sábado, 7 de abril de 2012


                                   HARLEY, O PALHAÇO CARA MELADA

                                                                                    Brutalmente assassinado.

                                              UM MINUTO DE RISOS


Silas Falcão


quinta-feira, 5 de abril de 2012


                                                                             Felicidade
Alguém disse, insciente e precipitadamente, que a recordação da felicidade não é mais felicidade, somente a lembrança da dor, ainda é dor, uma assertiva dura para um saudosista que teima em viver de um feliz aroma do passado. Outra vez me pego acomodado numa confortável rede-divã, revendo algumas desbotadas fotografias, mas não tão velhas assim, e percebo que delas ainda irrompem algumas gotas de felicidades, contradizendo a assertiva daquele indolente e excêntrico autor.
                De um pálido retrato saltam três ingênuos sorrisos a revelar cristalinas almas nas primeiras revoadas da vida. Sinto as palpitações dos ardentes coraçõezinhos impulsionando seus passos a uma longa jornada. Será a procura da felicidade? Acho que sim! Pois ser feliz é provavelmente a maior busca, o maior desejo da humanidade, por uma ventura que ninguém sabe o que é, mas todo mundo compreende o que significa.
                É como aquela noção física de calor, lá da termologia que tortura os estudantes nos exames de vestibulares, definida como uma quentura que nunca se tem, mas carrega todas as circunstâncias para sua cálida existência a transitar de um abrasador corpo a outro enclausurado numa tíbia frieza.
                É uma condição que sempre intrigou a humanidade e tem tirado o sono de muitos psicólogos, neurocientistas, filósofos e aluados poetas fascinados pelo brilho momentâneo e transitório deste momento de contentamento. Dizem que, por baixo de sua complexa aparência carregada de dificuldades, há uma trilha simples e fácil de seguir: é só ter alguns amigos sinceros, praticar atividades que exijam concentração e dedicação completa, exercer controle sobre a própria vida, ter um sentimento de gratidão para com as coisas e as pessoas de índoles boas que aportam em nossas vidas, cuidar bem da saúde e, principalmente, amar e ser amado, muito simples não! Nada de sair ganhando em Mega-Senas, se exibindo em potentes carrões, viajar em magníficos iates ou festejar a vida em grandiosas mansões. Não se preocupe com as coisas que estão além do poder da sua vontade, dizem, ensinando o caminho. Ela, essa tal de felicidade, também não é uma questão de intensidade, mas de equilíbrio e ordem, ritmo e harmonia.
                Atualmente é um assunto tão seriíssimo, que obrigou a Organização das Nações Unidas a legitimar mais uma taxa para medir o desempenho e desenvolvimento Humano: O Índice de Felicidade para aferir o bem-estar dos povos nos mesmo molde que o produto interno bruto (PIB) que determina quem é rico ou é pobre. Este padrão holístico que vai ser discutido nas areias quentes de Copacabana no Rio+20, em junho 2012, na Conferência da ONU sobre o Desenvolvimento Sustentável, certamente não será comensurado como um taxa de glicemia para diabéticos ou de triglicerídeos para os cardíacos.
                  A felicidade terrena, que deve ser uma pontinha daquela eterna bem-aventurança que nos aguarda como recompensa lá no céu, faz com que mesmo estando tristes fiquemos felizes, pois a verdadeira felicidade é uma calma, é uma consciência, é um talento para aturar o inevitável e ficar debochadamente admirado consigo mesmo, só por está surpreendentemente vivo. Esta boa e serena felicidade está conosco o tempo todo, nós é que muitas vezes não damos a menor bola pra ela...
Pelo melancólico olhar continuo aspirando a luz diafana da desbotada fotografia que conserva uma alegria infantil de um trio pueril, com seus cândidos sorrisos a me aquecer o coração. São meus filhos que partiram em revoada, mas sinto aquela felicidade sem motivo como uma pluma que o vento leva pelo ar e que também me transporta, visto que passei a acreditar, sinceramente, naquilo que não se ver e não se pode tocar. Hoje, deixo-me ir, e sigo feliz não me importando a que porto tenho que chegar.

Raimundo Candido

Karla Gomes (Kafka) disse...

Amigo Raimundo,
muitas são as receitas para encontrar, viver, alcançar esta tal felicidade, mas o poetinha disse lindamente:
"A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranquila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor"

Maravilhosa crônica!

