sexta-feira, 18 de março de 2011

Eram três (ou tema para um conto triste)

Para o amigo Lourival Mourão


Eram três amigos.

Eram três amigos inseparáveis.

Ficaram unidos desde a primeira vez que se viram (gostavam de se pabular disso).

Eram carne e unha desde as primeiras brincadeiras de bila, bola e arraia. Moravam em ruas separadas, mas não distantes. Nunca houve briga, mancha alguma que os separasse.

Cresceram juntos, apaixonaram-se pelas quase mesmas meninas. Dois torciam pelo São Vicente e o outro pelo Unidos do Petróleo.

Cresceram, irremediavelmente.

Um ficou pelo ginásio e ajudava o pai na bodega. Outro foi para o seminário em Sobral. E o terceiro perambulou de festa em festa.

Fatalmente um deles seria próspero comerciante. Outro, dedicado padre. E o último, professor e poeta.

Porém um deles suicidou-se por causa de um amor não correspondido. O outro foi assassinado ao separar uma briga de casais. E o derradeiro pulou da ponte da linha férrea e espatifou a coluna.

Eram três amigos.

Eram três.

Eram.


Pedro Salgueiro

Especial para O Povo

NOVOS TEMPOS

Isis Celiane

O homem conquistou o mundo, fez a revolução que pretendia e tornou-se vazio. Inventou e reinventou a tecnologia e de tanta fixação por suas máquinas, transformou-se numa delas. As relações afetivas deram espaço aos acordos e às sociedades, os abraços agora obedecem à lógica fria da cordialidade. Atingimos o absurdo da escassez de sentimentos, onde vale mais um contato profissional do que um amigo.

Creio que aquele tempo que previa o poeta já chegou, “Tempo em que não se diz mais: meu amor./Porque o amor resultou inútil./E os olhos não choram./E as mãos tecem apenas o rude trabalho./E o coração está seco”. Versos do genial Carlos Drummond, do poema Os Ombros Suportam o Mundo.

Na verdade, o homem caiu na armadilha de seus próprios anseios, na busca por seus objetivos transformou seus companheiros em adversários, em concorrentes. De tanto ser racional, esqueceu de sentir e tornou-se sozinho.

Hoje, os homens, práticos que se tornaram, se encarregam da racionalidade desmedida para concretizar o que acreditam ser um sonho. E os poetas se cometem da admirável tarefa de sentir e bradar em seus versos a tristeza que é chegar a um tempo “em que não se diz mais: Meu Deus.”, como fez Carlos Drummond de Andrade.
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João Bosco disse...
Prezadíssima Isis,boa tarde!Soberbos os teus (e os dos demais confrades) poemas e comentários. Se utilizei o adjetivo "espritado" para caracterizar nossa gente de F. Santos, utilizarei o termo que, por mim, nada tem de pejorativo, mais de agueurridos, inspirados, fecundos "cabeças chatas". Minha querida, siga com eles, que chegarás à Lua, ao mundo inteiro, ao infinito. Eles têm, como nós, a paixão telúrica, o amor à terra, e tudo fazem pelo seu engrandecimento. Eu tenho dois genros e três netinhs "cabeças chatas", e não permito que ninguém deboche deles. Transmita o meu sincero abraço a esses - também - espritados do verso, do conto, da crônica.
Abraços literários do João Bosco

quinta-feira, 17 de março de 2011

A MORTE HUMANIZADA NÃO HUMANIZA A VIDA

Rogerlando Gomes Cavalcante



Sismógrafo algum capta o pavor
aterrorizante, petrificante do tremor
nem grafa a gravidade da nossa impotência e humanidade,
se registra a intensidade de nossa fragilidade - trememos
ante a vida em seus extremos.

Tememos a vida em seus extremos.

A terra se desloca oceânica e ronca o pacífico,
liquidificador arromba e estronda e violenta e rasga
a vida em desumanas ondas devolve ao homem
tudo que ele, se a esgarça, a faça: comércio e saga.

A saga de reformar a terra - e a vida - à ciência e tecnologia
que ao fim e ao cabo vale e equivale a poesia
que por mais pungente e real rareia e, vaga,
nem é sólido, nem gás nem liquidifica nem liquida,
não morre, que o que morre evapora-se nela que fica para mais algum tempo de vida,
não maior que o tempo de acontecer - luzir e sumir.
E a saga de superar catástrofe
mesmo se o homem com a terra não rompe porque
se dela se separa não funde cofre
- E o que o ser rompe interrompe o ser.
E saga maior não pode haver
que a das águas e da terra
e do ar e do fogo que o que faz viver
afoga, aterra, sufoca, queima - encerra...
Encerra, mas, fênix, faz ressurgir
- A vida humana não vale mais que carvão ou rubi.

