele

Encantado


No compasso da viola

Nas noites de sereneta

Em cada gole de vinho

Lá está ele

Encantado


Nos pagos do Massapê

Na neblina que esvoaça

E abraça a Bica do Ipu

Lá está ele

Encantado


Nas ondas verdes do mar

De sua terra natal,

Nas águas do rio Sena

Lá está ele

Encantado


Nas baladas do sino

No toque da Ave-Maria

Na suavidade da tarde

Lá está ele

Encantado


Embaixo do pé de jambo

Onde a relva é sempre verde

Na morada mais singela

Lá está ele

Encantado


Na saudade que não passa

Em cada instante que passa

Na memória mais constante

Continua ele

Encantado


Continuará encantado

Como a estrela que morre

E seu brilho no firmamento

Permanece

Encantando”
 
SOBRE A AMIZADE


“Amizade não se impõe, não se força, não se transfere, não se delibera, tem a sua linguagem própria, até nos silêncios, nos gestos mais simples; é mais sólida do que o amor, muitas vezes baseado apenas na afeição física, que os anos podem desgastar – enquanto a amizade se aprimora, se fortifica, melhora com o tempo. É que nem o vinho”


Cartas sem resposta

Expedito de Paiva – Um Gênio!




Havia uma intensa satisfação nos rostos daqueles jovens que, desde cedo, esperavam na calçada da Rua Firmino Rosa, pela abertura de um estreito portão de ferro. Notava-se, atrás de um longo muro, o prédio alto e amarelado que para uma igreja só faltava as torres. Os inúmeros batentes da entrada principal davam para uma robusta e desgasta porta de madeira, aberta de par em par, onde se postava o Pe. Bonfim, rígido sentinela dentro de uma moralizante batina preta, a inspecionar os mínimos detalhes dos uniformes dos alunos do Colégio Pio XII. Um desleixozinho de nada e um olhar enérgico os mandavam de volta, para casa.

Os alunos, disciplinadamente, dirigiam-se às filas na quadra de futebol, ao lado. Ouviam as prédicas do dia, cantavam-se hinos e, enfileirados, entravam nas respectivas salas de aula.

No Primeiro Ginasial, naquele dia, haveria aula de canto Orfeônico. Um senhor, de tez morena, alto e robusto, aparentando certo rigor, mas que na realidade não passava da personalização da Serenidade, chegava à porta e, num gesto de respeito ao mestre, os alunos se levantavam.

 – Vocês podem se sentar, meus queridos! Solicitava, mais que ordenava, o Professor Expedito Paiva com uma brandura como se dirigisse aos próprios filhos. Tal o deus grego Orfeu, que tinha o poder de cativar os animais e as aves por meio da canção lírica, o mestre também possuía um talento extraordinário para a arte musical, para nos deleitar com suas melodias.

Na aula de técnicas vocais, começava mostrando a forma correta de respiração, depois vinha a impostação de voz. Ele verificava, um a um, a aprendizagem dos seus orfeões. E, carinhosamente, os corrigia. Achega-se ao irrequieto filho do Senhor Manoel Ferrim, e aconselha: - Oh, Zé Arteiro, meu filho, música é alegria sim, mas se concentre!  Já para o menino do Senhor Zé Claudino, um vizinho na Praça do Barrocão, afirmava: - José Almir, respire profundamente, emita o som com calma e firmeza! O futuro grande orador, sofregamente, absorvia as lições daquele professor multi-instrumentista autodidata, para suas atividades futuras, tanto na profissão de advogado, quanto nas astúcias da política.

Na sala vizinha, a Professora Rosa Morais, que passara uma atividade sobre os prefixos gregos e latinos para os alunos do Segundo Ginasial, ouve as explanações do Prof. Expedito e fica a imaginar que só numa mente brilhante como aquela, onde a harmonia musical lapida os hemisférios cerebrais em pura sensibilidade e alto intelecto, pode surgir um anjo de bondade consolidado num admirável gênio, e que está ali, a ministrar aula para os alunos privilegiados do Pio XII!

Um dia, nos bamburrais da Serra de São Benedito, o menino Expedito procura, com muita atenção, um pedaço de talo que já esteja maduro e seco, corta-o, remove os nós internos, serrilha o bico, faz os orifícios de acordo com as notas musicais que sua intuitiva audição determina e, constrói seu primeiro instrumento musical, passando no teste de iniciação, indicando para àqueles que o ouvem tocar na Flauta de Pan, que nascia um prodígio. Seu irmão mais velho, Raimundo de Paiva, companheiro de longos duelos no repente e nas noitadas de reisado onde se improvisavam de cantadores de Reis, alerta à jovem e futura esposa do determinado Expedito: - Tenho certeza, Antônia dos Anjos, que meu irmão nasceu para a música!

 O 4º BEC, quando soube da existência de um músico completo naquela cidade serrana, o mandou buscar para resolver os problemas na Banda Militar e enquanto o Batalhão ganhava um funcionário especial, a cidade de Crateús obtinha um filho exemplar, que muito contribuiu na sua formação artística.

                O Padre Bonfim, além de tê-lo como professor e bedel, convidava-o para auxiliar nas missas dominicais onde tocava emotivas músicas religiosas no órgão da igreja. Expedito de Paiva concebia músicas em partituras como sopros celestes, como objeto de natureza divina que usava para o engrandecimento da alma, surgindo daí sua extrema religiosidade.