José Alberto de Souza disse...

Nestas idas e voltas, as nossas vidas
são como caravelas em revolto mar,
mastros quebrados, rasgadas velas,
cascos maltratados nas tormentas,
mesmo assim elas seguem paralelas,
tentando sempre manter o rumo,
à procura de um porto aonde chegar...



Luzia Neide Coriolano disse...

Nem é mais so poesia, e emoção e essencia. Pita, Cândida e Kid então fechou a beleza e pureza a infância desses lindos! Amei, valeu, mano do coração.

Pitágoras Teixeira disse...

A felicidade de ter um pai grandioso, que nos faz ter orgulho de ser seu filho. Eu agradeço a Deus por ele ter nos dado um poeta, professor, mas acima de tudo um grande pai, que me deixa super orgulhoso em vários aspectos, e digo que hoje e sempre vou te amar.



                                        O FUNDO FALSO DA VERDADE

De longe ele o vigiava. Felino nos movimentos seguiu os passos do outro. Olhou em volta. Rua deserta. Avançou.
– Passa a sacola.
– Mas não tem nada de valor.
– Tem. Vi o que você guardou dentro dela. Passa a sacola ou atiro.
O velho de andar de ave obedeceu.
Rapidamente conferiu o conteúdo da sacola. Sorriu guardando a reluzente pistola na pasta executiva em couro legitimo e saiu veloz.
Só em casa é que percebeu que o dinheiro era falsificado.

Silas Falcão

quarta-feira, 4 de abril de 2012


O FELINO
 De manhã, antes do sol despontar no horizonte,  Irisbela saiu do sono, levantou-se,desarmou a rede de fios brancos entrelaçados, a pouca distância das outras, na oca  ,recolheu-a e se encaminhou para o rio. Ao tomar banho, imergindo com vagar o corpo na água,volveu à aldeia,comeu peixe moqueado com beiju, de cócoras, e saiu.
Irisbela deixou a taba, habitação do pai Pajaci, da mãe Liraquim, e caminhou para o interno da mata, endereçando-se à serra, lugar constantemente úmido, com permanente estação fria. Fora coletar frutos, destinados a ela, à mãe, ao pai, aos irmãos, aos primos e às primas.
Irisbela coletou bastante frutas, arrumou-as numa espécie de cesto, decidiu regressou à aldeia. Já trilhava o caminho de retorno, olhando para frente e para os lados, quando avistou um filhote de jaguar, gemendo, estendido no chão coberto de folhas secas, ao  lado de uma árvore. Parou, saiu da sua rota, aproximou-se dele, percebeu que estava ferido. Havia sofrido um tiro na pata direita, perdia muito sangue.
Ao lado da cria, a poucos metros, achava-se a mãe, onça pintada, espichada no solo da floresta, sem vida. Vários tiros, vindos  de diversas direções, haviam atravessado o pescoço do animal que tombou,morta. Irisbela inferiu que foram os caçadores brancos, filhos de terras estrangeiras, os matadores da fera. Mataram-na para se livrarem do ataque mortífero. Praticaram um grande mal. Deixaram o filhote ferido, privado de mãe, não sobreviverá na floresta. Será uma presa indefesa na mata referta depredadores.
1
Irisbela, filha de Pajaci, condoeu-se do felídeo, filho da onça pintada. Não era bruta, era humana, tinha sentimentos. Não podia abandoná-lo. Se o deixasse ali, só e desprotegido, não escaparia à sanha dos predadores da fauna. Logo,logo, faria parte da dieta deles. Resolveu salvá-lo.
A silvícola pôs o cesto com frutos no chão, tomou o filhote nos braços, mimou-o como se fosse um filho. Acariciou-o, beijou-o, com lágrimas caindo dos olhos. Julgou-o bonito e imaginou que, se fosse possível, queria gerar num venturoso dia, após amar seu esposo póstero, um rebento tão formoso quanto o felino órfão. Depois olhou atenta para todos os lados da flora e, percebendo que ninguém a via, rumou para um lugar seguro.
Dirigiu-se à gruta onde costumava brincar com crianças aborígines, suas amigas, filhas da aldeia. Entrou, apanhou todas as pedras dispersas, depositou-as num canto. Fez, no fundo da gruta, uma cama de folhas e varas, nela depositou o felídeo. Limpou seu pelo mosqueado, manchado de sangue, tratou-lhe os ferimentos, deu-lhe comida para recuperar-se e crescer robusto.
Feito isto, tornou ao cesto de frutos, ergueu-o, depositou-o na cabeça, endereçou-se à aldeia. Chegou com atraso demais de uma hora. Não contou à mãe, ao pai, às amigas, sobre o filhote encontrado ferido. Receava que eles, se informados, fossem à gruta para maltratá-lo ou matá-lo, sem um motivo capital. Era um segredo, e só ela, o céu, a terra e os espíritos, seus protetores, sabiam.
Todo dia, pela manhã, Irisbela despertava antes dos outros autóctones, dirigia-se aos animais domésticos que alimentavam os filhos, fazia a ordenha, recolhia o leite  numa cuia, levava-o para o felino. Abria-lhe a bocarra, introduzia nela o leite através de um cipó oco que servia de canudo. O animal sugava o cipó com satisfação. Depois, ao chegar à idade de rejeitar o leite, ela levava carne para ele, patas, vísceras  e cabeças de caças abatidas pelos aborígines. Bem alimentada, a fera cresceu saudável, fez-se vigorosa, pronta para enfrentar os perigos postos pela natureza.
Ao fazer-se adulto, Irisbela descerrou a bocada gruta, tirando a pedra para soltá-lo. Ele havia ficado enorme e precisava de mais carne do que a encontrada ao alcance da boca. A selvagem compreendeu que não podia suprir as necessidades do animal crescido; resolveu libertá-lo. Livre, o felídeo embrenhou na flora, procurando a sobrevivência  nos pontos onde houvesse as maiores quantidades de mamíferos grandes e gordos.
2
O jaguar adentrou a mata, sabendo que ele e sua dona, irisbela, eram amigos para sempre. Devia a sua vida à generosidade da silvícola e prometeu, a si mesmo, defendê-la do perigo em todo o tempo.

