sexta-feira, 19 de abril de 2013

O FUTURO DO MERCADO EDITORIAL: UM PEDAÇO DE TRIPA

(HOMERO GOMES)

Livros se vendem muito no Brasil. Os números abaixo não dizem outra coisa. No final da década passada, a Editora Sextante vendia, em média, 60.000 exemplares por título e, em sua trajetória, já vendeu mais de 30 milhões (2 milhões e 500 mil livros por ano, em média). Em 2009, por exemplo, esse número foi parar em mais de 7 milhões. Ela e sua coligada intrínseca venderam juntas mais de 10 milhões de exemplares de Crepúsculo e A Cabana. Em 2012, Ágape, do Pe. Marcelo Rossi, repetiu o prodígio. O que se sabe é que as duas venderam, na primeira década deste século, mais do que qualquer outra editora do país.

Visto objetivamente, os dados acima impedem qualquer acusador de plantão de afirmar que o brasileiro não compra livros. Se lê o que compra é outra questão. Subjetivamente, regionalmente e considerando os gêneros literários, o buraco é bem mais embaixo. Principalmente porque devemos considerar essas informações como exceções à regra, pois fazem referência a apenas uma editora entre tantas. E a menor entre as grandes. Não dá para generalizar, mas também não dá pra fechar os olhos diante desses fatos.

Essas informações nos levam a entender o que buscam as editoras comerciais, que trabalham com títulos trade e a entender como está o mercado editorial. Tomás Pereira, sócio da Sextante, afirma que “um livro se torna um best-seller fundamentalmente por sua força própria, que gera o boca-a-boca. Mas ajuda ter um preço acessível, uma boa distribuição”. Ou seja, o livro quando é bom, vende-se sozinho, gerando evangelismo literário automaticamente. Algo miraculoso, obviamente, próprio dos contos de fada, mas, nesse ponto, é interessante perceber dois focos para fazer qualquer título minimamente vendável: além da mensagem chegar ao leitor-alvo pelo boca-a-boca, por exemplo, o livro também precisa estar à disposição dele.

Isso pode nos explicar o porquê de raramente encontrarmos autores brasileiros nas listas dos mais vendidos. Em 2012, apenas Jô Soares chegou perto de causar algum ruído no mercado editorial brasileiro, que representa, em vendas, mais de 4 milhões e meio de reais. Alguns críticos apontam essa quase ausência como consequência da pouca quantidade de anúncios e de espaços reservados em livrarias para títulos nacionais. Novos nomes de escritores brasileiros estão surgindo, mas eles não aparecem em nenhuma revista semanal. Isso é um fenômeno à parte do mercado editorial, ou seja, não depende dele, pois é uma questão cultural.

Ícones culturais existem desde o fim da crise de 29. Tornam-se guias das massas que se dessujeitam por vontade própria, para sentir que fazem parte de algo maior, de uma comunidade. Isso explicaria a busca empreendida por literatura estrangeira, basicamente dos Estados Unidos. Questão de dominação econômica mesmo. Para obter o galardão de ícone cultural, portanto, o artista precisa ter nascido no centro do mundo – na nação que domina economicamente as outras. A cultura de massa, por isso mesmo, sustenta-se no mecanismo de dominação econômica imperialista, que se reflete na dominação cultural, artística, literária etc. de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, como o nosso. Foi assim no Brasil colônia, que beijava a mão do soberano cultural português, foi assim no século XIX, no Brasil que bebia da França, e foi assim no Brasil do século XX em relação aos EUA.

Entretanto, será assim neste século? Estamos passando por uma revolução tecno-cultural, explicitada por gadgets como o iPad e os smartphones. Porém, iniciada muito antes com a internet. Nem imaginávamos, até os fins dos anos 90, a existência dela. Hoje desligamos a televisão para assistir a vídeos pelo Youtube, para ler artigos marcados como favoritos por nossos conhecidos, enquanto ouvimos música baixada diretamente dela. Estamos fazendo a cultura de massa morrer.

Entretanto, isso vai além da tendência do mercado de nichos. Não se trata aqui de especialização de mercado, mas de um mercado onde as empresas poderão vender de tudo, pois haverá sempre um indivíduo disposto a comprar. Estamos resgatando o indivíduo perdido no passado.

