sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

VIRADA (Isis Celiane)


No último dia do ano
Crepúsculo triste anunciando alvorada
Nas ruas a juventude vibrando
Esperando, cheia de vida, a hora da virada

O velho ano de bagagens prontas
Carregadas de recordações, quase indo embora
Deixando sonhos, conquistas e desilusões
Que serão amanhã miragens em nossa memória

E os poetas do tempo e da vida
Dizendo em versos o quanto ela é breve
“Vida louca, vida (...)
Já que eu não posso te levar
Quero que você me leve.”

Alguns carregando seus deveres
Lembrando a rapidez com que o tempo passa
“A vida é uns deveres que nós
Trouxemos para fazer em casa (...)”

“Quando se vê já são seis horas: há tempo (...)
Quando se vê passaram-se 60 anos” num segundo
E embora todo o dia ao acordar não tenha mais o tempo que passou
“(...) tenho muito tempo, temos todo tempo do mundo...”

Elias de França disse...
Que gostoso, Poeta Isis, essa costura de tão preciosos retalhos poeticos de tão grandes trovadores. De fato, falar de tempo é falar de vida. Porque, à otica humana, ambos estão bem imbricados. Li ha alguns meses, não me recordo de quem, a tese de que o tempo não passa; quem passa é a vida, o homem, seus fazeres terrenos. Assim, o lapso de uma volta da terra em torno do sol só tem significado para quem vive, breve vida, como nós mortais. Ainda assim vivemos a esquecer que somos tão pouco, ínfimos até, nessa imensidão de mistérios, codificados desde a célula à mais longínqua poeira do sem fim alem.

ANDARILHOS (Aldo Costa)

Eu e você estrada afora
Dois ciganos a vagar
Sem destino, como a brisa
Sem preguiça, como o mar

Os seu olhos têm o verde
Do milho, lá no roçado
Na boca, doce desejo
Do prazer e do pecado

O amor tem várias fases:
É verão e é inverno
É lucidez e loucura
Paraíso e inferno

Se te quero e te preciso
A vida inteira, só prá mim
Nessa estrada vou contigo
Caminhar até o fim

Estradas...ciganos
Andarilhos cansados
Amor ao relento
Corpos saciados.



Aproveitando este momento dos últimos de 2010,
Gostaria de abraçar a todos(as) amigos(as) acadêmicos(as),
desejando-lhes um novo ano cheio de muita paz, saúde, luz e
muita inspiração ao lado de todos aqueles que amam e prezam!
FELIZ 2011!
Aldo Costa

Isis Celiane disse...
Lindos versos, carregados da simplicidade que torna a poesia encantadora e apaixanante. Feliz ano novo para ti e para todos nós desta casa de versos chamada Academia de Letras de Crateús.
Sexta-feira, 31 Dezembro, 2010

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

VELHOS TEMPOS DO FUTURO (Elias de França)

Amanhece, e eu de novo à janela.
O céu continua azul;
o sol, deslumbrante, ilustra o nascente;
o mundo tem nova data marcada para acabar: 2012.

Passam os bêbados de volta da noitada,
patinando na lama dos esgotos da rua,
tropeçando em latas de cerveja, copos plásticos,
aspirando poeira, vômito, enxofre...
detritos do homem descartável
em festa de reveillon.
Ainda sobre a calçada,
toda a vizinhança em sacos de lixo
de um ontem tão distante...

Zé Porfírio ainda vive, servindo raro leite, na sua velha carrocinha -
mas já não lhe sou freguês:
hoje bebo pó sintético de cereal transgênico,
dada a intolerância à lactose;
o jegue Stalone não teve a mesma sorte: foi atropelado por um caminhão,
não sem antes ter matado minha muda de palmeira,
e em seu lugar plantei um pé de Nim Indiano.
Totó-da-Bodega faliu!
Aí se aposentou e mudou-se para a capital.
Agora passo o cartão no supermercado da cidade,
E sigo pendurando faturas aos fins dos meses...
A casa vizinha virou uma lan house, um cyber sem café, sei lá o que mais...
os sons sintetizados de supercarros de formula 1, nos games,
redundam em meus tímpanos...
Morro de saudades daquele cheiro de CO2 colorido de cinzas, que enevoava toda a rua – Não desse gás catalisado, incolor, insípido e inodoro,
que todos devoram sem tapar o nariz

e nos dilacera oculto os brônquios -
e do barulho cansado da velha Brasília vermelha,
há dez anos vendida no quilo para o ferro-velho...
A banda militar, ao longe, estranhamente,
ainda toca os velhos refrões,
ensaia as “antigas lições”,
de coturnos em teimosia com o asfalto,
enquanto jovens praças
rondam minha rua em modernas volantes.

