sábado, 21 de dezembro de 2013

Curral da Estação



Ocorre um milagre quando os primeiros pingos de chuva tamborilam no solo calcinado do sertão. O sertanejo, uma vitima inevitável da estiagem, vendo a terra molhada e o verde mato crescendo, agradece a Deus pela abundante fartura e pela renovação da vida ao estrondo do trovão.
  A Caatinga, poesia fecunda, restaura-se pelo aguaceiro que desce do céu escoltado pelos coriscos acesos que caem dos miolos das nuvens, produzindo fartura de porção. O sertão, ditoso e rico, é mágico. Se chover dá de tudo, como diz uma canção.
Nas fazendas de criação de gado forma-se um pasto verdoso nas soltas ilimitadas, a forragem nativa de capim mimoso, que logo se transformará em dinheiro vivo no bolso do patrão pela valorosa carne de engorda.  E, ao fim do inverno, os criadores juntam suas boiadas já formadas, dezenas de reses corpulentas com o peso ideal para venda e abate. É de onde provém a renda principal que mantém lucrativa uma propriedade no impiedoso agreste.
Cratheús, do meado do século XX, é uma pequena cidade que arduamente floresce nas margens do intermitente Rio Poti e se desenvolve graças ao vai-e-vem dos trens correndo sobre os trilhos rumo às cidades de Sobral e Fortaleza. Tudo se transporta nos vagões puxados pelas hercúleas máquinas a óleo: além dos passageiros elegantes e resolutos, a diversificada mercadoria dos comerciantes, os animais dos fazendeiros e as evasivas esperanças de um município que, lentamente, cresce. 
No lado esquerdo do majestoso Prédio da Estação há um armazém abarrotado com pilhas de sacos de oiticicas, de mamonas, de rapadura, de farinha oriunda da Serra dos Tucuns, e as carroças continuam chegando com mais mercancias para se despachar no trem. Do lado direito do monumento construído pelo Engenheiro João Tomé, antes do ponto de manobra do velho viradouro, o povo se empoleira nos trilhos que formam as cercas do Curral da Estação para assistir ao espetáculo de embarque do gado nos vagões. Enchem uns dez gaiolões de treliças de madeira, com vinte cabeças em cada um, para abastecer a Capital do Estado. 
Era um gado curraleiro, mas rústico chamado de pé duro que chegou ao Brasil nas caravelas dos colonizadores, com um porte pequeno e chifres longos, mas de uma carne saborosa, gosto de pastagem semelhante à galinha caipira do sertão. De vez em quando um animal, dos mais ariscos, se assusta com a multidão curiosa ou com o aspecto ferruginoso do trem e foge, pula ou passa por baixo dos trilhos, obrigando aos vaqueiros botarem os cavalos no rastro do bicho e atalham antes que atropele um cidadão. Mesmo no burburinho da cidade, os heróis do aboio, tinham que honrar o gibão!
Quando o Curral da Estação era do lado da praça, o senhor Gentil Cardoso sempre fazia uma investigação minuciosa antes do embarque, pois houve ocasião que ele ordenara aos encarregados que retirassem suas reses que tinha acompanhado o gado que passava na rua e bem sério, determinava:
- Ei, Gabriel e Papilina, retirem aquelas duas reses que são minhas!  Vamos, soltem logo os meus bois!
Foi o Luiz Lima, funcionário da Rede Ferroviária quem ajudou a mudar o curral para o outro lado dos trilhos, o lado do viradouro e evitar os transtornos que estavam causando na cidade.
Os proprietários dos animais de abate, os senhores Chico Pires da Independência, Raimundo de Pinho, Raimundo Nonato, Milton Menezes e o Major Leônidas quando não acompanhavam, pessoalmente, o transporte num vagão de passageiros, mandavam um encarregado como o Senhor Antônio leite, homem de confiança de Seu Leônidas, que em cada estação, verificava a situação dos animais, levantando os que estavam caídos para não ser pisoteados pelos demais.
A volta era uma festa no vagão Sonho Azul, muito dinheiro no bolso e cerveja borbulhando nos copos, ouvindo a gaita do José Ivan Melo.
Passamos por essa bela época de fartura nos Sertões de Cratheús onde exportávamos os frutos da agricultura e os bens da pecuária, mas hoje importamos até água de beber. O Curral da Estação foi desativado pela inclemência do tempo, que nem sempre permite que se cultive uma simples roça de subsistência ou então, como uma fera impiedosa rangendo sequidão, devorava os rebanhos de nosso sertão.
No ano de 1926 o Curral da Estação esteve, momentaneamente, desativado. Depois que o Trem do Medo voltou de marcha à ré da cidade de Ipueiras, numa fuga malograda do cerco dos Revoltosos, uma nuvem de aflição pairava sobre a cidade de Cratheús. A força Policial do Governo entrincheirada na Praça da Matriz e da Estação aguardava a chegada dos Revoltosos.  Eram os legalistas, homens arrogantes, nervosos, violentos, exibindo uma autoridade desregrada e faziam questão de mostrar tudo que podiam. Eram piores que os barbudos revoltosos de lenço vermelho no pescoço, cometiam roubos, bebedeiras, estupros, desmandos de toda ordem.
O comandante da Força Policial, vendo-se sem um cavalo de montaria, convoca um crateuense chamado Negro Cajueiro e pergunta:
- Negro, quem tem uma montaria boa, por aqui?
 E o informante reponde: - É o Seu Júlio Urbino, da fazenda Pereiros! Ele tem a melhor burra da região, um animal resistente , é bem mansa e marchadeira.
- Pois vão logo buscar essa burra! Quero esse animal para minha sela! Ordena.
Seu Júlio Menezes havia comprado a magnífica burra do irmão, Cícero Urbino de Menezes, um cidadão resoluto que nunca provara o sabor insosso do medo e já demonstrara isso ao salvar o irmão Pedro, quando o mesmo raptara a Maria Mathias. Nas veias de Cícero, afora um rubro sangue, corria fibra, firmeza, determinação e coragem. Soube que o comandante colocava a burra para dormir no Curral da Estação, vigiada por um soldado e pede ao irmão um cabresto e a esteira. Seu Júlio até que tentou dissuadi-lo deste intento, não houve jeito!
Na penumbra da madrugada, pelo leito do Rio Poti, Cícero aproxima-se do vigia que tranquilamente roncava. Encosta a arma no cangote do cabra e ordena:
- Não se mexa! Eu só vim buscar meu animal!
Manda o soldado colocar o cabresto e a esteira na burra e ainda determina: - Diga ao seu comandante que a burra fugiu, senão você apanha dele e de mim. Devolve o rifle ao praça e some pela margem escura do rio para entregar o animal ao seu legitimo dono, entes havia retirado as balas do rifle do soldado, que ele não era besta.
Cícero e Júlio Urbino fizeram um pacto de levar para o túmulo essa bela História, mas diz uma antiga tradição que, três pessoas não devem guardar um segredo, se duas delas já estiverem mortas. Saber exatamente a parte do passado que deve ser introduzida no presente, mesmo que seja um sigilo, é um momento raro e precioso de resgate do passado e somos gratos ao Senhor Milton Urbino Menezes que soube, dignamente, honrar a memória dos que se foram.