Época épica à pó cai ali piscam cenas priscas incontrastáveis com o que é cine
em que o que é trágico, dramático, cômico é arte
e eleva platéias em sessões de sensações exorcistas
- todo mundo quer-se livre da vida, aí fantasia.
Mas o tsunami em instantes raptou
vítimas, que não couberam ser expectadoras
como.são os que mundo afora também
assistam as transmissões dos horrores
sem graça, aflitivos, mortais - sem arte, vivos.
( A violência Cine América
quimérica, mas - do império - triunfal.
E a violência real e cadavérica
Do terremoto nos mostra que fenomenal
Não é o ser, não é a terra.
É a vida se nos desterra.)
- No Japão a terra range
e mata e no Norte da África falanges
de dementes nos constrange
a condição humana - negada
por tiranos e, por fundamentalismos, condicionada.

Expectador, também me aflige,
Não afetar em nada o que me atinge:
Influir como quando a gente se faz ouvir
Ouvindo o mundo ouvindo os próprios ruídos de existir
- O que vida e silencia, cia
que a vida é via de ir influ.ir.

Se as placas tectônicas no fundo da terra se movem e comovem o mundo
demove o homem da condição de senhor da terra que se nega da terra oriundo.
Navioscarroscarnescasasroupasprédioslouçasesmigalhadastrituradasliquidificados
detritos
e pessoas encerradas em gritos.
Toneladas de bens humanos acumulados em anos trituradas em minutos
- Quão diminutos são os feitos antropocenos da gente
tão ensimesmados que somos que não notamos
que a revolução não significa seguir em frente, expandir e inundar o
mar
de restos e dejetos de progresso – abrir abscessos
e abismos entre a gente e a terra. Evolução é o preenchimento
desse hiato em que se intervala a terra e permite a civilização
e a civilização que quer desvincular-se da terra
- viver dela, mas sem ela: tê-la sem ser dela.
Eis que aí é que o ser se cancela
Eis que aí é que a terra o sela
Eis que aí é que a vida vela
Que a terra pela a sua zela.
Zela se irrompe, que a vida é ruptura
E rompe o homem; o homem, sutura.
- E a terra não se parte ainda que aberta em brecha
Se parte o homem, sempre que se fecha.
Se fecha em sistema, incuba morte
Que a vida não pode se ditada
- Incontida em teocracia e na Coréia do Norte
E onde quer que a queiram ideal.mente encerrada,
Se nem mesmo no centro da terra a vida
Fica concentrada, retida, estacio.nada – detida:
Incontida eclode primaveras, vulcões, terremotos...usinas nucleares
que seu núcleo é ar, onde, sucessiva, é de morte viva.

Divago a vencer a distância que me separa da devastação
que irradia o Japão e chega a mim.
Divago, divagamos a irmos a todos os rumos que nos distanciem da radiação
mas daqui a pouco – planeta contaminado –
não haverá para onde fugir:
o homem precisa escapar de si.
Divago e estreito o mundo em meu peito com tal arrebatamento
que essa distensão
– se rumino – nada, de tão estarrecido, teria a dizer
e, enfim, silencio consternado para dizer da nossa insignificância na vastidão.
Sim poderia também ser enigmático
E referir-me a rigidez moral japa
Que, em contraste, deu leveza a arte
E a capacidade de registrar o que nos escapa
- Estoicismo que reduziria a dor.
Mas não, não recorro a esse desvio
Que o silêncio não mina a dor
E a gente não domina o acaso nem o rio,
O rio em que cabe toda a terra - e o mar:
O rio de ser onde mergulho a ser ar
respirável.

Ar sem poluição atômica e despoluído
Da razão fulminada pelo que imagina que domina.

A poesia não é do que se funda
E na língua se distancia.
É o que nos inunda
E aproxima – a vida enquanto nos fia.
Nem ciência é a própria consciência
Que se experimenta
Que nem a vida é de auto-suficiência
Se acaso e o ocaso a complementa.
E o que é de autoria humana
Não requer assinatura para identificação
- Bomba, usina nuclear, um poema, nome, mamute, banana...
Só a gente distingue morte de extinção.

De vasta ação a radiação erradica
Pulveriza a própria energia que a ciência predica.
De vasta ação o reator fundido, átomo a átomo, reata
Seus elementos e tudo que alcança mata.
De vasta ação a radiação se, átomo a átomo, aflora
Célula a célula torna a vida nada e nada a faz contida.
Intentando, não prolongar a vida, mas retardar a morte erradica – e o horror
Tem sido que o homem se fez da morte o acelera.dor
- Ciência é exata enquanto na mente e abstrata,
exposta a realidade até a consciência se desgasta.
De vasta ação elimina com mais horror que maremoto
A morte humanizada, o ser é que se faz remoto.
O risco não é nada cientifico – é o definitivo
De riscar da terra tudo que é vivo:
Da vasta ação do homem restará o que erradica – radiação.
Depois, ninguém para sentir-se e vagar – desolação.
De vasta ação, se danifica, nada se enxerta bio,
Por isso exorto: desumanizemos a morte que ela não é do que é vazio
- a tudo desativa.

Se a retarda a morte a acelera, se célere é que se vive,
Se ante ao que destroça a humanidade minha humanidade não contive
É que um sentimento sem palavra me arrasta
– O terror não é remoto. Político, natural – geo.po.ético – me devasta...
E não me desolam senão as perdas incalculáveis
– As de vidas que, atinja-se uma, minha humanidade denuncia:
humanizada a morte não é a si que esvazia.