quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Procissão dos Flagelados

                                                        

A água que é um bem limitado, valiosíssimo e irresponsavelmente desperdiçado, virou motivo de piadas: - Raimundo, você soube do caminhão de cargas que assaltaram na estrada de Novo Oriente?
Caí, inocentemente, na brincadeira: - Soube não! E o que levaram? O gaiato cidadão, em disfarçado deleite, num sorriso cínico, respondeu-me: - Você me acredita que eles só quiseram levar a água do radiador do carro!
Na crise hídrica se agravava, cada vez mais, de 2011 até o início de 2015, o desespero era iminente! A Barragem de Cratheús, sobre o leito do Rio Poti, a primeira grande obra feita pelo saudoso 4º Batalhão de Engenharia e Construção, logo que por aqui chegou, mostrava, novamente, as entranhas estripadas, num aspecto funéreo, macerada, com cinco décadas de acúmulo de lodo e lama no seu bojo. O ano mal começava e já trazia duas grandes ameaças para a cidade, a volta do pesadelo do Quinze, depois de cem anos, e as derradeiras gotas de água potável, estavam sendo distribuídas para a preocupada população. Mesmo com a moderna tecnologia sugando a seiva aquosa dos veios subterrâneos e canos emendados para aduzir água do longínquo Açude Araras, o povo só mostrava fé na providência divina.
A cômica piada, do amigo brincalhão, me fez viajar por lembranças ressequidamente aquosas. No dia 17 de Fevereiro a Igreja Católica, através da Paroquia Imaculada Conceição, planejou a Caminhada das Águas para rogar por chuvas, e os fieis, guiados pelo Pe. Beto, escalaram um imenso bloco de pedra, no centro da Barragem, oraram fervorosamente e enfincaram um enorme cruzeiro na rocha, implorando águas aos céus. No outro dia veio uma chuva copiosa que apagou a ameaça do famigerado 15 e atiçou a esperança dos devotos crateuenses.  Admiro a crença do povo nos travessões que se cruzam, no elo que liga a terra aos céus e aonde se travou o maior duelo entre a vida e a morte. O sertanejo a reverencia: “Salve, Ó Cruz, Tu és a nossa esperança!”
Uma seca cruel, uma cruz milagrosa e chuvas a cair dos céus não foram, e nunca serão, eventualidades na Ribeira do Poti, no sofrido Sertões de Cratheús. Como o protesto da Romaria das Águas, em Novo Oriente, contra a transposição de 7 milhões de m3 de água por uma terra ressequida, do Açude Flor do Campo para o Açude Carnaubal, com ordens de um autoritário governador, ocasionando um enorme desperdício de água potável e deixando, de sobra, um crime ambiental no leito do rio.
O Pe. Alfredinho já dera sinal de uma sublime influência, quando, em 1983, logo ao encerrar um sacrifício habitual, com a Cruz de Cristo nas mãos, e de súbito, cai um aguaceiro enorme, depois de três anos seguidos de seca. No ano de 1884 ele tinha enfincado a Santa Cruz dos Flagelados no canteiro de obra do Bolsão da Santa Fé, quando um rígido comandante do Batalhão ordenou: “Se ele não tirar essa cruz daí, podem derrubar, e a fio do machado!”
A “Procissão dos Flagelados” é o livro do crateuense José Hortêncio de Medeiros, editado em 1953, onde ele narra uma viagem que fez de Pau-de-Arara, em 1932, ano de outra seca braba. Ele saiu de fortaleza para passar as férias em Cratheus e viu coisas horrorosas no campo de concentração dos flagelados, em São Luiz do Curu, onde o Governo do Estado acumulara dez mil pobres almas construindo a estrada de rodagem Fortaleza-Sobral. Ele diz: “Nos acampamentos um cheiro de morte impregnava o ar.” E, ao chegar a Cratheús,  assistiu a uma desesperada procissão de fiéis levando uma cruzeiro ao túmulo dos revoltosos. Os crateuenses esperavam que os milagrosos guerrilheiros tivessem forças suficientes para abrir as torneiras do céu, era a última cartada de esperança dos sertanejos.
Ao ler o livro de José Hortêncio, lembrei-me de uma penosa história que o Dr. José Arteiro Soares Goiano, um confrade da ALC, me contara:
