quinta-feira, 30 de setembro de 2010

UM PALHAÇO NO PARLAMENTO

É quase certo que no dia três de outubro os eleitores do estado de São Paulo elegerão um palhaço, literalmente, para ocupar uma cadeira na Câmara dos Deputados, em Brasília. Lá deverá defender os interesses do povo, muito embora o próprio candidato, como ele mesmo afirmou em sua propaganda eleitoral, reconheça desconhecer as atribuições de um parlamentar.
Cogitado como o candidato mais votado de São Paulo, o palhaço Tiririca, cearense, natural da cidade de Itapipoca, vem incomodando os veteranos da política, que, sob o argumento de que sua campanha "afronta à democracia e ridiculariza o parlamento", tentam barrar na Justiça seu direito de concorrer a um mandato eletivo. A Justiça, entretanto, sob o mesmo pálio da democracia, mantém o palhaço firme em sua disputa.
Ora, Tiririca não é uma afronta à democracia, tampouco ridiculariza mais o parlamento do que alguns que nele estão ou que nele pretendem estar. Tiririca é sim uma manifestação escancarada do cenário político brasileiro, caracterizado e assumido: é um palhaço. O que incomoda no candidato é a ousadia de mostrar-se caracterizado, de vestir-se como palhaço, de falar como palhaço, de fazer campanha agindo como palhaço. Tais circunstâncias não o tornam mais desrespeitoso com a população brasileira do que outros candidatos, mas certamente causam mais vergonha alheia.
Tiririca, que em suas propagandas eleitorais limitou-se a fazer piadas e trocadilhos com a eleição sem apresentar uma única proposta sequer, tem tudo para ser o candidato mais votado no estado mais populoso do Brasil. Significa claramente que uma parcela grande deste País desacredita que os representantes do povo possam de fato fazer alguma coisa para dirimir ou diminuir as mazelas sociais, e votam naquele que é mais famoso, mais bonito ou mais engraçado. Significa ainda que a educação não cumpre seu papel de educar e conscientizar, ela simplesmente prepara os indivíduos para permanecerem inertes ao sistema, que obedece a uma lógica absurda e desumana.
Ocupando uma cadeira na Câmara dos Deputados, Tiririca representará uma ferida aberta na honra de todos aqueles que terão que deparar-se constantemente com sua imagem refletida na face caracterizada do palhaço.

Isis Celiane.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

LAGO DE FRONTEIRA

As águas barrentas do Poty, quando as bênçãos dos céus lhes deixam existir, corroem voluptuosamente as íngremes margens areentas que logo se dissolvem e revelam as raízes sinuosas das oiticicas, dos melancólicos marmeleiros que nunca pensaram em perecer no meio desta abundante e fluvial corrente.
Lá na frente o rio enlanguesce, nos baixios. É pelo refluxo de suas águas que se deposita o sumo lodoso e rico como no Nilo bíblico: uma dádiva por uma inundação.
Mas por aqui sempre foi assim, uma terra bravia que só se apazigua quando o vigor sanguíneo do Poty lhe sacia os desejos nas entranhas, quando um vento brando lhe vem varrer a aparência esquálida amenizando uma latência desértica que sempre aflora desta sequidão .
Enquanto em sua calha atulhada só existir vento poeirento a correr fará com que os velhos mandacarus, espantalhos redivivos, como Cristos de braços abertos, lembrem promessas não realizadas por quem nunca teve intenção de cumpri-las, nem o cará aplacará a fome ao teiú e nem o carcará, com olhos de lince, encontrará alento em tanto galho seco e solidão.
Meu olhar, mesmo os olhos de muitos, sonha (Por quanto tempo, meu Deus, sonhará?) com o dia da redenção, como uma vez almejou um bardo chamado Demócrito para o seu impetuoso Jaguaribe que se esvaía ao mar. Depois de inumeráveis rogos e outras tantas súplicas aos céus, veio uma pinça hemostática salvando todo plasma, toda hemoglobina das sístoles dos invernos que não mais se foi perder no largo apetite oceânico.
Disseram uma vez que a esperança não é um sonho, mas uma maneira de traduzir os sonhos em realidade. Por isso espero, isto é, esperamos.... Sim, um coágulo de rocha é a nossa esperança antes de mais um desespero de quem gira e gira, como o surrado mundo, caindo sempre no mesmo cenário de desolação e tristeza. Que venha uma titânica represa como uma mão salvadora para estancar a milenar hemorragia do Poty, fechar o golpe na jugular da montanhosa garganta por onde escoa todo nosso abençoado líquido que representa vida e veremos que irá se comprovar o grande milagre da Saga Euclidiana no Sertão de Crateús, o intermitente poty se desdobrando num vasto mar e todas as ilusões que nos foram dadas em cem anos de promessas vãs se realizarem em um segundo... Amém!
Raimundo Candido