Raimundo Cândido

Socorro Cavalcanti disse...
Parabéns, meu amigo, Raimundo Cândido, você é um admirável escritor. Parabéns por mais um texto que merece ser lido, relido e divulgado.  Um abraço centrado no desejo de um feliz Natal e um Ano Novo repleto de alegria, saúde e paz.


terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Heroico

(Ao velho amigo Sobreira)

A malíssima negridão afronta...
E continuará a afligir,
imperturbável,
os olhos metálicos das espadas 
dos anjos de Deus...
O bem e o mal fermentam, 
tônus inflamados, 
como tempero das eras!
E um dia o clamor de um poeta
quebrou os grilhões da escravidão!
Mas o cativeiro continuou, 
dominador e mortal, 
em vapores alcoólicos na alma de seres incautos... 
Um dia, um herói chamado Sobreira
ofertou seus dias, como permuta, 
no altar da negridão, por cegos olhos sãos, 
por dignidades regidas, por entes acorrentados
e os semi-vivos reedificaram-se na vida,
ao suplicar, como no milagre do cego de Jericó:
-Sobreira, filho de Davi, tem misericórdia de mim!

Raimundo Cândido

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Minicontos Karatis

5 Minicontos  Karatis -  FRANCISCO PASCOAL PINTO


1.       Quarenta anos se passaram e a Coluna da Hora, embora lhe parecesse menor, permanecia firme em suas vértebras a sustentar  o tempo que se acumulara na sua ausência.

 2.       Logo abaixo da barragem, cangatis e serranegras encastoados  em pedra, são registros de outra era; assim como na vazante da memória ainda se emaranha e se debate na malha de rotas tarrafas com punho de crina de cavalo suas mais remotas lembranças.



3.       O “Horário” passa com seus fantasmas em hora erma (meia-noite em ponto?) e atropela seus sonhos O apito estridente, só os cães ouvem.



4.       O sanfoneiro cego na feira livre é o profeta dos bons augúrios. “Vai chover, negada!”, afirma e reafirma, sem ciência do céu límpido onde plana solitário um urubu. Duvida há. Mas só até o ribombar do primeiro trovão. Que negada aos olhos a luz, o seu nariz romano capta perfeitamente na fornalha infernal do meio-dia imperceptíveis indícios do inverno que toma chegada.



5.       Na rua Senhor do Bonfim, a velha casa. As janelas são um par de olhos tristes, cansados. Nem acreditam que ele está de volta. Passos lentos, ele observa, esquadrinha  tudo. Como quem vai amarrar o cadarço do sapato, agacha-se. E disfarçadamente cutuca com o indicador o buraco da calha que deságua na calçada. Era onde jogavam castanhas de caju. Apostado.
 “Quer comprar, moço?”, surpreende-o o atual proprietário da casa.
 “Não tem preço”, ele diz sorrindo.