Não há robô algum a recolher dejetos,
nem naus espaciais zanzando em meu beco.
Nem mesmo o carro-pipa que abastecia os baldes nos socorre,
pois se encontra no prego no quilômetro 15 da rodovia,
com o diferencial quebrado
e não se fabricam mais peças para sua manutenção...
Aí bebo água tônica comprada a preço de prata
e me banho no canal,
que um dia já foi um rio com nome indígena,
cuja pronúncia me foge à memória...

É 2011, como se fosse ontem...
um ontem tão distante
que insiste em não desaparecer,
com todos os seus resquícios
da “parte rudimentar” da história humana...

É 2011, igualzinho ao ontem,
o ontem tão distante
que não desapareceu,
com sua pobreza, seus males e fracassos...

É 2011, o mesmo que ontem,
que tanto mais mude, tanto mais cresça, tanto mais se modernize,
tão mais velho fica o ontem,
assim tão distante e tão presente.
E eu que tanto já ralhei, gritei, indignei...
continuo a ter amigdalite na garganta operada;
tempero de veneno o repolho, prevenindo a teníase;
respiro caltin para não morrer de dengue;
tomo resignado meus coquetéis de pílulas diários,
um para cada mal,
e vou ao templo todos os dias
louvar ao criador
pela graça de ver a aurora do novo ano,
que me nasce à minha imagem:
enrugado, esclerosado, demente, insano...



Raimundo Candido disse...
Acho que do lirismo de Cecília à poesia filosófica e trina de Pessoa neste poema há. Por sinal, acho que há é uma multidão de poetas que se reunirão na pena do profeta, digo vate Elias( dá no mesmo! ) para entusiasticamente louvar um ano que vai e outro que vem, assim na vida do Zé Porfírio ou de um jegue, que convenientemente tem o nome stalone, pelos velhos tempos do futuro antes que eles se acabem ( Espero que fique bom de sua amigdalite, bem antes! ) .Quinta-feira, 30 Dezembro, 2010

COELHO disse...
O Raimundo Candido acha que "Em Velhos Tempos do Futuro" há Cecília e há Pessoa...Discordo do Raimundo...Quem sou eu para discordar? Mas discordo assim mesmo... Neste poema só há o verbo dilacerante, às vezes impiedoso, deste artista de múltiplos talentos de quem tenho a honra de ser amigo...Salve, salve, grande Elias de França...Espero que nos encontremos antes que o mundo se acabe... Um grade abraço

Elias de França disse...
Muito obrigado Meu Caro Poeta, Raimundo Cândio, e meu caro parceiro de tantas lutas, Coelho. Embora num ensaio de opiniões contraditórias, ambos muito generosos para com este humilde aprendiz metido a poeta. Aprediz sim com os grandes, como Cecília e Pessoa, mas tambem aprediz, inclusive, com os amigos, como por exemplo: ao tempo em que o "natal era feito de belas palavras", "num arriscado balancete vivencial de verificação, nos versos do Raimundo, tirei a ideia de comprar a prazo e pendurar faturas para manter a vida no azul; e das tantas horas de dedicação aos debates e embates das lutas pro-humanidade, ter a coragem de contestar sempe que necessário, ainda que nos digam que é proibido, o que aprendi com o Coelho. Ter meus versos tortos comentados por tão brilhantes mentes, de um lado, o poeta e professor de ciencias exatas, do outro, grande humanista e mestre em economia (na economia util ao povo) é um grande privilégio e gratificante presente de ano novo!
Feliz tempo vindouros, velhos ou novos, vamos pra eles!
Grande Abraço!

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

UM SARAU DE POESIA NO SERTÃO: SERÁ POSSÍVEL?



