O sertão é um inexplicável
lugar de milagres que nos seduz e nos inspira, mesmo pelos raríssimos prazeres
que colhemos entre laboriosas dificuldades. Ele faz com que a gente enfinque
raízes no chão, inospitamente seco, mas não nos educa como bem educou as
plantas xerófitas para sobreviver no semi-árido mortificante, adequadas a
hibernar em vida latente no penoso verão. Nós, sertanejos obstinados e
subordinados ao duro agreste inadaptável, padecemos à falta d’água e
afligirmo-nos ao ver o espírito da natureza sendo alquebrado pela cruel
sequidão, lamentando o triste mugido do gado, sem ter o que comer e sem ter o
que beber.
Disse, Leonardo da Vinci, um
dos grandes sábios da humanidade: "Se tens que lidar com água, ou com a
falta da mesma, sonda primeiro as experiências, depois consulta a razão".
Antes de cair, num chuvisco fino ou como uma chuva medonha diluindo-se
jubilosa, espargindo o perfume da terra molhada, ela dá um indício que vem. E
alguns sertanejos sabem discernir os aspectos indicativos dos céus e os ocultos
sinais da natureza. Formados nos descampados do sertão, como os profetas
bíblicos que são produzidos nos desertos áridos, os adivinhos, como os
cangaceiros, os beatos e os penitentes, estão profundamente identificados com
os efeitos inevitáveis das secas. Ela, voraz e perversa, sempre vem e mata
tudo: a roça, o curral e o lar, e só deixa uma nesga de esperança, inseparável
da rija alma do rústico homem do campo, como seu último e doloroso bem, afixado
nas fibras do coração.
Dizem, os doutos, que nessas
épocas difíceis, dos bichos de fôlego só escapa mesmo o fole. E o sertanejo sabe que é bater os paus da
porteira, se benzer e esperar, esperar somente... Por isso, é bem vinda a boa previsão
dos profetas agricultores que aparecem, um em cada lugarejo, um em cada rincão.
Desde que o monge capuchinho Frei Vidal da Penha, nos idos de 1870, missionou
pelos Sertões de Crateús profetizando que a Praça da Matriz seria uma cama de
baleia – no mínimo já prevendo chuvas para o Lago de Fronteiras – ou de quando
os índios da Ibiapaba trucidaram o Jesuita Francisco Pinto e percorriam em
procissão pelo cume da serra, com os ossos do velho padre a chocalhar dentro de
um cesto de taquara de cipó, a implorar chuvas, que o rústico agricultor
aprendeu a fazer previsão.
E os
indícios da natureza são tantos: a floração do juazeiro em setembro, que é
também o mês do ipê florir e dá frutos e do mandacaru em fevereiro que são bons
sinais de quadra invernosa. A brisa fria do vento do “Aracati” se repetindo
todo dia 18, de junho a setembro, é também um sinal. Verifique as alterações
dos movimentos das formigas, dos cupins, dos sapos, das lagartixas, das
cigarras e dos maribondos com suas casas nos cantos das varandas. Mas se um
pássaro chamado joão e sua companheira maria-de-barro fizerem uma casinha com
abertura para o poente, teremos muita chuva, sim senhor! A primeira lua de
janeiro deve ser “atoalhada” por uma forte nuvem e se você puder, de uma
olhadinnha no pé da orelha de um jegue, estando suado, é muita água por vir.
Houve
época em que nas Carrapateiras, Distrito do Realejo, na frente da casa do
Senhor Firmino Barbosa, pai da Chica do Zé Dobrão, à tardinha, numa longa tora
de madeira apoiada por reforçada forquilhas, os trabalhadores da roça iam se
abancando para ouvir o profeta Firmino: - Vocês notaram como os mandacarus já
estão florindo, é muita chuva! Eu percebi também umas alterações na
estrela-d’alva! O Profeta do pé da serra já misturava os observações dos astros
com as coisas da natureza, buscando uma melhor previsão.
Na localidade de Jitirana, no rumo
do açude carnaubal, o Zé Balé e o Juvenal Paraibano eram insistentemente
procurados por previsões meteorológicas e também por outro dom preciosíssimo.
Eles adivinhavam aonde havia água rasa nos subsolos, com ajuda de uma varinha
bifurcada de madeira e um peão a girar, dependurado num cordão. Seguravam a
forquilha com as palmas da mão para cima, envergando a outra extremidade para o
chão. Quando a vareta vibrava era por que já estavam passando por cima de água
subterrânea. Possuíam uma sensibilidade às radiações telúricas como se o
próprio corpo fosse um campo magnético a detectar o valioso líquido debaixo da
terra por meio daquela anteninha de madeira.
Os técnicos, atados aos conceitos científicos, chamam isso de
radiestesia humana. Quando os músculos do Juvenal começavam a vibrar, uníssono
à pontinha da forquilha, ordenavam: - É
aqui, podem cavar que tem água! Uma probabilidade de acerto de 100%!
