domingo, 13 de dezembro de 2015

ROSA MORAES


“Lança o teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás.” Esta citação está em Eclesiastes 11,1.
À primeira vista é difícil entendê-la: o pão, lançado sobre as águas, certamente depois de muitos dias tende a se diluir. Por que a máxima bíblica assegura que o acharemos?
A Bíblia é um livro parabólico, carregado de expressões figurativas. Segundo historiadores, era costume egípcio, herdado dos hebreus, o lançamento de sementes de trigo sobre as águas nas margens do rio Nilo. Quando as águas baixavam, elas brotavam e produziam trigo na entre safra trazendo, portanto, pão para os famintos nos tempos de mesa escassa.
Rosa Ferreira de Moraes, que nos deixou ontem, dia 12 de dezembro de 2015, foi pintar paisagens no Céu porque era uma mulher de fé!
Há dois anos, precisamente no dia 26 de outubro de 2013, partilhou o pão centenário, aprendeu a dadivosa extensão dessa Eclesiástica assertiva bíblica: celebrou um século de lúcida e lúdica existência rezando a Santa Missa na mesma Igreja em que se batizou, lançando um livro biográfico no Teatro que leva seu nome, sendo diplomada como honorária da Academia de Letras de Crateús e colhendo homenagens fiadas por familiares, autoridades e amigos na Cabana Mendes, clube de um parente seu.
1913. Ano de seu nascimento. Estados Unidos da América. Henry Ford concebia a famosa “linha de montagem”, revolução na engrenagem de trabalho capitalista que combinava componentes estandardizados, movimento mecânico, equipamento de precisão e processos padronizados.
1913. Rio de Janeiro, Brasil. Nascia, na cidade maravilhosa, o extraordinário poeta Vinicius de Moraes, que embalou a humanidade com algumas das canções mais entoadas no Planeta.
1913. Tagore, o místico poeta indiano a quem o Mahatma Gandhi se referia como "o grande mestre", ganhava o Premio Nobel de Literatura por sua Oferenda Mística. Tagore pontificou que “o homem só ensina bem o que para ele tem poesia”.
1913. Crateús, Ceará. 26 de outubro. Nascia Rosa Ferreira de Moraes. Contraponto aos equivocados e desumanizadores sinais dos tempos; ponto de encontro dos mais elevados valores que a higidez humana podia almejar.
Rosa musicalmente fez do trabalho a sua vida; e da sua vida, o trabalho. Não esse enfadonho labor fundado na individual ambição, mas aquele sintonizado com a transcendental compreensão do serviço de edificação.
Lecionou bem, com o espasmo sereno da verdadeira alegria, porque pincelou a faina com poesia!
Quando o ventre da História, por intermédio do casal José Olímpio de Moraes e Maria da Conceição Ferreira Moraes, pôs Rosa Ferreira de Moraes para abraçar a madrugada do mundo, estava lançando sobre a terra um lírio especial da flora humana.
Na noite do natalício centenário, invisivelmente postada na varanda do firmamento, sentada no trono magisterial de sua urbe, comandando o círculo dos discípulos de sua tribo, Rosa nos convidou para uma breve liturgia de amor.
Com o que podemos comparar Rosa?
Quando estendemos a retina por todo esse mágico bioma que nos circunda, facilmente se conclui que a nossa veneranda professora guarda similitude com o nosso principal estandarte: a elegante, expressiva, multifacetária e imponente Carnaúba!
Visivelmente majestosa, aparentemente solitária como as Carnaúbas – que, no entanto, possuem a fidalguia da palmeira imperial – Rosa tinha nas veias abertas do coração a nobreza de princípios.
Da aparente solidão que exibia descobrimos um ser completamente doado à interação com o próximo e ao serviço à comunidade. Da tua palha, Rosa, confeccionamos a vassoura que varre os nossos defeitos de caráter; o teu tronco, Rosa, se transforma na bancada que agrega a família ou no teto que oferece a sombra da reflexão; a tua cera, Rosa, alisa o piso da nossa alma e faz brilhar os talentos do nosso espírito!
Salve, centenária ROSA FERREIRA DE MORAES, sacerdotisa da educação, mestra da pintura, irmã da música, jardineira da fé, semeadora de bons costumes, legenda referencial!
Abençoada sejas, per sécula seculórum, pelo século dos séculos! Viva!
(Júnior Bonfim)

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

TOMEI UM ITA E ME FUI LÁ PARA O NORDESTE

                                               

As crônicas do poeta cearense Raimundo Cândido Teixeira Filho, ilustre cria dos sertões de Cratheús, são uma provocação a nos desafiar a vontade de prosear, sentado na calçada, jogando conversa fora.
Eis que ele acaba de pinçar uma inédita manifestação sertaneja no prolífero dicionário cearês - “a genial expressão “B.R.O brós” só para indicar os meses mais quentes do ano, de setembro a dezembro”.
Prosseguindo, arremata o período com uma sentença folclórica: “Dizem que o mundo, uma vez, findou-se com muita água e que, agora, vai se acabar é nas labaredas de fogo e o foco é no sertão cearense”.
Peço licença ao Professor pra me trasladar de cadeira e cuia até sua calçada e me sentar sem cerimônia alguma, aproveitando a brisa refrescante deste Aratiba amigo que surge em madrugadores mormaços.
Ah, se eu não falaria das estripulias de “El Niño” lá pelas bandas do Pacífico, causando esta tremenda bagunça que não deixa de ser sempre inversão de valores com inundação no Sul e seca no Nordeste.
Até proporia uma força tarefa de serafins bombeiros para conduzir essa nossa enxurrada para irrigar aquelas áridas terras do Agreste, combatendo as maléficas intenções do Capeta nesta fornalha acesa.
Para consolo desse nobre Vate, ainda relataria certa madrugada na praia de Tramandaí, em que alguns moradores do condomínio Quebra-Mar acomodaram seus colchões e ventiladores nos corredores externos.
Vixe, foi uma vez só, nem precisei aquecer água para o chimarrão, mas que me senti reencarnado nas profundezas ígneas, palavra que senti, duvidando existir qualquer calorão senegalesco mais intenso.
E você ainda fala de um outro Aratiba que se desviava pelas esquinas da cidade, levantando “santinhos” de mico leão dourado, onça pintada e garoupa que geravam corrupção entre políticos e eleitores.
Parece-me, Mundinho, que os ventos se comunicam entre si, se não como explicar que o nosso Minuano venha compactuando com essa safadeza engendrada pelo manhoso Aratiba nestas tão longínquas paragens.

José Alberto de Sousa – Porto Alegre - RS
O poeta das águas doces - http://poetadasaguasdoces.blogspot.com.br/

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

O Aracati no sertão.

  
 