 “Cuma?”

terça-feira, 3 de dezembro de 2013



MILTON DIAS, O ROMANCISTA

7 de novembro de 2013, no Ideal Clube, foi lançado A senhora da sexta-feira, do eterno cronista Milton Dias. Este romance foi escrito na década de 70 e parmaneceu inédito até este lançamento de iniciativa das Edições UFC e do ex - reitor da UFC, Paulo Elpídio Menezes, de quem Milton Dias foi assessor. Os originais de A senhora da sexta-feira permaneceram 30 anos – tempo de morte do autor – guardados com Rui Dias, sobrinho do cronista e foram repassados à comissão editorial da UFC. O professor Pedro Paulo Montenegro, amigo do autor de Entre a boca da noite e a madrugada, foi também um dos responsáveis pela edição e de suas mãos generosas, em visita a sua residência que fiz com o amigo Carlos Vazconcelos, recebi, após pedido meu, os mesmos originais datilografados. Para quem pesquisa a obra miltoniana, este presente tem valor bibliográfico imenso. Segue algumas fotos do lançamento.

Silas Falcão 

 Profª Sueli, autora da dissertação sobre a obra literária de Milton Dias
 Rosa, morou 30 anos com Milton Dias

domingo, 1 de dezembro de 2013


Sábado, 30 de 11, na Casa de Juvenal Galeno, a ACE - Associação Cearense de Escritores - realizou o lançamento do livro Paradoxos no cárcere, de Cornlius Okwudili Ezeokeke. A obra foi apresentada pelo Diretor de eventos da ACE, Silas Falcão. Bernivaldo Carneiro foi o Mestre de Cerimônia da reunião.  









sábado, 30 de novembro de 2013


Próximo sábado, dia 30-11, às 15hs, na Casa de Juvenal Galeno, reunião da ACE – Associação Cearense de Escritores - ocorrerá o lançamento do livro Paradoxo no cárcere, do escritor Cornellius Okudili Ezeokeke. Segundo livro deste autor que é formado em filosofia e teologia, Paradoxo no cárcere narra as verdades das vidas humanas no cárcere. O livro será apresentado pelo diretor de eventos Silas Falcão.

Contamos com sua presença.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O Dactilólogo (miniconto)


Se alguém souber de algo que possa impedir este matrimônioadmoestou solene o padre Gerlando Que fale agora ou cale-se para sempre.
 Num canto da capela, sob a imagem piedosa da Virgem, o surdo-mudo Celsinho que lera-lhe os lábios sob a barba espessa se descabelou e se perdeu em caretas e gestos desconexos na linguagem dos sinais.
 Inútil. Olhos centrados na beleza da noiva e na elegância do noivo, ninguém lhe prestava atenção. Nada podia abalar a comoção que causava a abençoada união daqueles dois jovens.
Chico Pascoal



segunda-feira, 11 de novembro de 2013

CONVITE

 LANÇAMENTO DO LIVRO HISTÓRIAS QUE O POVO CONTA - Um relembrar de causos interessantes de Carlos Leite - No Calçadão do Prédio da REFESA - Inauguração da nova sede da Academia de Letras de Crateús - dia 23 de Novembro (neste Sábado) às 19:00 horas - Você está convidado(a)!

sábado, 2 de novembro de 2013

A Vela


                                                                   Dissipa-se,
                                                                   no brilho das chamas
                                                                   inebriadas no ar!
                                                                   Invisível flama,
                                                                   fornalha infalível
                                                                   de ímpeto ardente.
                                                                   Esvair-se, alfa e ômega
                                                                   nas brasas da paixão!
                                                                   Esgota-se, ósseo jarro
                                                                   por um fio de seda
                                                                   que urde a frágil luz
                                                                   e sobeja as frias cinzas
                                                                   do impudico barro!

                                                                   Raimundo Cândido

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Samuel, um Bonfim Astuto!