Raimundo Candido disse...
Primeiro capítulo de um dos quatro romances inéditos do escritor Gilberto Pereira Santos (Professor do Ceja-Crateús). Este é num estilo alencariano, os outros romances são machadianos puros, confirmando o que tenho dito: - Aqui é um grande celeiro. E aí de quem duvidar!

segunda-feira, 2 de abril de 2012

                                E A FRANÇA DEPORTARIA PICASSO?

Há algumas semanas li um livro sobre um dos momentos mais interessantes do século XX: as aventuras da arte moderna de 1900 a 1930 em Paris. Nós conhecemos muito ou pouco desse momento (quem assistiu ao filme “Meia-noite em Paris” de Woody Allen sabe do fascínio que esse período, especialmente os anos 20, exerce sobre nós): quem não queria beber e conversar com Modigliani, Picasso, Apollinaire, Hemingway, Soutine, enquanto se explorava os bares de Montmartre e  Montparnasse? Muito da aura poética de Paris surgiu desse período. Paris do surrealismo, da arte abstrata, Paris dos bares, cabarets e cafés, das galerias, Paris berço da boemia. Mas uma coisa é interessante de se observar: a maior parte desses artistas que ajudaram a construir o mito de Paris como destino inultrapassável das artes eram estrangeiros.
O autor desse livro tem uma tese sobre o que aconteceria com esses artistas estrangeiros na Paris atual: “Eles escolheram viver em Paris, cidade fraternal, generosa, que soube oferecer a liberdade a esses povos vindos de fora. Hoje, Picasso, Apollinaire, Modigliani, Cendrars e Soutine não estariam mais aqui. Eles teriam sido rejeitados para longe do Sena. O espanhol por uso de drogas, o ítalo-polonês por dissimulação, o italiano por escândalo na via pública, o suíço por roubos na estalagem, o russo por miséria crônica e mendicância disfarçável à duras penas”. Essa tese parece ser muito dura: Paris (e, claro, a França) se tornou rígida demais e, sobretudo, intolerante com os estrangeiros. Mas isso é o que nos dizem os debates políticos daqui, enormemente dominados pelo tema da imigração. Virulências que não partem apenas da extrema-direita xenófoba do Front National, mas escondidas na plataforma do Partido Socialista.
As festas épicas organizadas em Paris pelos artistas do começo do século seriam hoje consideradas casos de polícia. Quando os boêmios de Montmartre declararam sua independência, quando os artistas em peso se fantasiaram com as roupas do exército francês da época da comuna de Paris e desfilaram pelas ruas levando garrafas de vinho (o objetivo era fazer uma barricada no apartamento que Poulbot alugava para impedir que o proprietário colocasse o pobre pintor na rua), eles não sofreram repressão. Mas hoje as coisas seriam radicalmente diferentes: declarar uma parte de Paris independente, mesmo que num mero ato estético de distinguir esse bairro de artistas dos outros da burguesia afetada, seria considerado um insulto à Pátria, talvez até uma questão de segurança nacional.
            (Em sentido horário, Fitzgerald, Gertrude Stein, Hemingway e Picasso)