O cearense, com sua irreverência nata, inventa cada nome estrambólico para as coisas que ocorrem e que existem nos quatro cantos do sertão: Arre-égua, capoeira, coivara, cangapé, desembestar, embiocar, frivião, gurgúi, mutuca, pixilinga, talagada... Vixe! São tantos os neologismos que aparecem no dia-a-dia do sertanejo que até ajuntaram todos esses vocábulos incomuns num magote só, e chamaram de Dicionário Cearês. Minha admiração maior é de quando, nós, ispritados cabras-da-peste, unimos numa única designação uma série de palavras, como a genial expressão “B.R.O brós” só para indicar os meses mais quentes do ano, de setembro a dezembro. Dizem que o mundo, uma vez, findou-se com muita água e que, agora, vai se acabar é nas labaredas de fogo e o foco é no sertão cearense.
Os B.R. O brós são uns dias tão quentes, mas tão quentes que ainda tem crateuense que fica sentado na calçada, até altas horas da noite, em cadeira de balanço, esperando o Vento do Aracati chegar para amenizar o mormaço que abafa o mundo e, só assim, ter uma noitada tranquila de sono.
Ventilador, na minha meninice, era coisa muito rara e só existia nas casas dos ricaços da cidade que dormiam embalados por uma frescurinha artificial. O Povão ficava era nas calçadas, nas noites quentes dos B.R.O brós, de abanador na mão, fofocando da vida alheia e esperando a friagem do Aracati chegar.
Os mais velhos diziam - e eu piamente acreditava - que o vento do Aracati partia de um gigantesco moinho que ficava assoprando da praia, onde nasceu o Dragão do Mar, e sem falhar um dia sequer, no rumo à fornalha do sertão. Era até um motivo de empurrar, mais cedo, as crianças para dormir nas suas baladeiras, na ameaça da tal de cruviana, que estava, sorrateiramente, chegando.
Alguém, de imaginação muito fértil, tentava explicar a demora do Aracati em chegar ao sertão: - Ele vem de muito longe, lá do fim do mundo, onde o Rio Jaguaribe se despeja no mar e vem muito devagar, vem se arrastando, se entretendo, ora aqui, ora ali e é por isso que demora. É um vento muito invocado, embioca de lá prá cá, fazendo estripulias pelo mundo. Boa parte sobe pela calha do velho Rio Jaguaribe, passa por Russas, Limoeiro e vai bater na terra abençoada do Padim Cíço. O restante do sopro do mar, que parte da praia de Canoa Quebrada, dos verdes mares de Majorlândia, pega o rumo do sertão brabo, encrespa as penas da Galinha Choca, em Quixadá, e tira, numa linha reta, por cima da cidade de Boa Viagem, até chegar nos Sertões de Cratheús e nos cumprimenta com um refrescante boa noite. O Aracati é um vento muito brincalhão, mas vem amenizando as altas temperaturas por onde passa e, às vezes, escaramuça que nem potro selvagem levantando poeira pelo chão. Quando muito cansado, desce pelos povoados, assovia nos telhados e, só de brincadeira, levanta o vestido das moças fogosas ou então assanha os cabelos das senhoras de respeito, que se balançam nas cadeiras, nas calçadas. O bonito é quando ele faz um cansado cata-vento, todo enferrujado no reumatismo agudo, girar sua ventoinha e, só no susto, entoar uma canção de saudade, no meio da noite que, lentamente, vai se esfriando.  O vento do Aracati é como o sopro de Zéfaro, faz a Caatinga criar vida.
Por aqui, nos Sertões de Cratheús, “existiu” outro Vento do Aracati, um outro vento bem diferente daquela friagenzinha que sempre vem do mar, mas que também alegrava quando passava pelas esquinas dos bairros da cidade ou pelos povoados do interior. O eleitor ficava sentado nas calçadas, só aguardando a passagem “da brisa” e, quando chegava a alegria era geral. Se o vento, das notas de cruzeiros, fosse  em Rui Barbosa tinha que ser, no mínimo, de umas dez cédulas, duas de Osvaldo Cruz já serviam ou então um JK brilhozinho e se confirmava o acordo de um quadro endêmico que, por muito tempo corroeu,  e ainda corrói a honradez e o brio do glorioso Brasil: Uma corrupção mútua e safada entre políticos e eleitores, entre eleitores e políticos.
Há quem diga que o verdadeiro Vento do Aracati nunca consegue chegar por aqui, nas lonjuras deste nosso imenso sertão, como um rio que voa, trazendo a rajada da brisa do litoral. Mas quem assim diz é porque não sabe da coragem do Mar que um dia animou a alma do jangadeiro aracatiense Chico da Matilde para se tornar o herói que fez do Ceará o Pioneiro na Abolição.
Há quem diga que não é o Aracati que vem amaciar o rosto do rude sertanejo com sua brisa que acalma a alma, nas madrugadas frias. Mas quem assim pensa é porque não sabe da fluência da poesia do mar, não sabe que o Vento do Aracati recita no ar o doce odor das maresias e nos oferta flores marítimas na inalação, em plena sequidão do sertão.
E quem somos nós para contradizer o grande escritor José de Alencar quando afirmava: “O doce Aracati chega do mar e derrama a deliciosa frescura pelo árido sertão. A planta respira e um doce arrepio eriça a verde camada de capim, pelo chão.” É isso mesmo, o vento do Aracati resvala no sopé da Serra da Ibiapaba, nas beiradas da Bica do Ipu, onde a escultural índia Iracema se banhava, toda vestida de graúna.
E no mormaço brabo do meu querido sertão, aqui na calidez da Ribeira do Poti, só me resta colocar uma cadeira de balanço na calçada e esperar, esperar e muito esperar que a Brisa do Aracati chegue trazendo o desafogo das rajadas de poesias do belíssimo mar de Canoa Quebrada, nos ofertando o frescor dos ventos de Majorlândia que aumenta a esperança de vida de quem só sabe viver no clima quente do sertão. E, como os poetas ribeirinhos, aguardo a eólica inspiração, espero, espero e muito espero o sopro do Vento do Aracati para aliviar este imenso calor que me sufoca e, também, para suavizar a viva fornalha de onde flameja a sequidão desses meus rudes pensamentos.  
- Ah! Que alivio e que vento bom, está chagando a brisa do Ara Katu!
( Através do poeta crateuense Dideus Sales, o nosso abraço e agradecimento à Aracati pelos seus 173 anos que nos manda a suave brisa do Aracati)


Raimundo Cândido 

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Por que fiquei da minha aldeia.


                                                                     
Ouvir o chamado,
vivo, nítido,
irrecusável,
eu ouvi!
Os meios, a ocasião,
e os álibis estavam ali,
aos meus pés alados,
e não parti!
Permaneci pousado
num galho seco
em tempos de arribação.
E fluíram todos, arrojados,
livres e aos bandos!
Regressaram, um a um,
para abrandar o vazio do peito.
E voltarão, como de praxe
mas, não para ficar!
Ficar... Fiquei eu!
É que as asas criaram raízes!

Raimundo Cândido


quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Encontro Marcado



Um sujeito bateu palmas na minha porta: Plá! Plá! Plá!  Eram pancadas intensas, nervosas que mostravam uma aguda impaciência: Plá! Plá! Plá! E logo ao meio-dia, enquanto tiro uma restauradora soneca: Plá! Plá! Plá! Minha sesta é sagrada, são poucos minutos de superficial letargia, mas que me fazem muito bem. Não suporto quando alguém, inconveniente, interrompe esse breve descanso, eu fico abusado, passo o resto do dia mal-humorado. Levantei-me, a contragosto, e fui atender, já mostrando um descontentamento estampado no rosto.   
                - Quem é que...
Parei. Uma mistura de incredulidade e assombro extinguiu o aborrecimento. Ia até perguntar que urgência era aquela, mas fiquei com as palavras presas na garganta quando vi a fisionomia do indivíduo que batia palmas. O rosto exibia um olho esbugalhado, como se a cabeça tivesse sido amassada numa prensa, demonstrava total cegueira, e com as pernas da calça cáqui no meio da canela, pegando marrecas.  Já tinha visto aquela pessoa, há muito e muito tempo atrás. Ele me reconheceu, pela voz na certa, mas antes tratou de me acalmar.  
- Fique calmo, Seu Raimundinho! Sou eu, o Fausto Araújo.
- Mas, mas... É o mesmo o Fausto? É o Fausto mesmo?  Mas você não estava...
  Não tive coragem de completar a frase e ele intercedeu, explicando.
- Sim, eu já dei o último suspiro na face Terra, porém você precisa mudar suas convicções sobre a vida e sobre a morte. E eu não vim lhe lembrar do seu aniversário, como de costume, vim lhe avisar do encontro marcado por você e que, na certa, já esqueceu, não foi? Se apresse homem, vamos logo, que o pessoal está impaciente, de tanto esperar lá na Praça da Matriz. Foi o Luiz quem me pediu para vim lhe lembrar do encontro. Vamos!
 Não me lembrava mesmo, de nenhum encontro definido por mim. E muito menos deste tal de Luiz. Oh mente, essa minha! Coloquei uma camisa e me apressei, pois o Fausto disse que eu já estava atrasado!
Ao dobrar a esquina da Rua Firmino Rosa com a Rua José Coriolano vejo um grupinho, de umas dez pessoas, reunido em volta do busto do autor do homérico poema O Touro Fusco. Dão sinal com as mãos e me aproximo, devagarzinho, como que tomando chegada. Estava cismado, receoso, de orelha em pé, como dizem.
Fui logo distinguindo alguns rostos, debaixo da forte incidência do sol do meio-dia: o professor Luiz Bezerra, a Madrinha Francisca, um cidadão muito elegante que logo identifiquei com o dono do busto exposto na praça, dois deles já os tinha visto em retratos, o Sr. Amâncio Correia Lima e o Dr. Luiz Chaves e Melo, mas os outros eu não conseguia precisar quem eram.
O Prof. Luiz Bezerra, mostrando liderança, e como sempre, puxa o assunto.
- Estamos aqui reunidos, professor Raimundo Cândido, por causa da promessa que você nos fez, de colocar os nossos bustos ao lado da escultura do poeta José Coriolano. Como é que vai ser? Quem dos amigos vai querer falar sobre isso? E se dirigiu os demais, como se passasse a palavra da vez.
O Dr. Luiz Chaves e Melo, com uma voz estranhamente nasal, aproxima-se e diz: - Primeiro deixe eu lhe dá um abraço, professor. E não quero lhe cobrar nada, as promessas são executadas com mais firmeza no coração da gente, e isso, eu já sei que você cumpriu.
Amâncio Correia Lima, alto, elegante, apertou minha mão e falou: - Foi um prazer em lhe conhecer, caro professor. Quero que leve meus comprimentos ao Jovem Ferreirinha, aquele meninozinho que tanto me ouviu contar histórias, sentado na calçada da minha casa. E quanto à promessa, quero que faça uma poesia, que eu já fico contente.
Um cidadão baixo, forte e muito zuadento, aproxima-se e confessou em alto e bom tom: - Sou o Alexandre Bonfim, de onde começou a história das famílias dos Bonfins do Curral Velho. Fiz muitas promessas, algumas eu cumprir e o que não foi possível efetivar, cumprida está, entendeu Raimundo? Aqui, acola, vá pelo Curral Velho e veja se descobre mais poetas por lá.
Dois cidadãos, que estavam de batinas pretas, se identificam, eram o Pe. Rosa e o Pe. Macedo. O Pe. Rosa queixa-se: - Meu querido Raimundo, numa de suas crônicas, você deu a impressão que eu jogava muita praga no povo e não era bem assim, é que a política de Cratheús é muito fervorosa, mas eu não misturava as coisas. E quanto a sua promessa, se você não cumprir, não vou jogar praga, pode ter certeza!
O Pe. Macedo sorria, um sorriso zombeteiro, acho. Disse: - Você já me homenageou, professor, como um galo, e no alto da Torre da Matriz. Muito obrigado, meu amigo!
Um baixinho, gordinho de olhos vivos e brilhantes demonstrando muita inteligência, se apresenta: - Sou o Lisboa Rodrigues, poeta e educador, e todo professor merece um busto por ser um herói nesta injusta Nação. Mas, para mim, não precisa, pois só em ter vivido nesta pedra preciosa deste rico diadema do chão cearense já é ser honrado em vida.
Um cidadão que me olhava de longe, de esguelha, desconfiado, falou: - Sou o Francisco Cavalcante, o acendedor de lampião da praça, e eu não queria busto mesmo não. Para que? Para o povo dizer “Oh, o coitadinho do Franquim, o primeiro que a Maria Fumaça matou”. Pode ir para lá com seu busto, quero não!
A professora Madrinha Francisca, que já estava do meu lado, aproveita para me dá dois abraços e bem apertados. Fala: - O primeiro abraço é meu, o segundo eu trouxe da Delite, que não quis vir, você sabe como é ela, né? Não gosta de aparecer, mas eu... Hum, se você conseguir colocar o meu busto na praça eu vou muito lhe agradecer!
Por último foi um cidadão que nunca tinha visto, nem em retratos, e tinha uma tez branca, olhos claros, alto, carrancudo, se aproxima e aperta a minha mão. O dedo indicador estava dobrado, como a apertar um gatilho de uma arma e se identifica: - Sou o Alexandre Mourão IV, aquele do Bacamarte dos Mourões, do escritor Nertan Macedo. Você conhece meus feitos, quando dizia que fazia uma coisa, eu fazia mesmo, nem que chovesse bala ou canivete. Sei que não mereço um busto, pela vida cangaceira que levei e por ter perturbado a paz até do Imperador Dom Pedro II, mas você me colocando nos seus escritos, eu também já fico muito contente.
Já tinha corrido um calafrio na minha espinha, e mentalmente dizia: - Como fui prometer tudo isso e a tanta gente?
Foi quando o Prof. Luiz Bezerra, retomando a palavra, me tranquiliza mais ainda: - Pois é, Professor Raimundo Cândido, viemos lhe libertar das promessas dos bustos, pois homenagem maior é quando  a gente fica na memória e no coração do povo. Não é?
- Plá! Plá! Plá!  - Plá! Plá! Plá!  - Plá! Plá! Plá! 
As palmas continuavam ecoando, insistentes, lá fora e, assustado, acordei. Mentalmente desejei: “Tomara que seja o cego do Fausto! ” mas, bem logo pensei “ E se for um cobrador, batendo na minha porta?”
  - Plá! Plá! Plá! 