Era uma vez um valente riacho, tal potro selvagem a escramuçar pelo eito desolado do sertão, em luta insistente, na laboriosa trilha e no resoluto curso vivificante até desaguar no leito reticencioso do Rio Poti. Principiava, nas épocas oportunas, num pequeno monte distante como um vidro mole que desce um aclive, cantando e rasgando o solo argiloso do Curral Velho. A poesia sonora das águas é o próprio cadenciar melodioso das sereias, suave, sedutor e convidativo. E o cantar do Riacho Serrote enfeitiçou os Antônios, os Sebastiões e gerações inteiras da grandiosa família Bonfim. Do tronco fundamental, tal qual Mourão de Aroeira, assentado na Casa Grande ao lado esquerdo do Riacho Serrote, uma imensa taipa com madeirame atado em nós de couro cru, ramificou-se a imensa descendência, sucessiva filiação diversificada de trabalhadores braçais, sertanejos rudes, corajosos e honrados, donas de casa, dignas mães de famílias, médicos, advogados, bancários, comerciantes, professores, poetas, gente rica, gente pobre, gente culta, gente rude e algumas pessoas sabidas e metidas a espertalhões, enfim: flores, muitas flores perfumadas, mas vingou também os espinhos, como em todo grande roseiral que desabrocha pelo eito dos Sertões de Crathéus.
Samuel Bonfim quando partiu do Curral Velho para, na amplidão do mundo, ganhar à vida, já tinha as duas grandes artes bem aprimoradas, profissões de habilidades manuais e fina destreza mental: era um artífice na madeira, um carpinteiro talentoso, mas tinha também o talento e esmero em subtrair o alheio.
Dizem-me, uns duendes trapaceiros com quem tenho afinidades, que das águas que bebemos na infância determinam-se as nossas qualidades. Então, segundo esses amigos invisíveis, as habilidades do Samuel Bonfim são filhas das águas turvas do Riacho Serrote. Ele perambulou com elas, suas competências, pelo planalto Central e até ajudou a construir Brasília dos Candangos. Mas uma das artes sempre atrapalhava a outra e teve que fugir para o distante Maranhão, onde também suas contradições, a virtude do trabalho e a vil arte de surrupiar, fizeram com que retornasse forcosamente, a cidade natal, a acolhedora Cratheús. Dizia, para os amigos: “Andei pelo mundo, penei e paguei minhas penas! E de tanto perambular perdi o penico e joguei a tampa no mato! Foi quando o conheci e comecei a admirar a vivacidade e as habilidades, às vezes malvadas, do astuto Samuel.
Assíduo freguês da bodega do comerciante Chico Altino, na Rua Frei Viral, muitas vezes ri, às lagrimas, das presepadas do Samuel. Enquanto não aparecia um freguês que lhe pagasse um trago, ele tirava uma baladeira do bolso e disparava uma pedra em algum esfomeado cachorro de rua que saia aos gritos num chamado bíblico: Caim! Caim! Caim! Certo dia ele retira do bolso uma latinha de metal com torrado, coloca uma pequena porção na mão e começa a cheirar. Uma curiosa senhora, ao lado de uma ingênua menininha, pergunta: - O que é isso, Samuel? Ele responde: - É rapé, minha senhora! Isso é feito com semente de imburana, fumo ralado, canela e outros trelados! Coloca um pouquinho na mão da mulher, para ela experimentar. A menina, inexperiente, também aspira um bocadinho do pó cinzento, foi o suficiente para ela dá um grande espirro e, involuntariamente, soltar um estrondoso traque. Desconfiada, se esconder atrás da saia da senhora. A bodega inteira riu! O espirituoso Samuel, mais que depressa, retira outra latinha e diz: - Desculpe, minha bichinha, esse aí que dei pra sua mãe é o que faz peidar, experimente esse aqui que não peida não!
Esses são os momentos amenos nas presepadas do astuto carpinteiro. O Chico do Guaraná contrata Samuel para refazer o teto da casa, pois os cupins estavam devorando todos os caibros e as ripas do telhado. Enquanto Samuel trabalha no teto os donos da casa trabalham na rua e Samuel já notara as galinhas do quintal. Agarra uma penosa e coloca de cabeça para baixo na sacola de material, dependurada no armador. Naquela posição a galinha nem se mexe nem pia. No fim do dia, pega a sacola e vai embora. A dona da casa percebeu o sumiço das galinhas e fica de olho no Samuel. Ao fim do quinto dia, antes que ele desça do telhado, cutuca a sacola e a galinha se estrebucha cacarejando: - Que arrumação é essa, Samuel? Essa galinha dentro da sua bolsa! Ele logo se explica: - Ora ora minha Senhora, galinha é bicho danado, deu vontade de pôr, aí ela entrou na minha sacola!
Samuel, se embriagado, andava na companhia de seu irmão gêmeo e virtual chamado de Pedro. Quando o Luiz Gonzaga Bonfim de Araujo, o gravatinha, trabalhava na Moageira Canário de Seu Nereu, deixava que o Samuel Bonfim catasse os grãos de café que ficavam espalhados pelo chão, caídos dos sacos, todos os dias e era um dinheirinho a mais ao vender para as cafezeiras na feira. Naquele dia Samuel estava bem calibrado pelo alto teor da cachaça Lagoa do Barro, e após colher os grãos encostou a mão no peito do Luiz, como um forma de agradecer e ainda disse: - O Samuel vem mais tarde!.  O Seu Bidoca, ao passar por ali, avisa ao Luiz que sua camisa estava manchada com pó de café despertando-o para o desaparecimento da caríssima caneta argentina esferográfica Sheaffer do bolso. Gravatinha corre ao encontro de Samuel: - Primo vei, cadê minha caneta? O que Samuel responde: - O Pedro escondeu... Vamos buscar! Saíram, o Samuel na frente e o Gravatinha atrás, tangendo-o até o esconderijo dos roubos nas ruínas da velha casa do Sr. Chico Antero na Rua José Coriolano com a Rua Carlos Rolim.
Juramar Bonfim, também parente de Samuel, o saúda:
- E aí, primo, como vão as coisas?
Numa forma de se mostrar cortês e dono de uma queixosa lábia, estava sempre espirituoso e brincalhão, respondia com pilherias:
- Na terra que A for B, B for C, C for D e nega dor dona, fode fora da feira quem for da família fodona!
O causo que mais marcou a vida de Samuel, mitificando-o na história, foi seu encontro com outro famoso primo: O Pe. Bonfim.
O Padre vinha da fazenda Ponciano no seu Jipe Willys quando, lá pelo lado do Bairro dos Patriacas, acabou a gasolina. Desespera-se, mas senti a providência divina quando avista o Samuel caminhando ao seu encontro.
 - Meu querido primo, graças a Deus que você está aqui para me tirar desta situação! Pegue esse galão e esse dinheiro e me faça o favor de comprar gasolina ali no posto da Rua Frei Vidal, que eu lhe agradeço muito!
- É um prazer, ajudar o meu primo vei Padre Bonfim.
O Samuel caminha rumo ao posto e ao passar pelo Rio Poti que estava com água na altura dos joelhos, enche o tambor com o líquido barrento, dá uns trocados a um menino e manda-o entregar o galão ao Pe. Bonfim que despeja no tanque e tenta ligar o motor que tosse feito um engasgado com asma: Uuuuummm tos tos tos....  Uuuuummm tos tos tos....
O Davi Bonfim estava com vontade de comer carne, passa pelo frigorífico do Hamilton e compra uma chã de dentro, a peça toda do colchão mole. Vê o Samuel e pede um obséquio:
 - Samuel, me faça um favor, passa em casa e deixa essa carne lá!
 - Claro primo, pode deixar!
Ao chegar em casa o Davi pergunta para a esposa pela carne que o Samuel tinha ido deixar para o almoço e a mulher informa que na refeição daquele dia só tinha arroz e feijão.
Uns três dias depois, Davi encontra o Samuel, andando pela rua:
- Samuel, tu é um sem-vergonha mesmo, pedi para levar a carne lá para casa e você me enrolou!
- Não Senhor, você disse que eu passasse em casa e deixasse a carne lá!
- Mas era na minha casa, cabra safado!
- Ó rapaz, me desculpe! Agora está sem jeito, nestas horas os meus meninos já comeram tudo!
No outono, quando os dias estão mais cinzentos e as noites menos estreladas, nota-se a hora de se retirar. Doente, deitado numa cama, apertando a mão de Mariazinha, a co-autora de muitos de suas estripulias e olhando para teto da sua casinha, o folclórico Samuel parte, transpõe as ripas e os caibros, os quais era exímio em fabricar. Deve ter voltado ao Curral Velho e por lá se deixou ficar, a beber água do Riacho Serrote preparando alguma nova presepada, pois é uma felicidade maravilhosa se podemos, ao fim de tudo, ao fim da trilha, voltar como menino traquinas a nossas origens!


