sábado, 19 de outubro de 2013

A Matriz



Vejo na luz difusa
um som do passado
vagueando no ar...
A Nave,
tal Arca de Noé,
fascina meu ser...
Ouço
os velhos reverendos
prostrados nas cruzes,
auteros, fervorosos
docemente afáveis:
a voz da inquietação,
o clamor de alerta,
e o brilho da ostentação!
Percebo,
no clarão dos vitrais
a iminente profecia
do capuchinho Vidal,
augure em iluminação,
divagando n’alma
inflamada no fogo
que arde no coração!


Raimundo Cândido

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Sem adeus


Eu era o abandono,
náufrago de mim...
Estendeste-me a tua mão!
Pássaro remido...
Divagamos na linha do tempo,
em nuvens de algodão,
aonde se nutrem ternas ilusões...
De mãos dadas, melhor: atadas!
Um ou dois tropeços
e não nos alvoroçamos...
Estávamos de mãos dadas,
mas já desatadas!
Não houve sobressalto
quando desalinhamos
e dissiparam-se as nuvens...
Soltaste a minha mão
e nas ruínas do tal naufrágio
regressei ao meu ponto insular..
Sem um adeus!


Raimundo Cândido

José Alberto de Souza disse...
Esta é a dor 
que nos provoca 
um simples adeus 
para virar saudade 
num rosto sem feições 
que teima em desaparecer 
como esperança derradeira...

A Missão

              
Aos que passaram
e deixaram o perfume
feito índole, feito fibra,
em ação, caminho e vida!

Aos que passam
alicerce, explanação,
doses de inspiração
como preces sagradas!

E continuam a passar,
se doando, sem grilhões,
misto de dor e amor,
guias em proceder.

Aos que passarão,
uma lição: Esperança
é a alma do mestre
a sorver angústias.

E que passem feito dom,
consagrando a Apolo
os júbilos e as aflições
trituradas nas moedas!


Raimundo Cândido

Zacharias Bezerra de Oliveira disse...
A professora das professoras, amiga leal e tutora
Dona Delite é o início do anúncio da profecia
Foi uma mulher, em vida, muito batalhadora
E sua obra estará, para sempre, em nosso dia a dia..

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

O Pião


Na ponta
do fio de algodão
gira um pião, revoluteia
no vórtice do tempo
rabiscando versos
que adocicam a minha mão.

Na ponta
do fio de algodão
deixei um brinquedo
a girar e minha vida
prosseguiu a bailar,
efêmera, feito um tufão.  

Na ponta
do fio de algodão
ainda circula emoção,
rodopia uma poesia 
na alma do menino livre:  
pião zonzo, ingênua magia.


Raimundo Cândido

LAVRADOR



No feitio da pele,
na chama da carne
e no lenho dos ossos
lavramos a vida...
Labor sem fim!
A enxada repousa
olvidada no canto
e nos ombros um enfado
infindo  prossegue...
Esgotou-se o ânimo,
debilitaram-se os braços,
esmaeceu-se o olhar para
roçar o limo  do chão!
E a terra nua, sequiosa, crua,
no lavor final  e supremo,
é que ara na pele da gente!

Raimundo Cândido


domingo, 13 de outubro de 2013

A Cerca


Às vezes,
na ponta da estaca
pousa uma sabiá,
mas só de passagem,
a peneirar as penas!
E sempre o intrometido
Bem-te-vi vem curiar!
Às vezes,
há perfume de roseiras
e o colorido da jitiranas!
Num momento invulgar...
Todavia,
o que predomina no ar
é um cinza decadente,
desdouro de paus-a-pique,
das velhas estacas abraçadas
no peito de um Mourão
que o tempo rói o limo,
retornando-o ao chão!
A cerca corre na fila torta
escoltando uma vereda
na trilha da amplidão!
Às vezes,
no desalinhamento rude,
ancora um passador
onde a fé se transpõe
de lado a lado, elevador
de ossadas e esperanças,
na senda da solidão!


Raimundo Cândido

Maria do Socorro Cavalcanti disse...
Meu prezado amigo e Presidente da Academia de Letras de Crateús, Raimundo Cândido 
T. Filho, sou realmente uma privilegiada! Contar com o envio de variados textos advindos de tão nobres confrades, é realmente agradável e proveitoso. O seu poema A CERCA vai fundo no interior de cada Nordestino, que venha a ter a feliz oportunidade de ler tão importante obra. Parabéns!

Zacharias Bezerra de Oliveira disse...
Às vezes por ali também pousam, curiosos, urubus
Outrora, quem sabe, maneirosas juritis...
A cerca, outras vezes, já não se destaca,
Pois nada mais cerca, são apenas estacas.

José Alberto de Souza disse... 
Enxergas uma sobrevida
pairando no ar eterno
como se quisesse contar
uma história oculta
na solidão de paus a pique
cravados na terra morta.