Raimundo Cândido      

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

A Grota do Pilar

                                               

É uma aventura bastante difícil, um poema quase que irrealizável, alguém percorrer a calha de um extenso rio, da fonte à foz, como me propus, sem o fôlego de peixe a nadar, e ainda, por desventura, pelo leito de um rio quase morto. Em compensação, pelas inúmeras tentativas de efetivar meu intento, tive o ensejo de conhecer belas paisagens e curiosas histórias dos ermos perdidos da Ribeira do Poti, e mesmo não trilhando toda a plenitude do Rio das Piranhas, declarei por concluída minha empreitada. Tive a oportunidade de conhecer alguns riachos, impetuosos como os rios, de admirar várias grotas, sulcos largos, profundos, rasgados na terra como artérias por onde circula o líquido vital. O Poti é, intermitentemente, avigorado por importantes riachos, como: Três irmãos, Capitão Pequeno, Itaim, Adão, Tourão, Cavalos, Serrote, até o Riacho Oiti, que desce da Serra do Picôte e adjacências, mas nenhum deles com a beleza de um córrego pequeno, mas caudal, conhecido com o nome de Grota do Pilar.
O Córrego do Pilar nasce no sertão, de permeio, e nas boas quadras invernosas se anima como um cabrito selvagem, transpõe passagens molhadas, desliza em incessantes ziguezagues , intrometendo-se num pontilhão de ferro até chegar às croas do Quirino, e só aí, então, se enfeitiça, em fascínio, em mistério e em sedução.
Na estrada carroçável que desce ao encontro do paredão da Serra Grande sempre margeando o Rio Poti, que desfila pela Boa Vista dos Correias, desce pelo Junco, passa pelas Aroeiras, pelo Morro Alegre e já no limite do Capão da Areia com o povoado de Quirino, encontra-se uma depressão brusca, indicando que um córrego por ali, de vez em quando, está a passar. Duas enormes oiticicas esticam os cabos de arames que empanam uma disforme e pendente cerca sobre a Grota do Pilar. E se um desvairado caminhante olha, da estrada para a trilha de areia que se estende dentro do cercado entre dois barrancos argilosos e carcomidos pelo esmeril das águas que descem para o Poti, sentirá um estranho chamado para trilhar o leito arenoso da grota. Aceitei o honroso convite, pulei a cerca e comecei a caminhar!
Existe magnetismo nestes lugares encantados em que até mesmo um cego dos olhos pode ver, se a alma congraçar-se com a vibração do lugar. A Grota do Pilar tem mistérios, tem enraizados segredos que, para bem poucos, ira se revelar. Uma luz coagulada no cerne das árvores, na quietude das pedras, no imperceptível olhar provindo dos buracos escuros nos barrancos, nos elementos visíveis e invisíveis, de tudo emana uma prece, como saudação de boas vindas para aqueles que enxergam, para os que sentem uma força quântica a nos abraçar.
A primeira observação quando se pisa num lugar sagrado e original assim, é o súbito silêncio. Um sossego induzido, uma dissimulada calma, mas que é uma velada música para encobrir os segredos que, por ali, existem. E este é o momento de se conectar na essência do mistério, o instante de se fazer intimo de casa.
Dezenas de centenárias oiticicas de troncos colossais, dos dois lados da grota, uma olhando para a outra, com suas volumosas raízes expostas no chão do regato, abraçando os barrancos para a enxurrada não levarem e, a gente tem impressão que, essas mesmas raízes nos enlaçarão pelas pernas. Aroeiras, sabiás, catingueiras e um batalhão de pés de carnaúbas completam a espessa mata ciliar. Eu caminhava no leito seco imaginando as águas descendo das enxurradas e os peixes nadando na subida, as traíras, os corós, os mandis, as piranhas movendo-se contra a correnteza para fazer a desova debaixo das sombras das oiticicas. Presumi, passar por mim, na trilha dos peixes, uns dentuços jacarés, que até roçaram o couro escamoso nas minhas pernas.
Parei e fiquei a admirar alguns sibites, umas cambacicas amarelinhas de cabeça listada, nos galhos dos mameleiros, num piando triste e a procura de insetos. Um bem-te-vi alardeou. A fogo-pagou também cantou, mas nas moitas de jurema-preta, lá para dentro da mata-branca. Um cancão resmungou com suas gaiatices e até o corrupião deu o ar da graça, no topo de uma cajazeira. Fiquei espiritualmente contente quando notei que o ambiente me aceitara. Mas a alegria durou pouco, pois ouvi um canto lúgubre e puxado, pronunciando seu próprio nome, era a agourenta peitica que chorava. Dizem, os caçadores de outrora, que ela é o próprio Saci Pereré, escondido nas árvores, atrás de uma tora de fumo e eu nada trouxe para lhe agradar. Gilberto Freire, em Casa-grande e Senzala, dizia que, se você ouvir uma peitica a chorar, tome muito cuidado, saiba que é um aviso cruel e fatal, a melhor coisa a fazer é dar maia-volta e regressar para sua maloca.
De repente, ouvi, ao longe, um assobio insistente a me chamar: - Pssssiiiuu! - Pssssiiiuu! - Pssssiiiuu! Fiquei tão curioso que até esqueci a ameaça da maléfica peitica. Sai, procurando pelo centro da Grota, quem estava a me chamar. E quando mais andava mais belezas eu enxergava pelo mágico ambiente do lugar: um Cavalo-do-cão, com sua picada dolorida, passou voando atrás das aranhas-caranguejeiras, enormes formigas-pretas desfilavam mostrando suas mandíbulas poderosas. Um vento macio acariciou meu rosto e foi quando vi, no barranco ao lado, umas pedras brancas, como que espedaçadas à marreta e lembrei-me das histórias que o Senhor Zé Cruz, o Gilberto Freire do Quirino, havia me contado. Ele disse-me: - Raimundo, houve época em que da grota do pilar saiam tropas de animais carregados de oiticica, era uma multidão grande catando o frutinho verde debaixo dos pés que, já naquela época, tinham 15 metros de altura e as mulheres aproveitavam para esmigalhar a pedra Pilar, com marretas, para fazer o alvaiade que deixavam os chapéus de palhas, que elas mesmas teciam, tão branquinhos com o algodão que também ia, todo sábado, ser vendido nas feiras de Cratheús.
Ao chegar à desembocadura da grota, onde o Poti bebe o Pilar, lembrei-me do poeta português Saramago: “... Eis que dói, talvez no coração / uma ferida rasgada de navalha / por onde vai a vida, / tão mal gasta.” Reverenciei meu velho e querido rio e voltei, já no caminho de casa.
Sorte que eu não ouvia mais o canto da peitica feiticeira, pois correria o risco de me perder, arreado, como muitos ficam, desnorteados na mata, sem saber que rumo tomar.     
Percebi o vulto de um pássaro grande, pulando entre as folhas espessas de uma velha oiticica. Apurei a visão, procurando. Repentinamente, vi: Um par de redondos olhos negros, penetrantes, cravados na minha direção! Até parei a respiração, eu não acreditava no que via. Era quem me chamava, com aquele psiu afinado. Um belo Surucuá, o bonito dorminhoco, o peito-de-moça como é chamado por aí, que insistentemente, assoviando, me invocava. Um dos mais belos pássaros que existe no mundo, a cabeça e as costas negras, o peito todo avermelhado e a cauda estriada com umas listas brancas transpassando o negrume das penas. E acho que perdi o siso com tanta admiração, pois estava com o  surucuá a falar: - Bom dia dorminhoco, que fazes aqui, na Grota do Pilar, seu ambiente é lá em cima da serra! Tinha desvairado, totalmente mesmo, pois ouvi o surucuá me responder: - Raimundo, o Ribeira do Poti, né! Meu amigo, as coisas mudaram, a natureza está mais quieta e protegida, você não notou? Descemos para povoar o sertão, e a telúrica e mística Grota do Pilar é o nosso novo lar.
E o pássaro voou, num voo lerdo e preguiçoso, na certa foi procurar seus saborosos petiscos: as lagartas, as aranhas e os besouros.
Voltei para casa, satisfeito, por confirmar que a natureza está a se recuperar e, mais alegre ainda, por ter visto um dorminhoco e ter tido a leve impressão que, ele, o belo surucuá, comigo chegou a falar. Um contentamento tão intenso que fiquei sem acreditar e regressei, inconscientemente cantarolando num lindo refrão: - Eu vi um Surucuá assobiar, na Grota do Pilar! Oba! - Eu vi um Surucuá assobiar, na Grota do Pilar! Oba! - Eu vi...