- Raimundo, minha mãe, Dona Cotinha, sempre falava de um trágico episódio. Ela nem tinha nascido, e só ouviu pela boca de meus avós o que se passou na Sombras, o lugar onde eu nasci, que fica depois do povoado de Santo Antônio dos Azevedos.  Era o ano de 1915, ano da grande seca, o sertão estava num desalento só. Tudo parado, num silêncio pesado e a monótona cor de cinza no chão era quebrada, aqui e acolá, pelos ossos brancos dos animais, só se via carcaça espalhada pelos descampados do sertão. Às vezes, o som de um galho quebrado na mata só aumentava a melancolia, e mais pesava na alma daquela gente.
O Dr. Arteiro continua o relato sobre a procissão de flagelados que passaram na Sombras, a fazenda dos seus avós: “Água era coisa muito rara, a não ser nos locais que tinha um cacimbão na beira do rio, e assim mesmo tendo que, constantemente, rebaixar o seu porão para alcançar um novo veio d’água. Na Caatinga, só se sentia o bafo de quentura, como se saísse das brasas e o único verde que havia era dos Juazeiros e dos Mandacarus que escaparam de virar ração para o gado. Era mais de uma família, os retirantes que chegaram na Sombras.  Os velhos e as crianças  estavam visivelmente exauridos, em letargia total, num torpor de não se saber se estavam vivos ou mortos e vieram caminhando, lá do lado da Vaca Brava, na Independência. Disseram que estavam arranchado debaixo do Juazeiro da Lagoa Grande e ouviram um chocalho tocar.  Um deles se levantou e caminhou, no rumo do badalo e com poucos metros viu a casa do Seu Herculano das Sombras, onde foram todos bem recebidos.”
O Doutor prossegue: “Minha avó, dona Genoveva, rapidamente preparou uma miraculosa Cabeça de Galo com água, sal, pimenta, farinha, temperado na nata e bastantes ovos de galinha, que é o alimento propício para quem está muito fraco. Eles se refestelaram e alguém até pediu um cigarrinho de palha ao meu avô. Foi quando minha avó ouviu uma conversa, entre eles: - A gente devia de ter trazido o coitadinho, talvez ele nem estivesse morto! Minha avó perguntou: – Vocês deixaram alguém pelo caminho?  – Deixamos um menininho, mas achamos que estava morto. Ele ficou debaixo do Juazeiro!”
“Eles correm para chegar depressa no Juazeiro da Lagoa Grande, que ficava ali pertinho e se assustam com a cena de horror que viram: Os urubus arrancavam os olhos de um menino de uns nove anos. Notam o corpo do menino ainda quente e ficaram na dúvida se não estava vivo quando o abandonaram! E uma cruz, enfincada debaixo do juazeiro, marca o lugar do infortúnio cruel no ano de 1915, na fazenda Sombras, de Seu Herculano e dona Genoveva.”
Lá fora caia uma chuvinha fina a confirmar que o 2015 não será como aquele de há cem anos e até que eu já sabia disso, pois um profeta da Independência, na Fazenda Ipanema, o cabo Ocelio, mandou me visar: - Raimundo, meu amigo, pode acreditar, eu vi no suor do sovaco do peba, é muita chuva que vem aí, o inverno está para chegar!
Eu prefiro acreditar naquela cruz debaixo do juazeiro da Sombras, na cruz dos Famintos da Santa Fé, na cruz enfincada no pedregulho da Barragem do Batalhão , elas parecem ecoar a meiga voz do Pe.  Alfredinho, num glorioso sermão: “- Dá cruz da Santa Fé, mais uma vez, morre e nasce a vida no sertão!”

Raimundo Cândido

  

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Assembleia


Assembleia Geral da Academia de Letras de Crateús - ALC

Confrades e Confreiras,

O Presidente da Academia de Letras de Crateús convida todos os 30 sócios(as) para fazerem-se presentes à reunião que acontecerá dia 28/02/2015 às 16:00, na sua sede, Rua Francisco Sá S/N, Praça Gentil Cardoso, Praça da Estação - Centro.

Pauta

- Eleição dos novos membros efetivos para preenchimento de cadeiras vagas de n° 31 a 40.
- Retomada das contribuições financeira por meio de boleto bancários, Carnê.
- E outros Assuntos a serem deliberados.

É importante a presença de todos.

Atenciosamente,

Raimundo Cândido Teixeira Filho
Presidente da ALC