Por Elias de França



Um dia desses, um amigo me surpreendeu com uma informação inusitada: de que ouvira no rádio que eu seria homenageado num sarau em uma comunidade rural de um município vizinho.
A surpresa advinha de dois motivos: um deles, o gênero do evento: sarau, nome dado às rodas de declamação de poesia. Ao longo dos meus mais de 40 anos nesses Sertões, foi a primeira vez que me ocorreu saber de acontecimento desse tipo, pelo menos com amplitude publicada nos meios de comunicação locais. Na infância, era comum ouvir convite enterro, convite festa - no caso forrós, tocados por sanfoneiros da região, convite dança de São Gonçalo, reisados, cantorias de viola, festejos de santo padroeiro, novenas de Nossa Senhora de Fátima, vaquejadas, derrubadas de Judas... Mas nas últimas décadas, as alternativas de eventos se apresentam cada vez mais escassas, quase se resumindo às festas, agora tocadas por megabandas e anunciadas com meses de antecedência.
O outro motivo de estranheza era que eu não havia sido contactado a respeito, mistério esse que foi esclarecido dia seguinte, quando recebi em casa a diretora da Instituição promovente, Gracinha Ferro e o seu coordenador pedagógico, Francisco Antonio. De fato, tratava-se do I Sarau 2010, de realização da Escola de Ensino Fundamental 03 de dezembro, no Assentamento Vitória, na Zona Rural do Município de Ararendá, Região Centro-Oeste do Ceará.
No dia marcado, tomei a estrada, percorri algumas dezenas de quilômetros em asfalto, depois me embrenhei numa trilha estreita, de terreno arenoso, repleta de poças d’água, devido às chuvas da noite anterior, até avistar um caminho de luzes sequenciadas, que me permitiram concluir ser aquele o lugar. Estacionei junto ao muro da Escola, numa das poucas vagas restantes, dado o bom numero de picapes tipo pau-de-arara, microônibus, motos e bicicletas. Segui, enfim, entre boa gente que rondava a escola e ao adentrar o pátio do prédio está lá armado um palco, com estrutura de som montada, alem de uma passarela em forma de T, dessas onde se costumam realizar desfiles. A estrutura e o número de pessoas a prestigiar o acontecimento não deixava a desejar em relação às grandes festas realizadas nas comunidades.
Convidado a sentar em um bloco de cadeiras chamado pelos organizadores de “tribuna de honra”, juntamente com diversas autoridades municipais e regionais, pusemo-nos a contemplar o decorrer do evento. O mestre de cerimonial, vestido a caráter, passa então a anunciar as apresentações, já desde os cumprimentos iniciais, através de bem elaborado script, amplamente fundamentado, todo intercalado de citações de escritores, poetas e pensadores de todos os níveis e estilos. Os declamadores eram os próprios alunos da escola, desde a educação infantil até as séries finais. Todos, desde a menor criança até o mais adulto, demonstrando grande esforço, explicitado no cuidado de haverem memorizado todas as falas, inclusive, as informações biográficas dos autores escolhidos. As declamações dos poemas sempre eram precedidas das apresentações dos respectivos autores, enquanto uma criança desfilava a mostrar sua imagem física ampliada, traçada em grafite por retratista.
O verso soou noite a dentro por uma, duas horas, e nossas atenções ali a flechar aquele elevado. Não se viam abrimentos de boca, gestos de impaciência, ou esvaziamento de nenhum dos tantos sertanejos que ali se encontravam, a despeito de costumarem dormir e acordar cedo. Já pelas dez da noite, após o decurso da ultima apresentação, a palavra é facultada e me inscrevo. Pergunto-lhes que lugar seria aquele; digo que precisaria voltar ali, em um dia comum, para tentar sentir as dificuldades tantas que aquela gente deve ter, sejam necessidades de existência material, sejam demandas artístico-culturais, pois do contrario eu iria sair dali pensando que havia estado no paraíso da cidadania.
De meu trabalho, como um dos homenageados, o único presente em pessoa e um dos poucos ainda vivos, não tinha quase a dizer, posto que tanto já havia sido dito, boa parte pelo próprio fato. Ao fim, como se tamanha honra não bastasse, como se meu peito já não transbordasse, como se não estivéssemos repletos da poesia cantada por aqueles meninos e meninas, ainda ganhei minha caricatura de presente e tomei o caminho de volta, tecendo e desfiando reflexões.
Percorrendo aquelas trilhas, vou recobrando em mente o poder da educação, sua capacidade de produzir nos homens e mulheres, por eles mesmos, e por que não nas crianças, grandeza humana, intelectual e cultural; o poder do educador de fazer escolhas, conduzir pedagogicamente o processo de apropriação e interiorização dos domínios externos, distantes, abstratos, aparentemente inalcançáveis. Pois, quem haveria de imaginar que as letras de Cecília Meireles, Ruth Rocha, Eva Furnari, José Paulo Paes, Manoel Bandeira, Drummond, Vinícius... qual sementinhas trazidas de terras além viessem encontrar adubo no meio da Caatinga e vicejar em parelha com as nossas humildes invenções, com os nossos deuses sagrados como Patativa e Rachel de Queiroz?
E a passarela, não houve desfile? Houve sim. Foram eleitas as garotas poesia. Elas desfilaram com faixas contendo os nomes dos autores, aos efeitos sonoros de um DJ (Dijei, não sei se é assim que se escreve). Ao fim foram convidadas a responder por que ostentavam os nomes daqueles escritores, advertidas pelo mestre de cerimônia de que a beleza física é precária caso não se conjugue a beleza intelectual, cultural e espiritual.
Se aprendemos com Belchior, que “Nordeste é uma ficção, nordeste nunca houve” e que não somos “... do lugar dos esquecidos, da nação dos condenados, do sertão dos ofendidos”, Os meninos e meninas do Assentamento Vitoria bem que poderiam cantar com o mesmo autor “conheço o meu lugar” e por se desafiarem para dizerem que sabedores de sua sina de terra esquecida, tórrida e distante dos grandes centros urbanos, podem transformar a si próprios e a seu lugar num mundo melhor para se viver.