Raimundo Cândido

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Diários de um Rábula – Nonato Bonfim



              Desde o princípio das eras, quando Deus, imperativamente, ajustou o Fiat Lux que um fulgor se confirma no coração do mundo: - Sim, sempre haverá um crepúsculo ao término dos dias, para que o Homo Faber possa dispor cadeiras nas calçadas das casas, palco de poesias, sentar-se expondo aos vizinhos o que o atrai, e o que o opõe, nas pessoas e nas coisas, jogando conversa fora, no fulgente desvanecer das tardes.
O habito é antigo, mas desaparece na poeira do tempo com a chegada da isenta modernidade. Naquela época, por toda extensão da Rua Pe. Juvêncio, as calçadas ficavam apinhadas de cadeiras com as pessoas narrando particularidades, principalmente as dos outros, com curiosos ouvidos atentos aos picantes boatos alheios. Na casa de número 159, sentam-se o Advogado Nonato Bonfim e sua digníssima esposa, a Dona Noêmia, e, não demora, eles já estão cercados de vizinhos e amigos, que vêm de longe, só para ouvir conversa fiada.
O Dr. Nonato Bonfim, um eficiente rábula nos trâmites das leis, viu o Senhor Leôncio, o vizinho do quarteirão da frente, que nunca parava de raspar um cipozinho de marmeleiro com um canivete amolado, se dirigindo para a Rua Frei Vidal da Penha. Aproveita a oportunidade e pede licença à plateia: - Se vocês me dão permissão, meus amigos, vou acompanhar o Seu Leôncio, ele pode levar uma topada e cair. Todo cuidado na velhice é pouco, não acham? Na realidade a sua intensão era dirigir-se até uma das bodegas da Rua Frei Vidal e tomar uma cerveja gelada, mas no fundo sabia que nenhum de seus artifícios enganava mais a esperta Noêmia de Sena Bonfim, e até já registrara num de seus diários que, embora ela sendo o seu anjo da guarda, era também muito durona sempre que precisava ser autoritária.
Quantas vezes teve que entrar com livros escondidos no cós da calça, um na frente e outros atrás e, ao passar pela esposa, ouvia um duro sermão: - Comprou mais livros, Nonato! A sua biblioteca já está abarrotada, as estantes estão cedendo com o peso de tanto livro. Diga-me, quando vai parar com isso?
 Era a maior, e a melhor, biblioteca da cidade, tinha consciência disso. Já catalogara quase dez mil volumes e o zelo que tinha para com seus alfarrábios era maior do que o ciúme que tinha para com a Noêmia. Vastíssima coleção de dicionários, todas as enciclopédias que existiam, coleções de historias do Brasil e do mundo, livros de romances e poesias dos principais escritores nacionais e alfarrábios valiosíssimos pela antiguidade, todos classificados em cadernos de capa dura com número, título, edição, ano, autor e editora, trabalho de um bom bibliografo. 
Mas, cuidado mesmo ele tinha era com os diários, quatro dezenas de cadernos com anotações cotidianas, que ficavam muito bem trancados, a sete chaves, e nem mesmo a esposa sonhava em ler. Sigilos maliciosos, perigosos, reveladores e quem guarda segredos assim, cria mistérios, desperta interesses, e teme por isso, mas no momento, as anotações secretas, não podem ser divulgadas. Um dia, quem sabe, se ele mesmo não compilasse tudo num livro, alguém, da família, haveria de fazê-lo. Sabia que os registros dos acontecimentos importantes ao longo dos anos, desde a década de 60, as impressões amáveis ou hostis sobre as pessoas, a constante escassez de chuva: “É triste, mas seja feita a vontade de Deus. É mais uma das grandes secas de 25 cabrestilhos!”, as enchentes do Poti: “O rio amanheceu nas várzeas, suas águas estão batendo na porta de meu primo e comadre José Nelson”, dos gemidos das comadres nas alcovas aos rangeres de dentes dos compadres pelos corredores, os tramas dos vereadores e os ajustes por baixo dos panos com os digníssimos prefeitos, dariam um histórico e bombástico livro sobre a cidade de Cratheús. Nada deixou passar sem uma anotaçãozinha, mesmo que fosse um assuntos de igreja, como o do comunista Dom fragoso e o seu primo, o Pe. Bonfim, anota estimas para com os militares ou desenha, com palavras garbosas, as ânsias ardentes das moças da cidade, sua caneta rabiscava tudo, depois que sua língua muito discursava.
Havia quem comparasse o advogado Nonato Bonfim, na defesa de uma causa do júri, com o criminalista, mas também rábula no inicio da carreira, Quintino Cunha: mordaz nas suas observações, satírico no senso de humor, mas sempre uma refinada presença de espírito.
Enquanto caminha, rumo à bodega do comerciante Assis Macaco, antecipando o gostinho amargo de cerveja, um pretérito filme passa na sua cabeça: momentos de quando a família teve que fugir do povoado de Quirino, tangido pela seca, e vão escapar na cidade de Campo Maior, no Piauí. O instinto de aventureiro o faz se alistar no Exército da Borracha, parte ao desconhecido Amazonas e perambula pelos perigosos igarapés do Acre. Depois de muito penar nas terras estranhas, retorna, sentindo no regresso do trem da vida uma imensa alegria.
Autodidata, pelo hábito da leitura, um vício constantemente saciado, o que lhe facilita ingressar como funcionário dos Correios. De palavra fácil, o que lhe capacita a uma boa oratória.  O ideal político que corre em suas veias faz vibrar as emoções e ferver os sentimentos, mesmo sabendo que a dissimulada arte nos negócios públicos não tem sua fonte no espírito humano, ela rebenta é mesmo do fedor das lamas, como os porcos nos chiqueiros. Foi eleito vereador, por quatro legislaturas, desde a época que o poder não estava tão associado ao vil dinheiro. Na quinta vez em que se candidatou, perdeu a eleição e culpa ao primo Pe. Bonfim, que na apuração dos votos lhe revelava: - Nonato, eu entrei neste barco em que nós estamos a viajar, mas infelizmente vamos rodar!  Ainda teve outra parenta que se candidatou, só para lhe atrapalhar, a Auristela, e não adiantou nada ele ter criado um depreciativo slogan para a prima gordinha: - Não vá na onda, não vote na redonda! Ficaram tontos, juntos, os três afamados Bonfins.
Recorda-se dos trabalhos como advogado e de como, uma vez, desarmou o promotor Anicéfalo Fernandes, quando este lhe interpelou para explicar o que era ressaca, por ter usado esta palavra com desculpa por um crime cometido por seu cliente, após uma homérica bebedeira: - Então, explique-me, Dr. Nonato, o que é mesmo uma ressaca? E usou um artificio incomum, para lhe responder: - Vossa Excelência pode até não saber, mas seu pai, o Raimundo Fernandes de Oliveira, é um profissional nisso! O promotor ficou calado.
Sente o gostinho da recompensa de seu trabalho como rábula ao lembrar-se de que no fórum Olavo Frota de Cratheús tem seu nome gravado numa parede, batizando uma das salas daquele digníssimo Tribunal de Justiça. Só uma mágoa o rói por dentro, pois depois de muito trabalhar na eleição e elogiar o atual prefeito da cidade, a paga que recebe é ser cortado da lista de funcionários, o dinheirinho era pouco, mas vai lhe fazer falta. E como o velho poeta comediante Quintino Cunha, maquina uma ardilosa vingança.
Ao chegar à Bodega do Assis Macaco, após tomar o primeiro gole da geladinha, diz para uma plateia atenta: - Meus amigos, hoje, eu vou provar para vocês que na Prefeitura de Cratheús só tem ladrão! Pega o telefone do orelhão, ali na calçada, e liga para a secretaria do prefeito. Triiiiim! Atendem. – Bom dia, minha amiga secretária, aqui é o Nonato Bonfim. Eu gostaria de falar com o Seu Ornesto, ele está ai? – Mas Seu Nonato Bonfim, aqui não trabalha nenhum Ornesto , não!
Ele nem desliga o telefone, para que a secretária também possa ouvir e se dirige para a ébria plateia, mas bem atenta:
- Eu não disse a vocês, meus amigos! Agora está confirmado, na prefeitura de Cratheús não trabalha nenhum honesto não!
(Os livros do Advogado Nonato Bonfim foram doados, pela família do mesmo, à Câmara Municipal de Crateús. Mais da metade desapareceu, evaporou, e os mais valorosos, muitos se deterioraram e o que sobrou, a digníssima Câmara cedeu para a biblioteca da Academia de Letras de Crateús. E achamos, por bem e por merecimento, batizar a nossa coleção pública de livros de BIBLIOTECA NONATO BONFIM.)


