quinta-feira, 23 de maio de 2013

Cebola



Posto o mundo,
ao sétimo dia
de rigoroso  labor:
vapores sulfurosos,
gases óxido nitrosos,
resíduos inflamantes,
impalpaveis, incolores
desejos urticantes,
choramingas coagulantes,
plasma organometálico
de jactância  lastimosa
e concepção lacrimejante 
a proceder infame substância
que alguém sabiamente,
simplesmente, chamou de: 
CEBOLA!

Raimundo Cândido

As novenas do Externato N. S. de Fátima



            Quando o arrojado Padre Juvêncio, no inicio do século XX, decidiu construir uma Avenida de Madeira que principiava na Praça do Barrocão e descia, feito airosa Regina Viarum, rumo à antiga Fazenda Boa Vista dos Correias, onde brotou o poeta José Coriolano, não faltou quem achasse que o vigário havia perdido o siso. O cidadão Antônio Ricardo, um zeloso moralista e dono de corajosa franqueza, advertiu ao reverendo: - Padre, o senhor está fazendo um grande mal à minha terra, construindo uma avenida para os casais passearem! O sacerdote respondeu depressa: - Então julgas, Senhor Antônio Ricardo, que a Avenida Getulio Vargas ficará as escuras? Não! Ela será bem iluminada, vigiada pelos pais das moças, e os rapazes que aparecerem por lá serão muito bem observados, pelas autoridades e até pelo vigário, que estará presente de vez em quando. A grande Avenida foi inaugurada, segundo o nobre memorialista Norberto Ferreira Filho, com uma grande caretada, pessoas com máscaras, fitas dependuras nas roupas coloridas e dançando em comemoração ao dia de São João. A iluminação da rua custava, por noite, 10$000 de carboreto-gasômetro e pagos pelos cofres da prefeitura. O Grande Circo Olimexa, de propriedade dos mexicanos, foi o último espetáculo que se apresentou dentro do madeirame de grades, para voltar a ser batizada de Avenida Frei Vidal da Penha, como antigamente, em homenagem ao profético missionário capuchinho.
            Desde que aquele santo Monge desceu da Serra da Ibiapaba e desfilou, em rede armada num varal de aroeira pela rua poeirenta, que essa via urbana se transformou numa Rua de Luz.
           Luz divina, é bom que se diga! Na primeira vez, em 1953, quando a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima estevem em Cratheús, não tivemos uma oportunidade de melhor contemplá-la. E por contratempo do tempo - há quem diga que foi proposital - na cidade de Tauá, o Teco-teco e a Santa tiveram que pernoitar em Cratheús. Fato que fez o severo Padre Palhano, imprudentemente, afirmar: - Vocês estão prendendo a Santa! Mas na segunda ocasião, um louvável empreendimento do Bispo Dom Jacinto Furtado de Brito Sobrinho, pelo cinquentenário daquela primeira visita, a luz desfilou acompanhada por uma multidão de fiéis pela Rua Frei Vidal da Penha até a calçada do Externato N. S. de Fátima, coroando a memoriosa Fábrica de Sonhos com uma claridade divinal, pelo afã em louvar à Maria Santíssima todos os meses de maio, com calorosas novenas.
           A Rua Frei Vidal, esquina com Padre Juvêncio, ainda se ilumina. Por todo o mês de maio as criancinhas, concentradas, coraçõezinhos puros e mentes abertas para o mudo, cantam: “A treze de maio na cova da Iria / No céu aparece a Virgem Maria / Ave, ave, ave Maria / Ave, ave, ave Maria // A três pastorinhos, cercada de luz / Visita Maria, a mãe de Jesus / Ave, ave, ave Maria / Ave, ave, ave Maria...”
          A diretora da Fábrica de Sonhos deixou, do próprio punho, uma singela carta:
          “Caros alunos do Externato N. S. de Fátima,
          queridos professores deste Estabelecimento de Ensino,
          permitam que eu ocupe o lugar de vovó, no coração de vocês.
          Há quatro anos que estou ausente deste colégio tão querido, que criei com tanto amor e carinho.
          Aos meus alunos dei o melhor da minha vida: assistência, amor, compreensão. Em cada ex-aluno eu vejo um filho, e a vocês, que não tive o prazer de conhecer e conviver, dedico estima e agradeço de coração genuflexo, as orações durante o mês de maio. Nossa Senhora os recompensará. Peço com muita fé que Ela coloque o nome, de cada um, em seu Coração de Mãe, dando-lhes amor e, com certeza, os ajudará na caminhada do saber, atapetando de flores espirituais os dias de vocês.
           Professoras queridas! A missão de vocês é espinhosa, porém, feita com amor, torna-se gratificante, pois vocês estão realizando um desejo de Jesus quando disse: “Ide e ensinai a todas as Nações”. Coragem, colegas, que no entardecer da existência, vocês verão quanto foi bom transmitir luz, saber e vida digna à mocidade.
          A Deus pertence o nosso encontro no próximo maio.
          Para cada aluno, cada professora, Dona Neusa, Ancy, Pequena, minha filha Haydée e minha amiga Maria Tereza, a minha gratidão sincera e o meu muito obrigada, vindo do recôndito de meu coração.
                                                          Crateús, 31 de maio de 1993.
                                                          Maria Delite Menêzes Teixeira”
           Na realidade, a professora Maria Delite nunca se ausentou da Fábrica de Sonhos, em cada atitude, em cada gesto, em cada semblante, docente ou discente, que ali se matura, como o doce fruto de uma árvore, está o coração da mestra!
          No Livro “Uma História de Vida” em que uma das filhas, a Vera Lúcia Teixeira Fernandes, escreveu o seu memorial, lemos o depoimento de Dom Jacinto, Bispo Diocesano: “Jamais esquecerei o seu olhar de fé, jubilo e gratidão, em pleno meio-dia, sol a pino, quando a Imagem Peregrina de Fátima esteve por alguns momentos em seu Educandário, dona Delite! Aí eu terminei de compreender o segredo de sua arte de educar: a senhora aprendeu com Maria, Mãe e Educadora, a sublime arte de amar, acolher e fazer crescer.”
         Neste mês, florido de maio, fui rever a Escolinha de Nossa Senhora como ela gostava de chamar e voltei a ser o menino da década de 70 com meu coração a cantar em pluma, acompanhando os alunos de Externato a aspergir luz na Avenida Frei Vidal da Penha, a Regina Viarium de Pe. Juvêncio, de Dom Fragoso, de Dom Jacinto e da Dona Delite: “Maria de Nazaré, Maria me cativou / Fez mais forte a minha fé / E por filho me adotou / Às vezes eu paro e fico a pensar / E sem perceber, me vejo a rezar / E meu coração se põe a cantar / Pra Vigem de Nazaré / Menina que Deus amou e escolheu / Pra mãe de Jesus, o Filho de Deus / Maria que o povo inteiro elegeu / Senhora e Mãe do Céu / Ave – Maria, Ave – Maria, Ave – Maria, Mãe de Jesus!.”

Raimundo Cândido