                Na Escola Técnica de Comércio Pe. Juvêncio, foi aluno e Inspetor de Disciplina de fazer inveja ao indiano Mahatma Gandhi, com sua bondade e imensa paciência ao peitar os indisciplinados alunos “Meus Santos, não façam isso, não!” e a indicar, como o líder pacifista, que não existe um caminho para a Paz. A Paz é que é o caminho.

                Inspiração não lhe faltou para pôr em música os versos do Dr. Antônio Carlos Barreto, numa mistura de cantos de natal, banda marcial temperado na flauta doce: ”Dentre as águas do rio junto à serra / Pequenina cidade surge um dia / Entretanto, a grandeza já se encerra / Em seu porte real de fidalguia...” Presenteou-nos ele, com uma melodia belíssima, no Hino de Crateús!

                O primeiro conjunto oficial, que o apresentou ao povão, foi Os Dragões, mas logo mudou para Os Diamantes, uma banda do Batalhão, formada pelos companheiros Bodinho, Garrincha, Caquinho (Joaquim Bonfim), Dede Garçom, Paulo Sovela, Marcelo e Deoclécio na época áurea dos grandes clubes da cidade: Crateús Clube, Caça e Pesca, Sargento Hermínio e AABB. Apresentaram-se até em cidades distantes, como em Barreiras, na Bahia.  Os crateueses mais velhos ainda recordam dos carnavais memoráveis, quando os foliões iam dormir com o som do Trombone de Vara de Expedito, ainda retumbado nos aturdidos tímpanos. Um artista que domina a sua obra em detalhe e em perfeição, a obra também o domina e por isso mesmo era requisitado a todo instante.  Todo seu tempo era para a música, mesmo em casa não descansava, sempre tinha turmas de jovens que queriam aprender a tocar violão.

                Concordo, quando dizem que aqueles eram tempos de facilidades, mesmo aparentando ar de carências, coisas que a gente nem notava. Hoje se tem tudo e tudo é uma proposital dificuldade. Desde 2008 que se publicou uma lei obrigando as escolas brasileiras a reintroduzir a música nos currículos, os instrumentos estão ai, jogados num canto, se despedaçando pelo abandono. Na época do genial Expedito Pereira de Paiva havia erudição nos colégios, existia uma preocupação com a educação integral do cidadão e até com o seu desenvolvimento artístico, inclusive que fossem musicalmente alfabetizados.

                Naquela manhã do dia 25 de março de 1963, em frente a Guarda do 4º BEC, uma animada turma de funcionários espera por uma condução para o centro da cidade. Eles notam, no rumo da estrada da Independência, uma poeira subindo e rapidamente se aproximando. O Jipe Azul do Senhor Zé Ziziu Martins atende ao sinal de mão, aos que lhe pediam carona. O motorista conhece o músico Expedito Paiva e mal se cumprimentam, já sobram na próxima curva em frente a um depósito, atualmente, da Tropigás.  O jipe vira, tombando diversas vezes e perdem a vida o motorista Zé Ziziu e outros dois companheiros. O Músico Expedito de Paiva leva uma enorme pancada na cabeça que deixa sequelas gravíssimas, dores irremediáveis, inclusive uma cicatriz de lembrança.

                Naquela manhã, de um ensolarado domingo do ano 1970, com a Matriz repleta de fiéis, os cantos iniciais estavam só começando, quando várias pessoas correm para socorrer o Senhor Expedito, que parara de dedilhar o velho e surrado órgão, o qual preenchia a nave da Igreja do Senhor do Bonfim com um som de esperança e fé.  Subitamente, a música se extingue, pois o músico se desequilibrara e caíra, ficando estendido no chão, fora acometido de um seríssimo AVC. Saíra de casa, no intuito de regressar e não mais volta para um merecido repouso dominical, ao lado de sua esposa, a Senhora Toínha de Paiva, que teve, então, de criar sete filhos pequenos, no zig-zag de uma máquina de costurar.

                 O seu gênio musical ficou registrado na história, como um impressionante ser humano que aprendeu, num esforço solitário, a mostrar-se em bondade, como a um hino. E a comoção na cidade pelo falecimento de Expedito de Paiva foi tanta que o povo, desolado e em peso, foi dar o último adeus àquele que nos deixou sábias lições de vida e nos deu exemplos de genialidade, ao tocar, praticamente todos os instrumentos musicais, com ardor na alma, como se entoasse a luz divina. 


Raimundo Cândido.

João Silas Falcão Soares disse...
Excelente relembranças,poeta Raimundinho. Lembro-me com clareza a alta e disciplinada figura do seu Expedito Paiva. Muito religioso e rigoroso mas não sendo áspero, inconveniente com seus alunos. Parabéns.

José Alberto de Souza disse...
Comparo a música ao esporte (ou outra atividade qualquer) - tanto um como outro requerem uma disciplina constante para que se domine a sua arte, principalmente por parte daqueles que não dispõem de um dom inato. Já me disseram que existem técnicas para desenvolver a divisão musical, a grande dificuldade de quem não nasceu com o ouvido pronto para discernir qualquer tipo de harmonia.
Crateús, pelo visto, tem sido aquinhoada com notáveis artistas que souberam transmitir aos iniciados seu talento e habilidade. Invejo sua gente por tudo que estes lhe proporcionaram.
Minhas aulas de canto orfeônico, onde apenas um aluno conseguia assimilar as lições de um velho mestre, enquanto os demais se perdiam no entendimento de semifusas e bemóis, dispersos numa algazarra que fazia Maestro Raffo bradar:
- "Afinal isto aqui é uma aula ou uma jaula?"