Raimundo Cândido

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Flor-do-ciúme


A culpa é das pétalas
que, em frestas, 
expõem e ofertam
estame e gineceu!
Culpa de um sentimento
insensato, estremado,
culto cego de devoção
a uma sedutora flor,
tal mulher sem pudor,
sem o mínimo recato
que se excita em pólen
ao fascínio do mundo,
num erótico jogo
de essências no lume
de um doce fogo
da flor-do-ciúme.
Culpa das pétalas...
Raimundo Cândido

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Linha D’água



Toda existência corre para o mar
como escorro na superfície d’água
deste desatinado rio que me carrega.

Estanco, às vezes, permeio ao fundo,
agarrado às pedras, porto e salvação,
atado às moitas, amparo e atracação.

Por vezes, encrespo a um vento aceso,
ondeio, ao sabor de um insosso rio
e nas endiabradas folias dos socós.

Vezes outras estagno nos poços
embrejado de desejos e medos
e do enevoado revoo das garças.

Outras vezes minhas ilusões entornam
invadindo margens, tomando várzeas
e volto a sonhar, na suave linha d’água.

Raimundo Cândido

terça-feira, 7 de julho de 2015

Furna dos Caboclos


Sob os braços da Cruz
uma Furna resguarda
seus mortos e seus ossos...
E meu ser, pasmo, indaga:
O que ouve aqui?
É tanto pesar!
É tanta tragédia!
Gravado na rocha
um desenho mostra
o seio profanado!
Uma ofensa assopra
de um fojo sagrado
no meu coração assustado
que não abrange a solidão,
o enigma e a imensidão
guardados na Furna
com muitos ossos,
seus tantos mortos...
Raimundo Cândido

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Os Contos do Assis

               
                                                    

Um dia, eu tenho quase certeza, o valor da poesia, como fonte inesgotável de aprendizagem, fará a humanidade proferir os grandes poetas, todos os dias e o dia todo. E foi essa valia que levou Cora Coralina, como poetisa, a afirmar: “Feliz aquele que poetiza o que sabe e verseja o que ensina.” Não tenho convicção das exatas palavras desta sábia goiana, mas a intensão foi essa! Cora, como uma mestra doceira, também saboreava o que ensinava, nas suas doces explanações poéticas.
Sou professor e leciono num colégio especial, um distinto e imprescindível templo de ensino para jovens, adultos, idosos e pessoas diferenciadas que não tiveram oportunidade de concluir os estudos no tempo certo. Peculiar, tanto pela forma de ensinar, como pela forma de aprender, o Centro de Educação de Jovens e Adultos Professor Luiz Bezerra é um colégio diversificado, pois exerce poeticamente a educação do futuro.
O Ceja seduz até os vates com inesgotável sede de saber. Como o Cimar Melo, um arguto poeta do Distrito de Assis e um dos cimos das tradições e da cultura do sertão crateuense que resolveu continuar seus estudos abraçando a oportunidade da EJA. Além dos conceitos pitagóricos e euclidianos, nos estendemos pelas lembranças históricas do singelo interior de onde ele nasceu, o Distrito de Assis. Até recitou um dos seus belos versos, onde canta o encanto do seu torrão: “Neste conto que eu te conto / peço nada descontar / Pois os contos que eu te conto / eu vou contar bem devagar / São contos que aconteceram em meu querido lugar....” Além do pasmo na alma, da aliteração do poema, convida-me para ir ao povoado de Assis, ouvir, in loco, os contos do povo de lá.
- Vamos, Raimundo. Você vai ouvir as sapiências do seu Manoel Otaviano que conta história como se fosse o vento assoviando nos nossos ouvidos. E ainda tem Seu Antônio Rosendo, o Novinho, e desse, com certeza, você vai gostar!
Concordei e partimos pela velha Central, agora a bem asfaltada BR 404, rumo ao Curral Velho dos Bonfins e, antes de chegarmos à ponte do valente Riacho Serrote, dobramos à esquerda, pegando uma estradinha de terra batida. Em todas as localidades por onde passamos, Curral Velho, Mudubim, Curral Queimado, Santo Antônio dos Manos, Mororó e Canudos, vimos os velhos casarões, como que a nos relatar um passado de árduas lutas e alegres triunfos por terem sucedidos, e de pé, para suas histórias nos contar. Casarões que muito admiro, mas com uma pena de vê-los, assim, tão arruinados.
Por fim, chegamos ao lar do Senhor Manoel Otaviano e, como todo nordestino ativo, me desperta admiração, pois não sei de que material eles são feitos, é como se fossem só o motor de um carro a funcionar sem parar. Uma prontidão no olhar, como se vivessem na iminência de qualquer coisa por acontecer, uma hiperatividade que espanta na alma sertaneja.  Apresenta-nos a esposa e pede que ela nos prepare um cafezinho. Ele mesmo toma a iniciativa do início da conversa, corroborando o que eu pensava:
- Seu Raimundo, deixe-lhe mostrar uma curiosidade que eu tenho guardado aqui em casa.  E coloca em minha mão uma pedra branca, polida como uma machadinha. Diz:
- Isto é um Corisco. É uma Pedra de Raio que encontrei quando trabalhava construindo os açudes na época dos bolsões da seca. Somente de sete em sete anos é que essas pedras aparecem, nos mesmos locais em que raios caíram.
 Lembrei-me dos artefatos líticos confeccionados pelos homens da idade da pedra polida. Mas estava ali para ouvi-lo e ele continuou a narrar as histórias do Assis.
- Já vi muita coisa feia, nas chuvas grandes e nos clarões dos raios, Seu Raimundo. Vi um corisco cair num pau-branco, desta grossura (Seus braços fizeram um grande círculo no ar!) e de longe a gente só via o facho pegando fogo. Aquela pedra só iria aparecer depois de sete anos!
Falei dos casarões, e ele me disse o nome dos primeiros donos de todos eles.
- O da Fazenda Angicos foi do Cel. Luiz Severino Dias, pai do Seu Raimundo Dias. O casarão mais antigo da região já foi derrubado, era do Cap. Cesário das Flores, dono de quase toda região, daqui até a carnaúba de galho era tudo dele, mas era uma pessoa ruim, de índole perversa, que além de ser paralítico, deixava uma garrucha armada e um fação amolado, de prontidão, debaixo da rede. Ali, na Barra do Rio, vocês passaram pelo casarão do Senhor Teteiro, que gostava de corrida de cavalos, lembram-se dele? E continua a prosa saborosa:
- As grandes terras, hoje, Seu Raimundo, estão na mão de muita gente e poucos sabem lidar com elas e bem menos ainda tem coragem de trabalhar. Aqui mesmo, bem perto da gente, tem uma família com três jovens, fortes e sadios, que vivem da esmola de governo, e não possuem uma espiga para quebrar. Tenho 78 anos e ainda cuido de duas roças com milho e feijão branco, o zebu, que vai dar para minha família comer por três anos. Eu mesmo broco, planto, limpo, colho e todo dia às 4 da manhã já tenho feito o café e me mando para a roça. Ando 10 km de bicicleta, todo dia e, na caminhada, poucos jovens me acompanham. Vou lhe ensinar uma coisa importante, seu Raimundo, nunca diga “Eu queria”, diga sempre “ Eu quero!” Assim Deus ouve.
O cheiro do café torrado chegou à sala e deu uma pausa na conversa, para melhor saboreá-lo, era um café puro, forte e quente. Depois o bate-papo continuou.
 – Quando eu trabalhei para o Dr. Abdoral Machado, nas lagoas, tudo era comigo, do comando dos homens até cubar o plantio das terras. Hoje, aquilo tudo pertence a um assentamento e é uma inutilidade total.
Seu Manoel me proporcionou uma belíssima aula de matemática do campo: Uma terça são 10 litros e dá para 50 braças. Uma tarefa são 25 braças por 25 braças e se você vai plantar duas tarefas jogue 25 por 50 com 5 litros de milho. Aqui no Assis, antes da chegada do bicudo, a gente colhia 800 arroubas de algodão, era uma roça sem marca de bonita, Seu Raimundo. Uma arrouba são 15 quilos, você sabe, né?
Agora entendi como ficam os coitados dos meus alunos quando explico o funcionamento de uma função trigonométrica. Ali, na casa de Seu Manoel, eu já estava tonto! Alívio foi quando o Cimar pediu licença para irmos conhecer o tal de Novinho.
Uma das coisas que o Assis não fica devendo ao Distrito da Ibiapaba são os porcos passeando no meio da rua. São os donos, fuçam onde acham que tem que meter o focinho e se deitam nas primeiras sombras que encontram. De longe avistamos seu Novinho sentado numa cadeira, como os porcos debaixo de um frondoso Benjamim, à calcada. Cimar apresenta-me:
- Novinho, esse é o Prof. Raimundo Cândido, que veio da cidade para falar com você.
- Abanquem-se, meus amigos.
É um cidadão gentil, o senhor Antônio Rosendo, com os olhinhos espremidos nas orbitas e a tez muito branca para um sertanejo que labutou diariamente de sol a sol pelo ermo do sertão. Soube que foi o trabalhador mais duro da região do Assis, nunca rejeitara uma faina por mais dificultosa que fosse. Via-se que não tinha calosidades nas mãos, pois elas já eram um imenso calo. Os pés eram como patas de touros, acostumados a puxar cangas de engenhos.
                 Aconselhou-me: - Seu Raimundo, se você quiser durar muito, muitos anos mesmo, coma feijão vermelho com toicim, rapadura com farinha e beba cachaça. De manhã tome uma talagada grande para ir trabalhar, ao meio-dia outra lapada para almoçar e à noite também beba e pode até se embriagar, se a sua mulher não brigar.
Novinho já ultrapassou os 80 anos e nunca foi a um médico. Qualquer corte no pé remediava era com uma porção de terra em cima “É para sarar logo, remédio só faz é apodrecer o pé!” Amansou muito burro brabo na maneira que ele sempre soube viver, na rijeza e no trabalho duro que só os Titãs, os semideuses euclidianos conseguiram viver. É um Hércules no fim da vida e venceu todas as batalhas que enfrentou com os obstáculos do sertão. Um respeitável herói da Ribeira! Meia dúzia de cambitos, de uma tropa de jegue, descansando na calçada indica que Novinho só deseja o merecido descanso dos vitoriosos guerreiros quando se for, desta para melhor.
Despedimo-nos do bucólico povoado de Assis e desejei voltar para a cidade no saudoso misto do Zé Padre, recitando os versos do poeta Cimar, que ainda retumbavam na minha mente: “Os contos que te conto / São contos que presenciei / outros contos que te conto / Quem me contou, também sei / Algum conto eu ouvi, outros eu presenciei...”