Teddy Williams disse...
Parabéns a todos por esse evento. Que outras comunidades realizem ações parecidas como essa e que possamos, juntos, criar uma Grande Ciranda Cultural divulgando atividades sócioculturais que acontecem nos sertões.Parabéns Elias de França, pelo texto e por sua vasta contribuição.Abraços!Teddy WilliamsCiranda das Coisas do Coração.
Quarta-feira, 29 Dezembro, 2010

Meh'ssias disse...
Realmente... um importante evento! PARABÉNS A TOD@S QUE ORGANIZARAM. Muito bom saber que existem lugares e comunidades que organizam prestigiam um evento como esse! PARABÉNS ELIAS! PARABÉNS Á ESCOLA QUE PROMOVEU ESTA ATIVIDADE!!!
Quinta-feira, 30 Dezembro, 2010

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

AO POETA JOÃO BOSCO,

Meu Caro Poeta João Bosco,

Muito prazer em contatá-lo!

Gostaria de agradecer pelos acessos ao nosso blog, pelas boas impressões manifestadas e pela reflexão acerca da questão das Academias de Letras.

Sobre esse ultimo tema, trata-se de um assunto que tem motivado grandes debates e dividido largos segmentos da sociedade e até a classe dos escritores. Divide, inclusive, a nós aqui de Crateús: alguns bons cultores de letras de nossa terra, que possuem todos os méritos e talentos para compor conosco esta Arcádia, não o estão em face de possuírem restrições de princípios em relação às estruturas orgânicas e fins das academias de letras.

Respeitamos seus posicionamentos e prosseguimos tentando construir esse ente que, para nós, como você sugere, se emprenha na missão de “produzir, de se reunir, discutir e resenhar obras, sem o sentimento da egolatria e do egocentrismo, mas com o sadio desprendimento da solidariedade, do companheirismo".

Pensamos como você; não fizemos uma academia para nos sentirmos “imortais”; para nos vangloriarmos ou celebrar honras e comendas vazias. Pois que, como você e os colegas de letras ai de Francisco Santos, assim como em todos esses rincões tórridos nordestinos, sabemos que a literatura é uma semente rara de difícil cultivo e traquejo que requer, alem do solo fértil, da água tão rara nesse nosso chão, muito amor, compromisso e dedicação. Só temos alguma chance organizados, solidários e companheiros.

Assim, gostaria de nos por a disposição dos amigos aí dessas terras irmãs para maiores intercâmbios, inclusive mediante a troca de postagens, através dos nossos blogs. Nosso email institucional é
alcrateus@gmail.com.

Teremos todo o prazer de corroborar as letras dos amigos.
Abraço Fraternal e que a palavra talhada nos aproxime cada vez mais

Elias de França
Presidente da ALC