Outro
profeta que dificilmente errava uma previsão era o Senhor Citó Mourão, morador
da localidade de Tourão. O rico fazendeiro Raimundo de Pinho, apressado (Dizem
que os Taiocas são assim mesmo!) em comprar uma partilha de gado de um amigo
aperreado, consulta o Citó, que logo o avisa: - Raimundinho, as águas este ano
são fundas! E o fazendeiro desiste do
negócio. Com a quadra invernosa se mostrando muito boa para o gado, Seu
Raimundo de Pinho volta para reclamar do adivinho: - Mas Citó, você me deu um
prejuízo! O profeta se defende, apontando o Riacho Tourão, ali, nas alturas: -
Entre aí, Raimundinho, e veja se as águas não estão fundas!
Dou
crédito a um especialista quando este acredita no que diz, principalmente se
passou a vida inteira observando os sinais proféticos da natureza e dos astros.
É o caso do Senhor Ossian Machado Portella, um aposentado da Coletoria
Estadual, tal qual o guerreiro e poeta irlandês, também chamado Ossian, gerador
das genuínas baladas provenientes da Escócia. O profeta crateuense afirma,
peremptório: - Professor, as observações na natureza são para as previsões
imediatas, de pouquíssima duração. Eu me oriento pelos astros, sou um seguidor
do inglês Mister Huss, o engenheiro que construiu as primeiras estradas de
ferro de São Paulo até o Ceará. E o Senhor Ossian continua a me dar aula sobre
Francis Reginald Hull e sábias lições meteorológica: - A linha ferroviária da Serra do Mar, onde a
gente ver incríveis obras de arte, como três túneis belíssimos, três viadutos
com estrutura metálica, viadutos sobre pedras e trinta eclusas abobadadas, foi
ele quem executou. Por aí, você tira meu amigo!
Ele pesquisou, incansavelmente, o fenômeno secular das secas no nordeste
e descobriu que havia um estreita correlação entre a frequência dessas
anomalias meteorológicas e o ciclo undecimal das manchas solares. Ao apresentar
o famoso Diagrama das Secas tornou-se a maior autoridade em estudos climáticos
do Nordeste . Este sábio engenheiro criou um amor tão grande pelo Ceará que um
dia aspirou assim: "Desejo que após a minha morte, meu corpo seja
envolvido na bandeira da minha pátria e que aos meus pés sejam amarradas barras
de ferro da usina da Ceará Light, em seguida coloquem-me numa jangada e lancem
meus despojos mortais a três milhas da costa cearense.”
Ossian continua: - Estou de olho no El Ninho,
que é uma explosão dentro do Pacífico, na sua massa de ar quente que se
atravessa sobre o Estado de Minas impedindo a passagem de chuvas para o
Nordeste. Vou vigiar, também, a linha do sol sobre o equador na passagem do
equinócio, que é o um fenômeno do qual a Igreja tira proveito, para o dia 19, o
dia de São José. E qualquer novidade eu lhe aviso, meu amigo!
Fico a imaginar como seriam os
funcionários da FUNCEME com o denodo deste cearense no desejo de prever as
chuvas ou a falta delas, depois que captam os dados dos céus, da terra e do
mar, coloca nos melhores computadores para analisar, e ainda vão à
imprensa, escrita, falada e televisiva, só para se vangloriar.
Vi, recentemente, um dos grandes
pecuaristas de nossa cidade bastante preocupado, o Senhor Milton Menezes que,
dia a dia, observa contrito, o seu gado morrendo. Liga para o filho, Cândido
Neto, em Fortaleza: - Netinho, que você me diz das previsões? E o Cândido Neto,
com fina ironia pelas previsões oficiais, responde: - Pai, por aqui só tenho os
dados da FUNCEME, que não tem perigo de errar, ela ousa afirmar que, este ano,
o inverno vai ser abaixo da média. Desanimado, Seu Milton desliga o telefone, o
semblante cansado é um pálido desalento e fica, como todo criador crateuense,
com vontade de bater os paus da porteira e se benzer, esperando pela maior
alegria do sertanejo, que é ouvir os pingos tamborilando nas telhas, como
música, onde cada gota cadente é um hino uníssono e festivo de ninfa
vivificadora: a chuva!
Raimundo Cândido
Zacarias
Bezerra de Oliveira disse...
É
a sabedoria popular dizendo que o Homem precisa, antes de tudo, aprender a
CONVIVER com a seca e não com bater. A natureza é sábia e se adapta ao meio. O
Homem teima em lutar, em ir contra e sempre se dá mal, acaba não tirando
proveito do seio
José Alberto de Souza disse...
José Alberto de Souza disse...
É o homem despojado da tecnologia que se vale da contemplação da Natureza e que dialoga com ela na ausência de qualquer contato humano.