Raimundo Cândido

sábado, 13 de junho de 2015

Coruja

Revoa,
matreira, sonhando 
nas águas da noite
ao desvelo da lua.
Ausculta,
aguço fingido,
o som do medo,
o silêncio da aflição
na insônia da vida.
E crava um olhar
aceso, cruento,
em imolação,
garras feito plumas
no puro torpor
que se dissimula
no breu da solidão!
Raimundo Cândido

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Fogo no ar...


Havia um rubro som
crepitando na luz
e essências de sombras
sem nenhuma valia...
Havia aguda luz
cintilando ao tom
da morta penumbra
sem nenhuma serventia...
Havia repulsa
e compaixão havia!
Havia consolo
e aflição havia.
Havia ausência
e a presença
de um Deus singular
no meu “eu” plural,
também havia!
E o sanguíneo violino
incendiando a luz
que arrebatava o som?
Havia!
E o fogo no ar?
Havia!


Raimundo Cândido

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Assembleia Geral da Academia de Letras de Crateús - ALC


Confrades e Confreiras,
O Presidente da Academia de Letras de Crateús convoca todos os 30 sócios(as) para fazerem-se presentes na Assembleia Geral de eleição da Diretoria da ALC e do Conselho Fiscal que acontecerá no dia 13/06/2015, Sábado, às 14:00, na sua sede, Rua Francisco Sá S/N, Praça Gentil Cardoso, Praça da Estação -  Centro.
Pauta
- Eleição da Diretoria da ALC e do Conselho Fiscal para o biênio  14/06/2015 a 13/06/2017
- Assuntos sobre a posse dos novos membros da Academia
- E outros Assuntos a serem deliberados.
É importante a presença de todos.
Atenciosamente,
Raimundo Cândido Teixeira Filho

Presidente da ALC

sexta-feira, 29 de maio de 2015

E o fogo no ar...



Havia um rubro som
   crepitando na luz
      e essência das sombras
         de nenhuma valia...
              Havia!
Havia uma aguda luz
   cintilando ao som
      da penumbra pífia
          de pouca serventia...
               Havia!
Repulsa e compaixão.
       Havia!
Consolo e aflição.
       Havia!
Ausência e presença
       de um Deus singular
            no meu “eu” plural.
                    Havia!
Um sanguíneo violino
      incendiando a luz,
          que arrebata o som...
                 Havia!
                                            E o fogo no ar...
                                                  Havia!


Raimundo Cândido

quinta-feira, 28 de maio de 2015

O Capeta


                                                                 
É um costume bem antigo, atrelado ao mais remoto dos pecados capitais, o vício da gula que trago embutido na algibeira de meu trivial semblante. Quando passo pelo Mercado Central de Cratheús, e quase diariamente passo, saboreio uma merendinha de cuscuz com carne de porco no Box da Dona Lurdes, uma sublime mestre-cuca, onde o tempero tem um sabor equilibrado, o aroma dos velhos fogões à lenha na saliência de uma refeição ligeira.  Ao estacionar o carro, ao lado da Prefeitura Quadrada, antiga cadeia publica da cidade, vejo um cidadão que, ultimamente, deu para me aparecer nos locais em que mais frequento, até parece perseguição. Caminho pela Praça dos Paus Moles – o povo ainda não se acostumou com o nome de João Melo Cavalcante – e, ao olhar para a entrada da Feira, vejo-o, novamente, postado com o pé escorado na parede, como se me aguardasse atravessar o portão. Passo e faço de conta que não o vejo.
— Vai querer o de sempre, Raimundinho? Pergunta-me, Dona Lurdes, ao me sentar numa das mesas do seu restaurante.
Enquanto a gula louca alegra-se, sem se preocupar com a minha saúde, proseio com a mais eficiente gastrônoma da Feira, notando o cidadão, num jeitão tranquilo, a perambular pelos corredores do mercado e, aqui e acolá, me olha de revés. Já estava preocupado com aquela arrumação.
Ao sair do mercado, o cabra me segue, então resolvo, de supetão, peitá-lo!
— Oh, amigo, tenho a impressão de que o senhor quer me dizer alguma coisa. Pode falar!
— Desculpe a intromissão, meu caro Prof. Raimundo, mas há algum tempo que estou querendo prosear umas coisinhas com você. Houve uma época, nesta importante cidade, que eu possuía alguns amigos professores, e poetas também. O Prof. Luiz Bezerra e o Prof. Lisboa Rodrigues sempre conversavam comigo. Só não gostei quando colocaram numa crônica que eu tinha os dentes pontiagudos, que saíam faíscas dos meus olhos e que eu só fedia a enxofre, sei que foi só para assustar os ignorantes daquela época, mas quero que saiba que sempre fui pessoa bem normal.
Neste exato momento meu sangue parou de correr nas veias. Meus nervos gelaram, pois havia lido a crônica do Prof. Luiz Bezerra e notei do que se tratava.
— Mas...  Mas... Mas... Gaguejei o quiquiqui dos gagos sem ter a língua tarda.
As palavras fugiram de minha boca. Um medo apavorador estampou-se em meu olhar. O cidadão, ou sei lá o que era, tentou me acalmar:
— Fique tranquilo, meu querido professor! Não tenha receio, eu só quero conversar um pouco com você. Eu sou mesmo o Capeta, mas não tenha medo! Estou em Cratheús bem antes do Pe. Juvêncio colocar aqueles cruzeiros nos quantos cantos da cidade, só para que eu não entrasse. Ledo engano do velho sacerdote, eu já aqui morava, há muito tempo.
— Na...  Não estou com medo não! É que... que é difícil acreditar que estou falando com o diabo em pessoa.
Ele sorriu. E eu que não acreditava que, um dia, visse o maligno, o coxo sorrindo na minha frente. E passei a dar crédito, em tudo àquilo que acontecia ali, na minha frente, quando ele, sem que eu pronunciasse nada, me falou:
— Professor, se eu lhe disser que, todo endiabrado dia, tem capeta sorrindo na sua frente, você me acredita? Pois acredite! E é isso que eu quero lhe dizer: Estou com uma vontade louca de ir embora desta terra quente, quente até demais para o meu gosto, pois passei boa parte da minha vida ensinando maldades, maledicências, falsidades, mentiras e as mais diversas falcatruas aos crateuenses e eles me superaram. Não dá mais, passaram a perna em mim! Você já viu o caso em que o discípulo ultrapassa ao mestre, é aqui! Não tenho nada mais a fazer nos Sertões de Cratheús!
 — Como assim? Não entendi. Você quer me dizer que as pessoas daqui estão tão especialistas nas habilidades de enganar, nas diabólicas astúcias quanto você?
— É isso mesmo! Você entendeu muito bem. Olhe, quando eu chego nos gabinetes por aí, para ensinar como desviar as verbas públicas, fico sem ter o que fazer, pois as notas frias já estão todas prontinhas, carimbadas, assinadas e em andamento. Os sabidinhos ficam só esperando o tilintar das moedinhas caírem nos bolsos. Não tenho mais trabalho nem com os fiéis que saem dos cultos, nem com os fervorosos que saem das igrejas, mal dobram as esquinas já estão fofocando dos vizinhos, dos compadres e das comadres, e até aqueles que se dizem muito amigos do peito, na primeira oportunidade, começam a falar mal dos próprios amigos.  Nem os grandes comerciantes e nem os pequenos empresários fazem mais um “pacto com o diabo”, a ganância dele já enraizou, incorporou, encopou e frutifica sem um morno sopro meu, sem um quente empurrãozinho sequer! E as mulheres? Você ainda me pergunta? Bem, eu desisti delas também. Quase toda mulher tem o olhar de Capitu, doce, convidativo e hipnótico. A maioria disfarça muito bem, são anjos e demônios num só corpo! E aí é onde mora o perigo, louvam o sagrado e adoram o profano! Poucas, pouquíssimas ainda são virtuosas!
 — E saiba que já sou sertanejo crateuense, pois os vereadores me deram o título de cidadão, numa sessão especial, há muito tempo, mas agora eu vou embora, aqui já virou um inferninho e daqueles bem grandes.  
Não soube o que dizer daquela situação. Se até o diabo estava correndo daqui, fugindo, pois as traquinices dos capetas crateuenses já estavam incontroláveis e nem o Tinhoso tirava mais proveito...  Fiquei foi com vontade de acompanhá-lo para outra localidade, menos corrompida que a nossa. Imediatamente, arrependi-me daquele horrível pensamento. Lembrei-me da frase de um padre crateuense, se bem que se referindo aos comunistas, mas dizia;"Quando água benta é pouca, os diabos são muitos. Não há quem vença!" Benzi-me, mentalmente, com o sinal da cruz, mas tive pena do capeta e tentei aconselhá-lo:
— Oh, cidadão...  É... Não sabia que nome chamá-lo, pois não é todo dia que se tem o diabo em pessoa na nossa frente. Ele intercedeu e autorizou:
— Pode me chamar de Belzebu, amigo Raimundo! Eu sou o príncipe dos demônios!
— Bem, é que, se você já é crateuense, lavrado, documentado em cartório, não precisa ir embora! A cidade já está acostumada com você e você com a cidade, não é? Então, se você se for, vem outro capeta mais endiabrado ainda e desmancha o que você construiu, para fazer tudo de novo, como fazem os gestores que entram e que saem da prefeitura! Se as cidades são construídas com o bem e com o mal, uma parte de Cratheús é de sua responsabilidade. Você tem que ficar. Fique!
 — É, Raimundinho, até que você tem razão, vou permanecer mais umas eras por aqui. Pois então leve um abraço bem ardente para uns amigos meus que fazem parte da sua Academia de letras, o Lucas, o Flavio, o Aldo, o Cancão, o Elias, o Lourival, o Dideus, o Júnior, o César, o Mardonio, e...  São tantos! Diga que eles estão fazendo as coisas direitinho como eu lhes ensinei. Ah, diga também, para aquela turminha que gosta de um campeonato de mentiras, que a qualquer hora eu levo uns troféus confeccionados com os restos dos tridentes e umas medalhinhas, forjadas no fogo do inferno, para distribuir por lá!
— Darei seu recado. E valeu mesmo, Capeta, até a próxima!