Dentro de um mercado baseado na cultura de massa encontra-se a fórmula do 80/20: “20% dos produtos respondem por 80% das vendas (e geralmente por 100% dos lucros)”, conforme Chris Anderson. Mas tendo uma livraria virtual de e-books em mente, em que não há necessidade de distribuição nem de estoque, pode-se colocar milhares de livros à disposição do leitor, deixando que ele mesmo faça suas escolhas – como ocorre com o Youtube. Portanto, não há como essa antiga regra continuar em vigor, pois além de a mentalidade das pessoas estar mudando, de o leitor ir se acostumando aos poucos com textos digitais (como você que está lendo um texto que nunca foi impresso) e, também, com a possibilidade de as editoras possuírem catálogos cada vez mais diversificados, a regra só pode ir se transformando em outra. E Chris Anderson a batizou de regra dos 98%.

O leitor, portanto, pode olhar para tudo e escolher de tudo o que está a sua disposição, não precisando seguir o que mídias massificantes determinam como o ícone cultural de uma geração. Essa é a lógica do excesso. Nela, não é preciso escolher um produto para ser o “carro chefe” dos demais; ou, por escassez de espaço, empilhar dezenas de livros, para se obter lucro. Basta que editoras e livrarias digitais possuam títulos diversos, pois o espaço é infinito. Hoje, o leitor tem a chance de se tornar indivíduo e não parte de uma massa informe e sem vontade.

Tiramos duas conclusões disso:

Primeira, sinta-se à vontade para ler o que quiser, pois é isso o que você faz quando baixa seus Mp3, ou quando navega em algum portal de informação. Não se acanhe, ler é um prazer e deve continuar a ser assim. Você não é mais obrigado a seguir a massa; faça o seu caminho. O caminho que você está percorrendo, agora, na web, só você está fazendo.

Segunda, os escritores brasileiros não precisam se preocupar com listas de mais vendidos, o seu território está garantido, pois sempre haverá alguém disposto a ler o que eles escrevem. Não serão vendidos milhões de exemplares. Não haverá picos de vendas, e isso também não alegrará os corações dos empresários, mas a satisfação deles virá das pequenas vendas dos milhares de produtos que serão obrigados a disponibilizar. O gráfico disso é chamado cauda longa, pois nunca chega a zero. Ou seja, os escritores brasileiros continuarão vendendo pedaços de tripas, mas venderão sempre.


Postagem Silas Falcão

                                                                   Zacharias Oliveira
autor do livro - Acordo Ortográfico –
vocabulário das palavras modificadas.



Ao Raimundo Cândido

... Parodiando Carlos Drummond de Andrade,
Neste mundo, mundo, vasto mundo
O que vale é uma grande amizade
Com um cabra chamado Raimundo,
Que, apesar da consonante rima,
Não chega a ser uma solução,
Mas é algo que nos anima,
Pois mais vasto é seu coração!


ZACK

Postagem Silas Falcão

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Um destemido e dois sabidos...