Esses artistas estrangeiros não teriam mais a liberdade dessa época: em primeiro lugar, eles não poderiam mais vir morar em Paris sem que antes especificassem qual o objetivo de sua estadia e por quanto tempo permaneceriam. E deles seriam exigidas a comprovação de condições financeiras, um endereço fixo (coisa que quase nenhum deles tinham) e outras coisas que permitissem que o estado os pudesse rastrear mais facilmente. Vir à Paris para escrever e pintar? Só através das cada vez mais parcas concessões de bolsas de estudo. E mesmo se conseguissem, que escrevessem à la Beat generation, rapidamente, pois o tempo é curto. Se quisessem festejar a vida, que o fizessem com menos barulho possível, pois em Paris os decibéis são rigorosamente controlados. Morar em Montmartre e Montparnasse? Esqueça, esses são dois dos bairros mais caros, com o valor do aluguel de um ateliê (leia-se kitnet) ao redor de 1000 euros. Muito provavelmente esses artistas estariam morando nas periferias mais distantes, onde os estrangeiros pobres são engavetados (e onde a vida noturna é praticamente inexistente). Morar em pensões, pagas quando podiam e das maneiras mais inusitadas? Sinto muito, elas não existem mais: tornaram-se hotéis. Fazer bicos para comprar o vinho diário e ocasionalmente uma refeição quente, como a maior parte deles fazia? Só se tiverem a sorte de ter impresso no visto uma pequena autorização de trabalho. Vender as pinturas nas ruas, como fazia Utrillo nos momentos em que a fome apertava? Dirija-se à prefeitura para conseguir a autorização (e comprove que você não está na França ilegalmente, o que era o caso do Utrillo).

(Pintura de Utrillo “Rue Custine a Montmartre)
São tantas as diferenças entre a França daquela época e a de hoje… Talvez alguém pudesse dizer que essa França do começo do século XX é precisamente isso, uma França de outros tempos. Mas o fato é que ela mudou para pior. E as coisas estarão cada vez mais sombrias num futuro muito próximo: se hoje o único caminho para algum escritor ou artista vir à Paris é através de bolsas de estudo, em breve essa porta se tornará uma janela. A circular Guéant, idealizada por um ministro abertamente xenófobo (que declarou há alguns meses que a civilização ocidental é superior às outras), vai reduzir drasticamente a entrada de estrangeiros que pretendam estudar na França. A desculpa: a França não quer contribuir para a pilhagem de cérebros estrangeiros.
As pesquisas eleitorais nesse mês que antecede as eleições presidenciais mostram que a direita vencerá. E, mais assustador ainda, a extrema-direita receberá milhões de votos. A França de hoje é mais intolerante, fechada. E o governo já declarou sua intenção de sair do tratado de livre-circulação da Europa. Esses artistas de países vizinhos seriam barrados ou deportados, e os de países distantes receberiam apenas o visto de turistas (se mostrassem condições financeiras para tal). Imaginam Picasso deportado?


                                                               Yuri Falcão

Raimundo Candido disse...



Que pena! Aquela glamourosa e poética Paris não mais existe, e que santa ingenuidade a minha! Uma Europa inteira morre aos pouco, como um ovo podre, corroída pelo medo do mundo e implode sobre com sua desumana soberba. Obrigado Yuri, por nos mandar notícias deste velho mundo cada vez mais antiquado e mais distante.
Raimundo Candido