  Raimundo Cândido


Regina Estela Bonfim disse...
Samuel... o perdulário e pródigo mais carismático que conheci.
Nessa família tem de tudo mesmo.
Parabéns , Raimundinho

José Alberto de Souza disse...
Passa em casa (de quem?)
e deixa essa carne lá (aonde?),
sem deixar explícito o que queria,
cada um interpreta,
           ora direis, à sua maneira!

terça-feira, 22 de outubro de 2013

O centenário de Rosa Morais

O centenário de Rosa Morais
 Um texto de Regina Estela Bomfim.)
Conhecida como: Tia Rosa, Tiinha, Dona Rosa, Rosa Ferreira de Morais... professora de Dona  Inácia Ferreira Bonfim, sua prima e minha mãe, na Fazenda Curral Velho (Crateús). Ela é do tempo em que os donos das fazendas contratavam professoras por um determinado período, (quatro meses). Meu avô Joaquim Ferreira Bonfim convidou-a, e com a anuência de seus pais, ela passou uma temporada sob sua custódia, na "Casa Grande". Ali naquela sala rustica, alpendrada, virada para o nascente... ante a  bela paisagem da várzea onde se esparziam reluzentes "pés de oiticica", Rosa lecionava para os primos... como ela mesma relembra: Os filhos do Tio Joaquim, do Tio Raimundinho e da Tia Bebela (Isabel).
Eu frequento a casa da Tia Rosa desde muito criança, nas visitas que minha avó Isabel fazia à sua irmã Conceição, mãe dela. Tenho boas recordações de quando fui sua aluna no Ginásio PIO XII... das tardes e dos finais de semana que passava em sua casa, sob sua orientação...   O pé de pitanga, o jardim, o cheiro das rosas, as galinhas, o papagaio, o fogão de ferro a lenha, a mesa da sala de jantar muito grande, os guarda-louças, os armários com muitos livros, o ateliê, as tintas, os pinceis, OS QUADROS, o rádio numa mesa pequena com uma linda toalha bordada.
Quantas lembranças... da rede cheirosa, quando me deitava eu percebia o quanto aquele telhado era alto. Meus filhos também foram orientados por ela. Muitas tardes os deixei na casa da Tia Rosa... eles tinham aula de português e merenda. Dalila, minha filha, sempre lembra dos pães e queijo, bolos e biscoito feito por Tia Rosa.
            Como a vida é curta, tanta beleza, tanto amor, tanta dedicação e tão pouca vida... são só cem anos, neste sábado 26 de outubro de 2013!
                                                             Regina Estela Bomfim.
                                                                                                           (Educadora)
  


segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Bastiãozim e Datim numa só veia poética!