                                                                (... ou, dos feitos de Seu Adalberto, do Toím e do Zé!)
Enquanto as badaladas do sino da Matriz retumbam na manhã de um sábado, em 1944, convocando os fiéis para a Santa Missa, a família do Senhor Adalberto Lopes de Araújo se acomodava, espaçosamente, no primeiro banco da Igreja da Matriz. O filho, que iria se batizar, apazigua a cisma nos braços do comerciante Raimundo Sales, o padrinho.
Na celebração, o Padre Bonfim dirige-se à pia batismal e dá início à cerimônia do batismo. Já borrifara a cabeça de alguns inocentes com água benta, quando chega a vez do fruto do Seu Adalberto. O padrinho, com zelo de pai, apresenta-o à ablução.
- Qual o nome da criança, meus irmãos? Pergunta o sacerdote.
- É José... José Neide! Respondem, simultâneos, pai e padrinho. O reverendo pára, pensa e olha surpreso para o amigo e o repreende mais que esclarece: - Que é isso, Adalberto? Eu não posso batizar seu filho com esse nome. Neide é nome de mulher! Vamos colocar um s no final do sobrenome, assim ficará Neides, para disfarçar. Consentiu, incontinente, com um movimento de cabeça, pois, embora de índole intrépida, não tinham coragem de discordar do rígido Monsenhor Bonfim. O Padre, como professor de Moral e Cívica, dá uma lição de cultura: - Neides, na língua grega, que dizer: aquele que nada bem e, já que José Neides renascerá hoje, da água e do espírito, entrará para o reino de Deus nadando. E arremata, em latim: - Nisi quis renatus fuerit ex aqua, et Spiritu Sancto, non potest introire in regnum Dei.
O menino cresceu, vivaz e travesso, nas margens do Rio Poti, mas nunca aprendeu a nadar a não ser pela aguda intuição que o fez mergulhar nas entrelinhas das páginas da história, quando se tornou um excelente professor e um mestre na irreverência. Antes, o destemido Adalberto trabalhava firme para o sustento da família. Aguentar os filhos frequentando o caríssimo Instituto Santa Inês, tinha que suar, e muito.
Perdurava a herança tenebrosa de uma sombra – o Prof. Luiz Bezerra a chamou de a época nefasta do cangaceirismo – que transformara Crateús num Faroeste Mirim. Era o tempo irrequieto de UDNs e PSDs. Época em que, quem “tomava” o poder para ficar “de cima” recebia os despojos de uma Prefeitura e se guarnecia por forças especiais de proteção. Adalberto era uma destas forças.
Na primeira gestão do Prefeito Raimundo Soares Rezende, a cidade estava abarrotada de cachorros, que perambulavam pelas ruas. Não havia campanha de vacinação, muito menos correição e, pelo mês de agosto, um cachorro doido mordeu um cidadão que veio a óbito. Convocam Adalberto para a complicada missão de Matador de Cachorros! A bola – carne envenenada com chumbinho e vidro – era jogada ao esfomeado cão que se retorcia em dores e, lentamente, morria. O desbaste foi grande. No Beco da Galinha Morta, um cidadão chamado Arnoud, apontou uma arma para o peito de Adalberto e gritou: – Assassino! Você matou meu cachorro! Numa impressionante rapidez, o funcionário municipal também aponta um revólver para o oponente e com firmeza avisa: - Estou executando um trabalho que me mandaram fazer e, se você não tem coragem de atirar, guarde logo essa porcaria, porque quem vai atirar sou eu! Seguiram, os dois pais de família, rumo as suas casas.
Matar cachorro era um serviço indigesto e disso não gostava... Sentia-se à vontade mesmo era em desmantelar os comícios dos comunistas, promovido pelo professor Luiz Mano, com um bando de meninos batendo latas. O amigo Pe. Bonfim lhe dizia: - Adalberto, não vamos deixar esse povo dominar a gente! O comunismo é o braço direito do diabo! Ainda tem o corpo chamuscado, desde o dia em que botou abaixo a porta da Sede do Partido e jogou querosene em tudo. O fogo consumiu os livros, devorou os móveis, esfarelou até os cartazes pregados nas paredes. Um dia, por descuido de rotina, a sombra de um ente traiçoeiro chamado Julião - dizem que contratado pelos comunista - o esfaqueou de imprevisto, na esquina da Rua Pedro II com a Rua Cel. Zezé. E por uma questão de reza e sorte, livrou-se da morte.
