domingo, 16 de junho de 2013

O Casarão do Crime


Com exceção da lascívia dos felinos sobre a vertente dos telhados e da permissividade dos ébrios inveterados deslizando pelas ruas da cidade, tudo que vagueia ao relento faz parte da obscura mazela que povoa a calada da noite. É a hora em que as máscaras caem e o sorrateiro mal avança. Momento em que os valores morais e éticos são postos à prova, pois é na recôndita calada das trevas que as hienas espreitam!
Quando os vampiros saem de suas tocas, ávidos por sangue, quando os guizos das cascavéis chocalham com seus mórbidos avisos, é a dita hora em que as coisas que não podem ser feitas em público, são postas em prática. Mal o limite do oculto se amplia, os crimes contra o povo são perpetrados. É no momento em que os olhos da dignidade serenam, distraídos, sem espreitar nem se precaver do secreto, aí o falso moralista mostra que não passa de um hipócrita.  A ganância humana vira lobisomem!
O áspero cabo de aço intrometeu-se pela janela do oitão da Rua Cel. Zezé deslizando pela velha sala de visita - na qual esparramava-se o sonolento semblante de uma tradição, a face de uma era - e saiu pela claridade da Rua João Tomé, num serpentino abraço atando-se a um robusto trator, que já roncava. A tração, um cortante cerol, talha a grossa parede de imensos tijolos como faca amolada no queijo coalho e tudo vem abaixo. As gerações dos aguerridos Mourões abalaram-se em seus incorpóreos alicerces, agora sem o bacamarte em punho para revidar, sente-se a falta da pena do poeta José Coriolano para protestar contra o ato insano em seu sanguíneo cabedal. O Coletor Estadual e chefe político Enoque Mourão, com todos seus descendentes, se agita, de onde está, sem nada poder fazer. Ruiu, como um castelo de cartas, o Casarão dos Mourões!
Há muito que se notava uma força estranha estendendo tentáculos gananciosos pelas terras do Senhor do Bonfim, como uma sombra que caminha agachada, sorrateiramente a negacear, a tirar proveitos de ajustes escusos, como os judeus, de quem nos fala Gustavo Barroso em Historias Secretas do Brasil, que com os repulsivos lucros desde o tráfego negreiro, com os ágios de corrupções e das drogas, vêm comprando o Brasil e o mundo. Estarão, também, devorando os velhos casarões de Príncipe Imperial, em busca de uma legitimidade?
Já passava da meia-noite, quando o bancário Fred observa uma poeira de escombros subindo pelo cruzamento das Ruas Barão do Rio Branco e Cel. Lúcio e percebe a tramóia, era a iminência de mais um crime na calada da noite. Liga para o Professor Paulo Geovane que alardeia a todos na reunião do comitê do Partido Socialismo e Liberdade, Psol:
- Meu povo, estão derrubando mais um casarão da cidade!
 A Professora Adriana Calaça, candidata a prefeita, alvoroça-se e parte na frente, rumo ao anunciado endereço, seguida de perto por Geovane.  
O trator já patina no assalto, em marcha à ré, tracionando um forte cabo de aço amarrado nas paredes do imenso Casarão dos Machados: Vroom!! Vroooom!!! Vroooooomm!!! Os olhos espantados de Adriana Calaça clareiam-se num lampejo de coragem e determinação, como nos raros momentos da história em que surgem os heróis, quando ouviu um estalido seco, como um chicote no ar: Páááá!!! O cabo de aço partira-se! De imediato avisa para seu companheiro de partido:  - Paulo, isso foi um aviso! É para nos dizer que não deixemos esse povo demolir o casarão! Siga-me!
Passam por baixo do cabo de aço, que um funcionário novamente amarrava por entre os janelões, e postam-se, corajosamente, em frente ao paredão que irá cair!
O motorista do trator e os recentes donos do prédio, aos gritos, avisam:
- Vocês são loucos!!! Vão acabar morrendo se não saírem daí!
A turba que aguarda, ansiosa, para assistir ao espetáculo do tombo do Castelo, estava dividida. Alguns, subordinados pelo dinheiro, gritavam:
- Derruba por cima! Mata! Mata a prefeita!
Rapidamente, outras pessoas foram chegando, e dão apoio à temerária dupla, armada somente com a disposição extraordinária de alma de guerreiro. O poeta Elias de França, notando que não se entenderá com os proprietários por meio de meras palavras, liga para o Promotor de Justiça, Dr. José Arteiro, e marca-se uma Audiência Pública de conciliação entre as partes, os proprietários do prédio e Academia de Letras de Crateús representando a sociedade civil. A reunião de conciliação foi presidida pelo Juiz da 3ª Vara de Tauá, Dr. Adriano Pontes de Aragão. Naquele dia, assistiu-se a um belíssimo show de erudição e discernimento de um honrado magistrado, que lembrou a sabedoria bíblica do Profeta Salomão, confirmando que a força da lei, em mãos hábeis e sábias, é o poder que restaurará a Nação. Assinou-se um acordo de preservação da fachada histórica do Casarão dos Machados, mas este já havia confirmado a sua inalterabilidade na face do tempo, desde o dia em que recebeu o batismo da eternidade por um raio de cem mil volts mandados pelos céus, e que escoou pela fachada em mistura de barrenta descarga elétrica, cal e tijolos do pico do seu oitão. 
A lei Nº 186 de novembro de 2011 que dispõe sobre a preservação do patrimônio histórico, cultural e turístico do Município de Cratheús protege os prédios históricos, e afirma: pela destruição, pela demolição do bem tombado, multa de até dez vezes o valor venal do edifício.
Mesmo assim, as madrugadas sonolentas da cidade são inimigas do nosso patrimônio e, numa mera distração da dignidade, a ganância continuará a detonar nossos casarões, pelas frientas caladas das noites.
Uma sensação de temor e apreensão ainda desfila pelas madrugadas da Rua João Tomé, esquina com Cel. Zezé: O Casarão, aonde Dona Isabel Bonfim Leitão serviu água e café para o falso aleijado, Cap. Pretinho, alertando a cidade para a presença de um perigoso espião da Coluna Miguel-Prestes, pode a qualquer hora amanhecer no chão!
 Uma sensação de temor e apreensão ainda desfila pelas madrugadas da Rua Padre Macedo com a Rua Firmino Rosa: O Casarão dos Bonfim, sede da Fazenda Piranhas, que ostenta o símbolo da Intendência Municipal em sua fachada, pode a qualquer momento amanhecer no chão!
 Uma sensação de temor e apreensão ainda desfila pelas madrugadas da Rua Carlos Rolim com a Rua Dr. José Coriolano: O casarão onde morou Padre Macedo, que um dia hospedou o escritor Antônio Bezerra de Menezes e de onde o criminoso Adriano pulou a janela após esfaquear o sacerdote, pode a qualquer instante acordar no chão!
   Uma sensação de temor e apreensão desfila pelas madrugadas das ruas da cidade aonde ainda exista, de pé, um histórico casarão: pode não haver, nesta noite calada, fria e desprevenida, uma heroína-guerreira, uma entusiasmada Adriana, decidida e de prontidão!                         

Raimundo Cândido

José Alberto de Souza disse...
Às vezes, me quedo perguntando,  se a humanidade ainda não se encontra preparada para o progresso,  será que não precisa duma nova Inquisição?