Ao contemplar o seio da Caatinga inóspita, plena de mandacarus, de árvores semimortas em exibição fantasmagórica, e repleta de esqueletos de animais espalhados pelas veredas tortas sobre um sol escaldante, tudo como parte integrante do tempo, fico admirado que alguém divise, neste quadro de horrores, uma fervilhante fonte de poesia.
O poeta francês Boudelaire uma vez disse “A admiração começa onde acaba a compreensão”. Nunca entendi bem o concretismo dos irmãos Haroldo e Augusto de Campos, com seus poemas plásticos que mais parecem uma paisagem de gravetos e ossos, numa estampa rústica do sertão. Como também nunca ponderei sobre o motivo de, numa mesma família, inesperadamente, brotar dois exímios poetas. Destino ou o DNA da família Campos? Ou parte integrante de um chão, como o que ocorre no Distrito de Curral Velho, ora um grande celeiro de flores, ora estorvo de touça espinhos e bem no âmago da família Bonfim. Por lá, numa monta de quinze irmãos, dois tenderam para as rimas.
   Os poetas do Curral Velho nascem com a disposição dos gatos, na mansidão do olhar a gente nota a efetivação de um verso tal iminente bote de cascavel, e com o enxerimento do Bem-te-vi, um corriqueiro que se imiscui em todos os acontecimentos que a vista alcança.  
Sebastião Ferreira do Bonfim, o poeta Bastãozim, tinha tudo para não dar certo na vida, exaurido fisicamente, com problemas de saúde por Doença de Chagas contraída quando criança, afora uma desastrada queda de cavalo que prejudicou a espinha dorsal. Mesmo com as complicações sérias que a vida lhe impôs, vestiu a capa protetora dos poetas revertendo a situação, e a dádiva da existência tornou-se uma alegria espontânea!
Na bodega do botafoguense José Osmar, na Rua Frei Vidal, era um dos pontos onde Bastiaõzim gostava de prosear, dobrava um perna, tão fina quanto um cambito, sobre o balcão e logo algum amigo perguntava: - E aí, Bastiãozinho, como é que está o Galo? Foi o único torcedor (E fanático!) do Atlético Mineiro que conheci por essas bandas. Com o semblante triste, respondia: - O Galo virou pinto, todo mundo agora bate nele! Notem bem, pois isso é atitude de poeta, ele projetou o dia de seu cortejo fúnebre e viveu cada detalhe, bem antes de sua morte, encarregando um sobrinho, o Olímpio Bonfim, de entoar o hino do clube do coração no instante de seu séquito: “Lutar, lutar, lutar... Uma vez, até morrer!” Aquele emocionante momento lembrou-me uns versos do poeta Erza Pound “Sim! Sou um poeta e sobre minha tumba, donzelas hão de espalhar pétalas de rosas.”
Dizem que o espontâneo verso só é liberado da veia lírica quando o poeta sofre, e depois de muito ter sofrido, e quando o poeta ama, depois de muito ter amado. Assim Bastiãozim verteu belas palavras como um rio de lágrimas: “Desde a minha mocidade / que minha vida é sofrer / doente já pra morrer / vejo essa fatalidade / não pude ter vaidade. / Eu ainda era criança / na memória ficou por lembrança / essa glória de tristeza / foi oferta da natureza / que me deu como herança.”
Na família Bonfim os versos estão embutidos nas reentrâncias do DNA, e se a mãe do Sebastião Ferreira do Bonfim fazia sonetos musicados, o que esperar desta seara, a não ser arrebatadores poetas com versos de mão cheia! Ele cantou, em suas mensagens brejeiras, o amor, a natureza e a vida, de modo prazenteiro, como no poema Meu Martelo de Aço: “Meu martelo de aço / Meu lápis pioneiro / Meu forte braço / Para ganhar o cruzeiro. //  Quando a manhã vem aparecendo / Com meu lápis vou riscar / Com meu martelo vou batendo / Para o pão poder ganhar /  É trabalhando todo dia / Pra melhor poder passar / E só me falta uma pessoa / A mulher pra me zelar”
Bastiãozim registrou os momentos poeticos do sertão de Cratheús em 70 cadernos, escriturais papiros, como fazia no seu trabalho diário ao esculpir arte no couro curtido do gado.
O outro grande poeta daqueles quinze unidos irmãos do Curral Velho foi o Joaquim, um duende esperto chamado Datim Bonfim. Ele mesmo se dizia um sujeito extrovertido e brincalhão, mas nem precisava anunciar-se, notava-se pela exuberante alegria e pelo ardor na vida! Sertanejo da roça, um trabalhador braçal com o ânimo de um semideus (Ele dizia: Na roça, eu dois duas por uma!), mas aparentando um desengonçado sertanejo grego (Como o irmão Bastiãozim, também passou por penosas cirurgias), carregando o espírito de um poeta embelezado pelo amor e pela vida, escrevendo belas palavras com a tinta verde dos mufumbos e dos juazeiros, ou rabiscando versos com a cor cinza da mata seca do sertão de onde ressoa a (des)harmonia nordestina.
Eis o poeta Datim, um erudito e apaixonado sertanejo, confiram: “ ... Amar assim como eu amo / É um delírio talvez /  Uma loucura não chamo / Por louco, não sou bem vez /  É por força e mistério / Não sei que dia etério / Que não seja da onde é de vir / É uma atração de abismo / Aflui do magnetismo / Que sentimos sem sentir.”
 O poeta Datim, um afinado lírico entoando uma Valsa em Acorda Donzela: “Acorda, donzela / Que a noite é bela / Vem ver o luar // É cor de prata / Teu olhar me mata / Na beira do mar // És uma flor /  É meu primeiro amor /  Vivo a ti amar // Lá no retiro / Por ti suspiro /  Em meu coração // Por ti querida, / Eu perco a vida / E te aperto a mão // Teu bem querer / Me faz sofrer / Esta ingratidão.”
O poeta é o fio condutor das emoções e dos sentimentos e assim interage para transformar o seu rincão, como ele fazia nos versos brincalhões, aspergia alegria nas almas rústicas dos habitantes do Curral Velho ao versar sobre as “4” coisa do Mundo: “Tem 4 coisas no mundo / que tinha vontade de ver / Um jumento fazer ação / Um cavalo com fome correr / Um vaca dá leite /  Sem ela ter o que comer //  Tem 4 coisas no mundo / Que o homem fica contente / É trabalhar com uma foice amolada / Brigar com um homem valente / Casar com mulher bonita /  Namorar com moça quente //  Tem 4 coisas no mundo / Que o homem fica em pé / Carne de vaca gorda / Toucinho de porco baé / Com farinha de mandioca /  E os olhos de uma mulher.” Datim arrematava, numa finalização jocosa, tornando o poema mais regional: "Tem 4 coisas no mundo / que faz eu trocer o camim / uma rodia de cascavel / uma briga de guaxinim / dos bebos do Curral Velho / ser morador dos Bonfins"
Cheguei à conclusão que, no sagrado e profano chão do Distrito do Curral velho, se a gente examinar bem, esmiuçando como os arqueólogos, tudo há de se encontrar, que chova, que faça sol ou até que falte o ar!
E como disse o poeta francês Charles Boudelaire, mesmo que não se compreenda como as coisas misteriosas e maravilhosas ocorrem no celeiro de flores e espinhos dos Bonfim, a nossa obrigação é de admirar... E até mesmo de se espantar!