Raimundo Cândido

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Flor Negra



Ontem,
desenterrei um amor
que um dia foi vida
e brotou, em mim,
uma flor dorida!
Hoje, sepulto,
ainda vivo,
outro intenso amor
que me alucina,
e me envenena
em puro mel, sendo fel,
na branca ilusão
da flor que enegreceu:
Bestial Perfídia!


Raimundo Cândido         

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Da Furna ao Morro.

                                       
Época houve em que tive medo da vida. Um estranho acanhamento isolou-me do mundo e, de repente, vi-me mergulhado numa furna sem luz, abatido num triste ambiente de solidão. Somente os livros avivavam-me o espírito, diminuíam a melancolia, pois a boa leitura sempre trilha ao revés da solidão. Foi quando caiu em minhas mãos uma obra literária da escritora cega e surda Helen Kellen, onde ela dizia: “A vida é uma aventura ousada, ou, então, não é nada!” Neste exato momento resolvi derrubar as paredes que tolhiam a minha alma e me predispus, como audaz aventureiro, mas ainda insociável solitário, a trilhar, ao léu, os caminhos desolados do sertão.  Desde então, a passos firmes, ando pela Ribeira do Poti, em busca de mim, em busca de vida!
Percorri longos trechos nas margens do rio e até dos descampados da inóspita Caatinga, sem importar se tudo estava em cinza dos entorpecimentos ou do verdejante renascimento, mas era o que eu procurava e, o mais importante, foi descobrir que sou sertão, que nasci sertão e que viverei sertão! Percebi que corre, nas calhas de minhas veias, a seiva vivífica das catingueiras, dos angicos e dos marmeleiros! E que detenho, impregnado no faro, um aroma consistente de mufumbo a perfumar a vasta e desamparada Caatinga que se estampa ao meu olhar.
Quando em visita a uma comunidade indígena, na vertente da Serra da Ibiapaba, soube da existência de uma furna selvática chamada Quarenta e Sete, localizada entre as tribos de Nazário e Mambira, e o desejo de aventura, mais uma vez, disparou no meu cerne. A sorte é que não sou o único louco aventureiro deste sertão abençoado de meu Deus. Coincidentemente, ou não, o amigo Edilberto Araújo, esposo da benevolente vereadora Eva Vieira Barbosa, liga-me convidando para conhecer a dita caverna, há muito inexplorada. Rapidamente, como experientes espeleólogos, detalhamos toda excursão para explorar aquele sitio no subterrâneo da serra.
Os raios do sol ainda não acordara o dia quando partíamos na Toyota Hilux do Vereador Toré. E já na rampa da serra, com o carro tracionado nas quatro rodas, numa subida íngreme de pedras soltas da estrada cortada pelas enxurradas recentes, vencendo árvores caídas no gume do machado, e só a esplendorosa visão, que se tinha do amplo vale da Ribeira do Poti, compensou o sufoco do dificílimo trajeto. Paramos a meio caminho entre as duas aldeias, por ordem do nosso guia, o experiente índio Severino. Agora tínhamos que seguir a pé, numa picada que ia sendo aberta na mata, a golpe de facão, decepando os galhos de marmeleiros brancos e juremas de bode. Aqui e acola alguém apontava uma marca no chão e interpretava: - Esta pegada aqui, com certeza, não é da pata de um cachorro! Mesmo com os avisos de cuidado, as nossas mãos ficaram urticadas pelos espinhos de cansanção.
Após uma boa caminhada chegamos à rampa do declive da serra e encontramos um grande buraco no chão pétreo, de onde saía os galhos da copa de uma árvore, como uma ofertada escada para descermos para dentro da furna. O medo de cair gelou meus nervos, mas escorregamos, lentamente, uns três metros de altura, pelos galhos e tronco da árvore, como macacos equilibristas. E, já no chão da caverna, um fascínio tomou conta de meus olhos, pois o brilho refletido nas paredes da furna se espalhava no ar. Está ali, pisando no chão da famosa Furna Quarenta e Sete, 47 braças, mais de 100 metros de abertura na rocha, entrando no subterrâneo da serra da Ibiapaba, era inacreditável! Enquanto a luz descia pelas fendas superiores, víamos toda beleza e resplendor de uma furna virgem e, de repente, a caverna foi se fechando, foi se afunilando numa loca estreita, escura e tão baixa que não cabíamos de pé.
O Claudemir Moraes escaneou o chão negro da caverna com a luz de sua lanterna e viu que não havia rastros dos animais perigosos que ele temia. Então fez sinal para que o seguíssemos. Fui o único intrépido que o acompanhou naquela afoiteza, confiado na socadeira engatilhada que ele levava na outra mão. Até lembrei-me da furna da minha solidão! Mal as pupilas se dilataram no breu que engolia o facho de luz artificial, nos assustamos com milhares de morcegos horripilantes voando em disparadas em nossa direção e que passavam como balas na escuridão, rente as nossas orelhas. Foi o tempo mais longo que fiquei sem respirar. Acho que meu rosto era a cara do pavor, naquele crucial instante!
Os poucos minutos que passei mergulhado na escuridão da 47 ficaram, agressivamente, gravados na mente, e sempre que me lembro daqueles vultos me vem o desespero que só vi emergir do famoso quadro O Grito, do pintor norueguês Edvard Munch.
Despedimo-nos da Furna Quarente e Sete, assentada no mais inacessível recanto da Caatinga crateuense, isolada do mundo, com sua vida selvagem, misteriosamente bela, diuturnamente burilando por lá.
Na descida, ainda com espanto nos olhos, olhávamos para o provinciano povoado de Ibiapaba, estendido lá embaixo, tendo ao fundo um grande morro como uma enorme corcova de camelo. Para todo aventureiro, uma paisagem estimulante, assim, é motivo de sonhos, é motor de irrequieta excitação. Parecia até que o Morro do Picôte nos desafiava a enfrentá-lo! A ideia foi criando asas de tal forma que a escalada dos 650 metros de altitude estava com os dias contados. A última excursão tinha acontecido em 1963 para os dados altimétricos do IBGE. Histórias eram só o que se ouviam, de boca em boca, sobre o íngreme oiteiro da Ibiapaba: O povo, que ainda se lembra dos gananciosos americanos que exploram o Picôte, em tempos remotos, na procura de riquezas, conta dos descuidados caçadores de mocós que caíram dos princípios íngremes ou fala do espetáculo dos macacos-prego descendo a rampa, só para invadir as roças de milhos plantadas na base do morro.
Dos mistérios do subitâneo da Serra partimos para os pícaros dos céus da Ibiapaba. Edvaldo Costa, Secretário de Turismo, incumbido de promover o ecoturismo local, propôs que, antes da escalada, se abrissem uma trilha para o topo. Ideia, de imediato, aceita por todos os aventureiros. Um pick-up nos deixa na base do morro e começamos a caminhada, em decidida fila indiana. Água e alimento suficiente, nas mochilas, iam dependurados nas costas. A mata se fechava à medida que subíamos, e as copas dos angicos, das aroeiras, dos jucás, dos paus-brancos aparentavam atentos olhares a nos vigiarem. De vez em quando víamos um enorme mororó, todo ressequido, já sem vida, com a casca roída pelos mocós, como forma de escapar dos anos difíceis de seca. Mel de abelha é uma das farturas do Picôte, enxames que há anos produzem em abundância no mesmo local e víamos as abelhas nativas, sem ferrão, que entravam e saíam dos ocos de paus e até das locas de pedras. Um ninho de Nambu assentado no chão, com três ovos rosados, parecia desprotegido, num ambiente infestado de esfomeadas cascavéis. Com uns 300 metros de altitude, o fôlego já curto, as mãos é que iam ajudando as pernas a subirem, e se grudavam nos embuás, uns bichinhos compridos com mais de 100 pernas avermelhadas. Um vento frio no rosto indicou que o cume estava bem perto e mais uns passos chegaríamos ao topo. Ainda tivemos que subir um enorme bloco de pedra e a visão foi surpreendente. Todo o vale do Poti de descortinou na nossa frente, com o rio correndo, serpenteando feito cobra, passando ao lado da Ibiapaba e absorvendo o grande Riacho Oiti e seguem juntos, rumo ao Estado do Piauí.
A sensação de vencer uma montanha é indescritível. Ali, no topete do Picôte, sentido o vento da liberdade acariciando meu rosto, lembrei-me, mais uma vez, daquela escritora surda e cega a me dizer: “A vida é uma aventura ousada, ou, então, não é nada, amigo Raimundo!” E deixei no pico do morro da Ibiapaba o que ainda havia de medo na minha alma!
 Hoje, graças as aventuras pela Ribeira do Poti, das brandas margens do rio, tal qual um socó-boi, aos carrascais da inóspita Caatinga como os instintivos répteis, ou das furnas misteriosas, repletas de morcegos, aos morros íngremes replenos de incitante coragem, respiro um vento libertador chamado SERTÃO. O Sertão de Cratheús, onde me embriago ao aroma do mufumbo e, vou ao encontro de mim, ao reencontro da vida!