Das bandas do Maranhão tem boas recordações e, lamentavelmente, uma muito ruim. Alegra-se relembrando a profissão de marreteiro, quando vendia de um tudo nas cargas de burros, divertindo-se nas festas de desobriga, quando acompanhava os padres em celebrações de missas pelo interior da terra do “mar que corre”, confessavam e comungavam o povo, livrando-o do pecado mortal. De quando, embriagado, criou uma confusão num bordel em Palmeiral de Esperantinópolis, e lhe deram um tiro na perna, a recordação é dolorida. Disseram-lhe: - Não vamos lhe matar hoje não, ceará, mas você vai levar um presentinho das margens do Rio Mearim. Nos tímpanos ainda retinem o estampido do tiro que lhe quebrou a perna: Paaaa!!! Quebraram-na, no mesmo canto, mas desta vez foi o Dr. Fernandes, pois o osso colara totalmente desencontrado, deste então anda apoiado numa bengala de jucá, a sua nova arma!  Óh, é o véi da Bengala! Apelidava-o, o povo!
Um dia, apoiando o irmão Antônio Lopes, proprietário de uma tira de terra na Lagoa das Pedras, trocara tiros com os Brás, uma gente do lugar, e afirmara para o Juiz Dr. Olavo Cardoso que as balas que saíram do seu revólver, calibre 44 smith wesson, só foram para assustar e não tinha  intensão de matar ninguém, daí a longa perseguição que sofreu. Lembra-se de quando o Sto. Mamede entrou na sua casa, acompanhado por 13 soldados da polícia e se a sua esposa não tivesse a intuição de contar os militares que saíram, um a um, até 11, não descobririam os que se esconderam em tocaia, para o liquidar.
Embora com a fama de valentão, agia quase sempre como o intuito de um Robin Hood, defendendo os mais fracos. Numa seca grande, quando os alimentos da CAN, acompanhia de alimentação do governo, estavam guardados nos Armazéns particulares do Senhor Tobias Rezende, ele quebrou o portão e distribuiu os alimentos para os pobres. E foi mais um motivo para que a polícia, acautelada, andasse atrás dele.
O filho mais velho, Antônio Martins, herdou o temperamento do pai, mas a vida o moldou num ser pacato, no irreverente e alegre Auxiliar Administrativo da Escola Santa Inês, dono do mercadinho “Faz Raiva”. O pedagogo Toim chegou a fazer um curso de 20 horas de Inglês e, inacreditavelmente, aprendeu foi francês, uma única frase que, na brincadeira, rapidamente pronuncia e que só ele mesmo sabe traduzir: “Le cou gemiele piroule”. Gostou tanto da vida na caserna que, após prestar serviço militar no Exército de Crateús, se alista para servir a Aeronáutica em Fortaleza. Só escapou da perseguição das Patrulhas, porque o Marechal Teixeira Lott respondeu-lhe uma carta de apelo e intercedeu em seu socorro. Mas se você encontrar o Toím, por aí, e o cumprimentar: - Ei, Araújo, como vai? Ele, de imediato, responderá: - Doido é você!
O José Neides, intelectual e exemplo de arrojo na família, é o filho mais novo que percorreu a trajetória dos que insistem e não desistem, confirmando que os grandes feitos não são conseguidos pela força bruta e sim pela perseverança. João Alberto Barreto tinha vindo de Fortaleza para ser Diretor do Colégio Regina Pacis e contratou José Neides, pela caixinha do colégio, ficando de olho na disposição do um vigia, que se matriculara no Curso Normal. E vai, lentamente, galgando os degraus de uma carreira: de Servente a Porteiro, de Porteiro a Auxiliar de Biblioteca. Conclui o Normal e faz um Curso de Filosofia. O João Alberto se dirige ao Delegado de Educação, Prof. Luiz Bezerra, vulgo Prego Dourado, para dizer que vai contratar Zé Neides, como professor.
Prego Dourado se assusta: - O filho do Adalberto? Pelo amor de Deus, não! Chega de gente valente por aqui! João insiste, e o Prof. Luiz resolve conversar com o Zé. Gostou da conversa (Você tem uma boa palestra, José!) e o emprega. Antes, José teve que ir a Fortaleza trocar os contratos. Um burocrata da secretária de Administração, ao receber um formulário preenchido reclama: - Meu amigo houve um engano aqui! Em Novo cargo você colocou professor! Que é isso?  Após as explicações, o funcionário fica pasmo de ver como um vigia ser torna um Professor. E não ficou por aí, não! De excelente professor chegou a vice-diretor, atingindo o patamar máximo de Diretor do Colégio Regina Pacis. O final da sua carreira foi no Centro de Educação de Jovens e Adultos Prof. Luiz Bezerra, o Ceja, onde deixou a última mensagem filosófica, plantando uma exuberante Dama da Noite, no canteiro que tem uma plaquinha com os dizeres “Jardim José Neides”.  A planta exalava um aroma inebriante ao anoitecer, como a lembrar que sempre fica um perfume nas mãos daquele que nos oferta flores, ao contrário de Seu Adalberto que, de vez em quando, oferecia era o perfume das balas.
Raimundo Cândido

José Alberto de Sousa disse...
Cuidado com Raimundo escuitador, 
não sei se ele se vale de uma boa memória 
ou se anota tudo o que ouve 
para escrever uma formidável estória.