Raimundo Cândido

Luciano Bonfim disse...
Conheci estes senhores - principalmente convivi e, mesmo não sendo bom aluno, aprendi com eles o amor pela poesia. Do Tio Bastião [Bastiãozinho] ainda guardo uns versos escritos em "canhotos" de jogos da loteria esportiva. Do meu avô Joaquim Bonfim Filho, o vô Datim, trago as primeiras e mais fortes lembranças que a poesia pode suscitar em mim. Conduzido pelas suas mãos, vivi as batalhas de Carlos Magno e os 12 pares de França, conheci os encantos e mistérios da Donzela Teodora etc. Eduquei o meu ouvido para os ritmos e rimas através das suas "declamações" de cordéis reias ou imaginários . Meu primeiro livro traz a seguinte dedicatória: Para Joaquim Bonfim Filho, Datim Bonfim, meu avô e professor. Sei que não sou, nem serei bom aluno, mas continuarei tentando enganar a morte e encantar a vida através das luzes e sombras da poesia - poesia que a mim chegou primeiro através da[s] voz[es] destes 2 senhores. Salve a poesia! EvoéRaimundo Cândido.

domingo, 20 de outubro de 2013

Cratheús - 40 graus à sombra!


Algum infeliz, irresponsável,
soprou as brasas do inferno
e ao pino de um sol quente!
As labaredas descem
tostando as toscas almas
e calcinando os corpos
como nos tormentos de Dante!
Evaporou-se o horizonte
sublimando o que havia
de sólido ou de líquido ser
exalando o teor dos queimados!
Meteorizo-me em vapores,
rastro de fumaça no ar,
cauterizado, tostado,
como nas ardentes caieiras
que nos deixamos queimar!