Raimundo Cândido.

terça-feira, 5 de maio de 2015

Serra das Almas – Um Bioma Admirável!

               
Não é só a jandaia que canta nas frontes das carnaúbas, o irrequieto vento, igualmente, celebra poesias farfalhando nas palhas da nossa esbelta árvore da vida, repleta de flocos amarronzados chamados de cera rainha, um potencial de incomensurável riqueza. E como o cearense só enxergava, nas duras e alongadas folhas, um atenuante chapéu de palha, foi preciso que um americano denominado Herbert Johnson, em 1935, viesse dos EUA num pequeno hidroavião, em três meses de inacreditável viagem, só para se apossar do principal produto das nossas carnaubeiras, um impermeabilizante natural que evita a perda de água pela planta, para transformá-lo em dinheiro vivo com a Fábrica de Ceras Johnson LTDA, em Fortaleza. Da cera nasceram diversos produtos para uso domésticos como polidores de carros, o brilho no assoalho das casas, o papel carbono, os discos, as velas, etc. Herbert construiu, com o ouro dos carnaubais, uma notável fortuna. Samuel, o filho do velho aventureiro, além de refazer a viagem do pai, 63 anos depois, ofertou um valoroso presente ao Ceará, doou recursos para criação de uma área de proteção da Floresta Caatinga e o local escolhido foi a cidade de Cratheús.
                Assim, foi criada a Associação Caatinga que mantém a Reserva Natural Serra das Almas, um éden no espinhaço da Serra da Ibiapaba.  Quando os representantes desta sociedade chegaram aos proprietários rurais Milton Menezes, dono das Almas, do São Luiz e da Boa Vista, e ao Vicente Ludgero, dono das Melancias, ofertando um valor monetário bem acima do normal pelas terras da serra, pensou-se logo que se tratava de uma corrida por minérios na Serra Azul. O tempo, aos pouco, foi mostrando que era somente uma nobre atitude da família Johnson para preservação da Mata Branca em troca das benesses que a Copernicia Prunifera lhes tinha propiciado, uma imensa e respeitável fortuna.
                No início, no ano de 2000, não foi nada fácil. O casarão que pertencera ao fazendeiro Manoel de Matos serviu como base das operações comandadas pelo mateiro, caçador e rastreador Aureliano, que nasceu e se criou trilhando as veredas das almas e das melancias, observando os rastros das onças se cruzando com as pegadas do gado. Uma tropa de três mulas, apelidadas de Chocolate, Gergelim e Canela, não paravam de transportar material para abertura e sinalização das trilhas, com placas elaboradas pelo fino artesão Miguel de Paula. A Serra, sempre foi usada pelos fazendeiros como recurso para salvar o gado,  quando findavam os últimos fiapos de capim no sertão, onde o chão esturricado ficava mais limpo que um prato lambido. A subida do gado para a serra coincidia com as festas nas casas de farinha e com a produção nos engenhos de rapaduras. E só quem sofria com isso era a natureza, pisoteada pelo gado, ameaçada pelo péssimo hábito do sertanejo de andar com uma espingarda na mão e uma foice na outra, desbastando o mato e decepando as jararacas, as caninanas e as cascavéis que encontrasse pelos caminhos.
                Lentamente, o ambiente foi mudando, foi surgindo um alivio de vida, e de 2000 a 2004, data da abertura da reserva, a fauna e a flora respiraram livres de perseguições e tudo criou uma nova aparência. As raposas, as jaguatiricas, as pardas, as vermelhas, os maracajás, as pacas, os veados-catingueiros, os macacos, os soins, os caititus, os tamanduás, os teiús, as iguanas, os tatus, os mocós, os cancões, os jacus e, principalmente, a diversificação colorida das borboletas mostravam que, os 6146 hectares do ambiente da Serra das Almas, estava, novamente, entrando em sagrado equilíbrio ecológico. Ali, não se matava mais nem uma formiga!
                Um dos Guardas mais eficiente da Serra das Almas sempre foi o Marcos Roberto, que fora levado a trabalhar na Associação pelo primeiro administrador da Reserva. Marcos aprendera com o experiente mateiro Aureliano os segredos e os subterfúgios da Caatinga e também num curso de Guarda-Parque que fizera na Reserva Natural da Serra do Teimoso, em Jussari, na Bahia, tornando-se um verdadeiro duende protetor, e protegido, da Mata Branca.
                Passar dias e dias longe da família e longas noites ouvindo o piado das corujas, o coaxar dos sapos e o cri-cri-cri dos grilos eram momentos penosos. Somente a lua e a luz de um lampião aclaravam seus receios e iluminava as suas saudades, mas, pouco a pouco, foi aprendendo a transformar esta difícil solidão numa força sólida. O trabalho diário de construção e manutenção das trilhas, comtemplando a natureza, era o que mais lhe dava prazer e que o fazia continuar na serra. Um dia, enquanto realizava a limpeza de um velho muro de pedra, rente ao chão, olhando  nas fendas se não havia uma perigosa cobra, e recolhendo os gravetos secos não percebeu que o perigo estava enrolado em cima do muro. Uma cascavel, de um metro e meio de comprimento, já preparara o bote e com o sensor de infravermelho mapeara o perfil de Marcos que, de súbito, se levanta e fica testa-a-testa com a cobra de língua sibilante a chocalhar o guizo na ponta do rabo. Os mistérios da floresta, às vezes, intercedem quando preveem que a eliminação de uma vida lhes trará um grande prejuízo. Num átimo de segundo se decide uma vida. O animal peçonhento, de reação mil vezes mais rápida que o homem, disparara o bote no ar, pois o Marcos, num reflexo quase impossível, se jogara para trás, evitando que a cobra lhe picasse a face. De outras vezes se viu foi na frente de um Papa-Mel, a feroz ariranha do sertão. O perigo mora na distração e todo cuidado é pouco para quem trabalha sozinho nas veredas da Serra das Almas.
                Os visitantes, após ouvirem a preleção didática sobre a Caatinga, partem do Centro de Interpretação ambiental rumo às diversas trilhas, cada qual com uma vegetação única e característica. Normalmente começam pela Trilha dos Macacos que segue pelo Riacho Melancia, num estreitamento da garganta da serra. A mata ciliar, gameleiras, cajazeiras, ingazeiras e oiticicas, que protegem as águas, é exuberante. Mal chegam a uma ponte suspensa pelas cordas, sobre o Riacho, o guia que vai à frente levanta a mão e pede para que a fila indiana pare, e faça silêncio absoluto. Uma enorme cobra caninana, amarela e negra, repousa enrolada no corrimão de corda. A serpente levanta a cabeça, nota a presença de intrusos, mas resolve ser camarada, segue seu caminho liberando a passagem para os olhos arregalados dos turistas. Também param na frente de uma gigante gameleira que abraça uma enorme rocha, como se quisesse sustentar a pedra, para não descer a rampa da serra, e ouvem mais explicações sobre os segredos da mata.
                 Em cada trilha da Reserva Natural é uma emoção diferente para os visitantes. Na Trilha do Lajeiro a vegetação é de arbustos de caules finos e espinhosos, mas na Trilha das Arapucas, onde os índios Karatius tangiam o gado dos colonos para cair no precipício, é a mais longa e penosa das caminhadas, mas compensa com uma vista deslumbrante do amplo vale e com direito a ver um casal de urubus-reis maravilhosamente bailando no ar.
                O que mete medo nos visitantes são as histórias dos fantasmas que aparecem no velho casarão do Seu Manoel de Matos, o choro de crianças perdidas na mata e uma mulher de branco que perambula, agoniada e sem rumo, pelas trilhas da reserva.
                Alunos, professores, pesquisadores, cientistas, programas de televisão, diariamente estão por lá, e o movimento na Serra é um burburinho constante de visitantes.
                Como o Cânion do Poti, em Oiticica, os belíssimos Castelos de Pedras dos Tucuns e de Buritizinho ou a Furna 47 em Nazário, a Serras das Almas é um patrimônio ecológico dos Sertões de Cratheús, graças ao nobre Samuel Johnson e à cera dos seus carnaubais.
                Agradecemos a todos os duendes protetores da Associação Caatinga, que possuem a mais nobre das missões: Ser referência nacional no desenvolvimento de modelo integrado de conservação da Caatinga através de ações de valorização deste rico bioma, pautados nos nobres princípios da Paixão pela Natureza e do Profissionalismo exemplar.
                 Como me falou o Guarda- Parque Marcos: “A natureza vive sem o ser humano, Raimundo, nós, é que não podemos viver sem a natureza!” Aproveito para parabenizar a belíssima Serra das Almas nos seus 15 anos de exuberância. E se você ainda não conhece, vá lá conhecer e me faça um favorzinho, leve o meu  abraço para a mulher de branco.

Raimundo Cândido