Raimundo Cândido

José Alberto de Souza disse...
Será que nas lavas 
desse tórrido vulcão 
não se crema 
tanta gente ainda viva 
como se experimentassem 
apocalípticas labaredas 
na própria alma?

sábado, 19 de outubro de 2013

A Matriz



Vejo na luz difusa
um som do passado
vagueando no ar...
A Nave,
tal Arca de Noé,
fascina meu ser...
Ouço
os velhos reverendos
prostrados nas cruzes,
auteros, fervorosos
docemente afáveis:
a voz da inquietação,
o clamor de alerta,
e o brilho da ostentação!
Percebo,
no clarão dos vitrais
a iminente profecia
do capuchinho Vidal,
augure em iluminação,
divagando n’alma
inflamada no fogo
que arde no coração!


Raimundo Cândido

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Sem adeus


Eu era o abandono,
náufrago de mim...
Estendeste-me a tua mão!
Pássaro remido...
Divagamos na linha do tempo,
em nuvens de algodão,
aonde se nutrem ternas ilusões...
De mãos dadas, melhor: atadas!
Um ou dois tropeços
e não nos alvoroçamos...
Estávamos de mãos dadas,
mas já desatadas!
Não houve sobressalto
quando desalinhamos
e dissiparam-se as nuvens...
Soltaste a minha mão
e nas ruínas do tal naufrágio
regressei ao meu ponto insular..
Sem um adeus!


Raimundo Cândido

José Alberto de Souza disse...
Esta é a dor 
que nos provoca 
um simples adeus 
para virar saudade 
num rosto sem feições 
que teima em desaparecer 
como esperança derradeira...

A Missão

              
Aos que passaram
e deixaram o perfume
feito índole, feito fibra,
em ação, caminho e vida!

Aos que passam
alicerce, explanação,
doses de inspiração
como preces sagradas!

E continuam a passar,
se doando, sem grilhões,
misto de dor e amor,
guias em proceder.

Aos que passarão,
uma lição: Esperança
é a alma do mestre
a sorver angústias.

E que passem feito dom,
consagrando a Apolo
os júbilos e as aflições
trituradas nas moedas!


Raimundo Cândido

Zacharias Bezerra de Oliveira disse...
A professora das professoras, amiga leal e tutora
Dona Delite é o início do anúncio da profecia
Foi uma mulher, em vida, muito batalhadora
E sua obra estará, para sempre, em nosso dia a dia..

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

O Pião


Na ponta
do fio de algodão
gira um pião, revoluteia
no vórtice do tempo
rabiscando versos
que adocicam a minha mão.

Na ponta
do fio de algodão
deixei um brinquedo
a girar e minha vida
prosseguiu a bailar,
efêmera, feito um tufão.  

Na ponta
do fio de algodão
ainda circula emoção,
rodopia uma poesia 
na alma do menino livre:  
pião zonzo, ingênua magia.


Raimundo Cândido

LAVRADOR



No feitio da pele,
na chama da carne
e no lenho dos ossos
lavramos a vida...
Labor sem fim!
A enxada repousa
olvidada no canto
e nos ombros um enfado
infindo  prossegue...
Esgotou-se o ânimo,
debilitaram-se os braços,
esmaeceu-se o olhar para
roçar o limo  do chão!
E a terra nua, sequiosa, crua,
no lavor final  e supremo,
é que ara na pele da gente!

Raimundo Cândido


domingo, 13 de outubro de 2013

A Cerca


Às vezes,
na ponta da estaca
pousa uma sabiá,
mas só de passagem,
a peneirar as penas!
E sempre o intrometido
Bem-te-vi vem curiar!
Às vezes,
há perfume de roseiras
e o colorido da jitiranas!
Num momento invulgar...
Todavia,
o que predomina no ar
é um cinza decadente,
desdouro de paus-a-pique,
das velhas estacas abraçadas
no peito de um Mourão
que o tempo rói o limo,
retornando-o ao chão!
A cerca corre na fila torta
escoltando uma vereda
na trilha da amplidão!
Às vezes,
no desalinhamento rude,
ancora um passador
onde a fé se transpõe
de lado a lado, elevador
de ossadas e esperanças,
na senda da solidão!


Raimundo Cândido

Maria do Socorro Cavalcanti disse...
Meu prezado amigo e Presidente da Academia de Letras de Crateús, Raimundo Cândido 
T. Filho, sou realmente uma privilegiada! Contar com o envio de variados textos advindos de tão nobres confrades, é realmente agradável e proveitoso. O seu poema A CERCA vai fundo no interior de cada Nordestino, que venha a ter a feliz oportunidade de ler tão importante obra. Parabéns!

Zacharias Bezerra de Oliveira disse...
Às vezes por ali também pousam, curiosos, urubus
Outrora, quem sabe, maneirosas juritis...
A cerca, outras vezes, já não se destaca,
Pois nada mais cerca, são apenas estacas.

José Alberto de Souza disse... 
Enxergas uma sobrevida
pairando no ar eterno
como se quisesse contar
uma história oculta
na solidão de paus a pique
cravados na terra morta.